Sábado, 6 de dezembro de 2025
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Há quase 40 anos as famílias do Jardim Pantanal, na Zona Leste de São Paulo, vivem com medo das chuvas. São famílias que moram em casas construídas pelas suas próprias mãos, bem ali na beira do Rio Tietê. Os dias são longos, de segunda a sábado, desperdiçados nas viagens de trem lotado até o serviço. O salário é pouco, sem benefício nenhum, gasto com a feira do mês e nas dívidas intermináveis. As noite são mais longas ainda, pelo medo das tempestades levarem fogão, geladeira, colchão e guarda-roupas. Ninguém escolhe viver assim.

No início deste ano, em fevereiro, o Jardim Pantanal enfrentou uma nova enchente que deixou casas inteiras debaixo d’água durante mais de dez dias. Muita gente perdeu tudo e foi morar com parentes ou nos abrigos improvisados. Durante vários dias, mutirões de trabalho popular ajudaram as famílias a carregar móveis que viraram entulho, tirar a lama de dentro das casas, reconstruir os barracos derrubados e distribuir alimento e doações de roupas. 

O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, e o governador, Tarcísio de Freitas. <br> (Foto: Governo do Estado de São Paulo / Flickr)

O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, e o governador, Tarcísio de Freitas.
(Foto: Governo do Estado de São Paulo / Flickr)

Essa não é a primeira grande tragédia que atinge o bairro. Os moradores mais antigos resgatam com tristeza as lembranças da enchente que aconteceu em 2009: foram mais de 20 dias com as casas submersas. Antes disso, em 1997, outro marco na memória coletiva foram as enxurradas que deixaram centenas de pessoas desabrigadas. Um problema antigo, e nesses 40 anos nenhuma esfera do poder público resolveu a situação. 

A origem desse bairro, como muitas outros nas periferias em São Paulo, é consequência da formação dos grandes centros, onde a especulação e o mercado imobiliário cumpriram o papel de empurrar os trabalhadores para as margens da cidade com despejos e o encarecimento dos preços dos imóveis e aluguéis. A história de vida de muitos desses trabalhadores que encontramos nos mutirões se repete, pois depois de anos de muito trabalho e suor, a casa ali no Pantanal é tudo que eles têm. Outras histórias refletem a violência do sistema que obriga famílias inteiras a viverem em barracos improvisados nas extremidades da cidade. Em todos os casos, a questão é a mesma: um completo descaso do estado com o problema habitacional da cidade de São Paulo. 

Prefeitura apresenta despejos como solução 

Durante uma coletiva de imprensa, em fevereiro, o prefeito Ricardo Nunes (MDB), disse que “quando o Kassab foi prefeito, já foi feita a remoção de todas aquelas famílias de lá e voltaram de novo. Eu estou fazendo um pôlder lá. Tem uma obra que a gente estava orçando para gente fazer um dique e que fica mais de um R$ 1 bilhão. Não justifica […] uma obra que vai custar R$ 1 bilhão não vale a pena porque vai ficar muito caro. Se você pegar o número de casas que tem lá e dividir por R$ 1 bilhão de reais, vai ser mais fácil tirar as pessoas.” 

Ora, senhor Prefeito, porque será que as pessoas voltam a morar num lugar de risco? Simplesmente porque elas querem? Ou será que não se importam em colocar suas vidas em risco? Talvez você não saiba, Prefeito, mas existem pessoas que moram em áreas impróprias, nas periferias de São Paulo, porque não têm outra opção. E pode ser que sejam invisíveis para você, mas são elas que erguem os prédios espelhados, ensinam nossas crianças nas escolas e acolhem os doentes no postinho de saúde: são quem verdadeiramente constroem essa cidade. 

Quando Ricardo Nunes diz que “é mais fácil tirar essas pessoas de lá”, está atestando não só a sua desumanidade, mas também a completa incompetência, pois a sua obrigação é investir em infraestrutura para resolver o problema das enchentes, construir novas UBSs e creches, aumentar a frota de ônibus municipais, fazer novas praças e parques para as crianças. 

Como previsto, a Prefeitura de São Paulo, em conjunto com o Governo do Estado, pretende remover 4.334 moradias através do projeto Recupera Pantanal. Esse plano não é uma novidade: segundo o Observatório de Remoções, com as enchentes de 1997, cerca de 1.200 moradias foram removidas e, em 2009, outras 2.729. Mas, em ambos os casos, as obras de infraestrutura para prevenir novos alagamentos não saíram do papel. 

De fato, a primeira fase de implementação do Recupera Pantanal já começou e quer despejar as primeiras mil casas ainda este ano. Na última semana, funcionários da prefeitura marcaram algumas moradias, no procedimento conhecido como “selagem”. 

Mas os moradores do Jardim Pantanal têm consciência de que, se nada for feito, a história vai se repetir, pois a prefeitura despeja e o problema das enchentes continua. Por esse motivo, há meses estão realizando assembleias, manifestações e pressionando o poder público. Os moradores organizam a resistência por todas as vias, como na última semana, quando impediram, através de barricadas, a entrada da polícia no bairro para prender injustamente um trabalhador. 

Esse é o recado da Zona Leste de São Paulo para todas as comunidades: criemos duas, três, numerosas Favelas do Moinho! Não vai ter despejo sem luta!

(*) Isis Mustafa é dirigente do partido Unidade Popular pelo Socialismo.