Janelle Monáe discute guerras frias e quentes do pop atual com "Cold War"
Janelle Monáe discute guerras frias e quentes do pop atual com "Cold War"
Desde que ela saiu na Folha de S.Paulo, tribos locais ditas “modernas” tornaram-se cultuadoras desde criancinhas de Janelle Monáe, e isso causa um tanto de preguiça prévia. Mas, vá lá, circula na praça um videoclipe da jovem cantora e compositora estadunidense, Cold War, e ele traz um tanto de elementos interessantes para refletir sobre as guerras frias e quentes do pop norte-americano atual. Vejamos Cold War:
A música é um funk veloz e encorpado, extraído do primeiro álbum da garota de 24 anos nascida em Kansas. Batizado “The ArchAndroid”, o disco traz na capa a foto de Janelle caracterizada como a versão atualizada de uma imagem do filme Metropolis (1927), de Fritz Lang. Trata-se de um álbum conceitual, mais ou menos à maneira do “Ziggy Stardust” (1972) de David Bowie. Ao longo de 18 faixas, “The ArchAndroid” acompanha as peripécias de Cindi Mayweather, uma androide transportada do século 28 ao 21, para libertar Metropolis de seus opressores.
O tema parece ideal para mirabolâncias visuais à moda de Fritz Lang, David Bowie etc. – Lady Gaga faria dele um caleidoscópio à Quentin Tarantino, com 2001 referências. Cold War, no entanto, apresenta o álbum-conceito quebrando por completo qualquer expectativa de forrobodós audiovisuais.
O clipe começa num close fechado do (lindo) rosto da cantora, e não passará muito disso em seus 3 minutos e meio. Em nada parecida com uma androide, Janelle (que também é atriz) canta os versos do funk com convicção e alterna expressões faciais as mais variadas. De início, olha fixamente nos olhos do espectador – pode até virar o rosto, mas seus olhos não desgrudam dos nossos.
Após 1 minuto e 20 segundos, desvia o olhar de nós pela primeira vez, mas o traz de volta logo em seguida. Quando sua voz se duplica na gravação, não há efeitos: a atriz simplesmente deixa de cantar um dos versos sobrepostos, desnudando a dublagem e o joguinho ilusionista da encenação – o mesmo que fariam Bowie, Bertolt Brecht etc.
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Com 1 minuto e 35 segundos, fica feliz, vibra, gargalha, sem parar de cantar. Em 1 minuto e 42, se põe a fazer expressões de choro, e simplesmente para de acompanhar a letra – a humana não dá (nem quer dar) conta da androide gravada. O grande cabelo em estilo moicano aparece pela primeira vez (até então ela quase parecia careca). Abaixa a cabeça e a afasta do quadro (para colocar cristal japonês, talvez?), volta a cantar, a câmara desce e a focaliza do nariz para baixo e quando volta uma lágrima está escorrendo de um dos olhos. A empatia é inevitável – ela é linda, canta bem e chora diante de nós.
São artifícios? São. Mas por tudo, principalmente pelos manjados truques brechtianos, Janelle está nua o tempo todo. Lady Gaga, Christina Aguilera, M.I.A. etc. querem nos capturar com 1 milhão de estilhaços de referências por minuto. Gaga, em especial, nos distrai e desvia nosso olhar (e não o dela) 1 milhão de vezes, com o objtivo obsessivo de orientar e atrair para si nossa atenção.
Na contramão do “gagaísmo”, Janelle Monáe se dispõe a fazer mais ou menos o mesmo desviando o próprio olhar (não o nosso), usando simplesmente seu rosto, sua expressividade e sua música para nos cativar. Ah, e usando também os versos que ora canta, ora não canta: “Isto é uma guerra fria/ você sabe pelo que está lutando?/ isto é uma guerra fria/ é melhor você saber pelo que está lutando”.
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