Sábado, 6 de dezembro de 2025
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Existem locais na Cisjordânia sob ocupação israelense onde camponeses palestinos vivem constantemente com a presença protetiva civil de judeus antissionistas israelenses ou estrangeiros. A violência dos colonos judeus é tamanha que os palestinos necessitam dessa proteção para pastorear seus rebanhos de ovelhas, cuidar de suas plantações de oliveiras e levar seus filhos à escola. As forças armadas israelenses, que exercem o controle do território, auxiliam os colonos na promoção da violência contra os palestinos, que não possuem força militar, policial ou guerrilheira para se proteger.

Um desses locais é Masafer Yatta, uma região composta por vilarejos palestinos nas montanhas ao sul de Hebron. Foi lá que se gravou o documentário vencedor do Oscar Sem Chão (No Other Land) (2024). Em agosto, Masafer Yatta recebeu uma comitiva composta por judeus antissionistas de diferentes partes do mundo, incluindo três brasileiras do Vozes Judaicas por Libertação (VJL), para fortalecer laços de solidariedade neste momento de avanço do genocídio.

Na região de Masafer Yatta, nas montanhas ao sul de Hebron, judeus antissionistas dão proteção a palestinos para pastorear seus rebanhos de ovelhas, cuidar de suas plantações de oliveiras e levar seus filhos à escola

Na região de Masafer Yatta, nas montanhas ao sul de Hebron, judeus antissionistas dão proteção a palestinos para pastorear seus rebanhos de ovelhas, cuidar de suas plantações de oliveiras e levar seus filhos à escola
(Foto: Mahmoud Jamal Makhamreh/WikiCommons)

A viagem foi organizada pelo Center for Jewish Nonviolence, que normalmente organiza grupos internacionais de judias e judeus que passam três meses morando nos vilarejos para protegê-los da agressão de colonos dos assentamentos vizinhos que desejam confiscar suas terras. A situação atual é tão violenta que esse programa de longa duração já não é seguro para os ativistas internacionais. Em julho, um dos integrantes palestinos da equipe de Sem Chão, Awdah Hathaleen, foi assassinado pelo colono Yinon Levy. A presença dos judeus antissionistas internacionais faz parte do esforço que busca justiça para a morte de Awdah.

Além da presença brasileira do VJL, participaram dessa viagem integrantes dos grupos Judíes x Palestina (Argentina), Jewish Voice for Peace, If Not Now, Rabbis 4 Ceasefire (EUA), Independent Jewish Voices (Canadá), European Jews for Palestine, Erev Rav (Holanda) e Tsedek (França). Quase todos esses grupos também compõem a rede internacional de judeus antissionistas Global Jews for Palestine. Essa rede funciona como espaço de troca de experiências, organização de ações de solidariedade aos palestinos e enfrentamento ao lobby israelense.

Esses coletivos judeus antissionistas almejam fazer da solidariedade com a Palestina o eixo de sua judeidade. Partilham do entendimento de que as comunidades judaicas ao redor do mundo têm o dever moral e ético de confrontar Israel, uma vez que seus crimes, como o genocídio em Gaza, são executados em nome de uma suposta proteção aos judeus.

“Pela primeira vez, o CJNV reuniu integrantes de coletivos já organizados em seus respectivos países para articular diretamente com palestinos nos territórios ocupados”, conta Juliana Muniz, uma das brasileiras do VJL que estiveram na Palestina. “A importância desse tipo de troca é compreender quais as demandas atuais de quem está resistindo à piora substancial da violência do regime de apartheid israelense e seus mecanismos de limpeza étnica. A partir desses encontros, é possível articular ações e campanhas internacionais que colaborem de forma mais produtiva na luta dos palestinos e palestinas.”

Além de Masafer Yatta, a viagem incluiu visitas a cooperativas de camponeses palestinos em Burin e Tulkarem; à organização de presos políticos em Nablus; ao Teatro da Liberdade em Jenin; encontro sobre normalização do apartheid na Universidade de Birzeit em Ramallah; e encontros com grupos de judeus israelenses em ativa solidariedade com os palestinos, como Free Jerusalem, All That’s Left e Mesarvot (composto por jovens que recusaram o alistamento militar obrigatório por razões políticas).

Avanço da colonização na Cisjordânia e em Gaza

Nos últimos meses, o governo israelense anunciou um número significativo de novos assentamentos judeus na Cisjordânia, enquanto as atenções estão voltadas para a fome e a destruição completa da Faixa de Gaza. O objetivo em ambos os locais é preparar o terreno para a anexação definitiva de parcelas dos territórios ocupados numa espécie de “solução final” unilateral da Questão Palestina.

Desde o início da ocupação desses territórios palestinos, em 1967, os israelenses vêm conduzindo um processo de colonização a partir do paradigma do “máximo de terras com o mínimo de árabes”. Isso porque a anexação da Cisjordânia e de Gaza, com a imposição da cidadania israelense a todos os palestinos, faria de Israel um país de minoria judaica. Entre as elites israelenses, há uma obsessão em manter o país como um regime de supremacia racial judaica através de uma ampla maioria étnica. Por essa razão, ocorreu a Nakba, em 1948, que expulsou 750 mil palestinos no contexto da criação de Israel. E os territórios da Cisjordânia e de Gaza ainda não foram anexados.

Essa limpeza étnica tem sido executada de forma lenta e gradual na Cisjordânia. O objetivo é concentrar o maior número de palestinos nas grandes cidades, como Ramallah, Hebron e Nablus, para tomar todas as terras rurais com o mínimo de palestinos possível. A intenção é reduzir a população árabe a uma quantidade administrável para que, uma vez anexadas suas terras, a integração dessa população à cidadania israelense não exerça impacto significativo sobre a composição étnica. Essa é a mesma lógica observada também em Gaza, onde o processo é conduzido de forma mais cruel e acelerada desde 7 de outubro de 2023.

O que devemos ver no futuro próximo é a crescente expulsão dos palestinos de Gaza e da Cisjordânia, abrindo espaço para a anexação de suas terras por Israel. Os palestinos sobreviventes ficarão confinados a parcelas de território autogovernadas e cada vez menores, sustentadas pela ajuda externa de países ocidentais e árabes. Esses palestinos fornecerão mão de obra barata para a construção dos assentamentos judeus nesses territórios confiscados. Essa tem sido a lógica do apartheid israelense há décadas.

Diferente do que a calamidade em Gaza leva a crer, a Questão Palestina não é uma causa humanitária, mas política. A fome tem sido utilizada não apenas para derrotar as forças guerrilheiras de resistência, mas também para confiscar as terras da população nativa. Mesmo que Israel permita amanhã a entrada abundante de ajuda humanitária, os palestinos continuarão lutando por sua libertação — e por sua terra. Por isso, a solidariedade internacional é fundamental para reduzir a disparidade de poder entre um Estado colonial ultramilitarizado e uma população civil que almeja liberdade e dignidade.

(*) Bruno Huberman é professor do curso de relações internacionais da PUC-SP,c doutor e mestre em relações internacionais, vice-líder do Grupo de Estudos sobre Conflitos Internacionais (GECI/PUC-SP), pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT/INEU) e autor de The Palestinians and East Jerusalem – Under Neoliberal Settler Colonialism (2023).