Outra ditadura árabe, agora a comandada pelo presidente do Iêmen, Ali Abdullah Saleh, pode estar no fim. Ferido no último dia 3, durante um ataque-surpresa ao seu complexo residencial que vitimou outras sete altas autoridades, Saleh submeteu-se a cirurgia na Arábia Saudita, para retirar estilhaços em seu peito. O vice-presidente Abed Rabbo Mansour Hadi, assumiu o posto. Ainda não se sabe se haverá renúncia. A presença no país do filho do ditador, Ahmed (que lidera a Guarda Republicana), e de seus sobrinhos Yayha e Amar (importantes comandantes de unidades de elite das força aérea) gera desconfiança. A oposição celebra a reviravolta. Mas há, em seu interior vastas divergências, o que gera grande incerteza sobre o futuro do país.
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A ida de Saleh e mais sete autoridades à Arábia Saudita gerou muita expectativa. Acossado há meses, o ditador – um aliado antigo de Washington – respondeu com repressão violenta, que provocou dezenas de mortes, mas não conseguiu romper seu isolamento. Mais recentemente, recusou-se a assinar acordo de pacificação proposto pelo CCG (Conselho de Cooperação do Golvo). O compromisso previa sua renúncia, em troca de imunidade em relação a crimes cometidos no passado (ver matéria em Outras Palavras ).
Depois do ataque do dia 3, o enfraquecido ditador viu-se obrigado a firmar trégua com Sadeq Al-Ahmar, líder da confederação tribal Hached. A princípio Saleh ficará duas semanas no país vizinho: uma, para cuidados médicos; outra, para futuras reuniões. A incógnita consiste em dois possíveis caminhos. Na primeira hipótese, esperaria as coisas acalmarem para uma contra-ofensiva; na segunda, estaria finalmente disposto a assinar o acordo proposto pela CCG, pois as pressões serão intensificadas.
Os embates no Iêmen são extremamente complexos. Pensar num dualismo entre governo versus oposição monolítica é um engano. Pelo menos três grandes movimentos, muito distintos entre si, desejam a queda do ditador.
Na Universidade do Yemen (em Sanaa, a capital) e em Taiz, centro de 400 mil habitantes no sudoeste do país, jovens rebelados mantêm a trilha vitoriosa nos primeiros levantes árabes. Acampam e utilizam a internet para articular as próximas mobilizações. Lutam por melhores condições de vida e liberdade política. Almejam a saída pacífica de Saleh.
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Em Taiz, particularmente, uma onda de repressão fez mais de 50 mortes, desde 29 de maio. Forças governistas queimaram quinze opositores enquanto dormiam no acampamento, e esmagaram com escavadeiras outros tantos, após não ter êxito em dispersar os manifestantes. As forças de segurança também ocuparam o hospital de Al-Safa e destruíram uma clínica de campanha instalada na Praça da Liberdade. No começo da última semana, o Comitê da Juventude emitiu uma declaração pedindo a “todas as forças nacionais e políticas que iniciem a formação de um conselho presidencial interino”. A juventude rejeita imunidade a Saleh e também repele interferência estrangeira no próximo período.
Na região sul, existe um forte movimento separatista, que já domina a cidade costeira de Zinjibar. Segundo o governo, é integrado por islâmicos fundamentalistas e Al Qaeda. A pequena localidade, de 20 mil habitantes, está situada perto do porto de Áden. Foram cortados telefone, água e eletricidade, em decorrência de intensos conflitos. Somente no dia 30 de maio, morreram 21 soldados em combate. Nas ruas, confrontos entre tropas pró-regime – que recebem apoio de distintas tribos da província de Abyan – e insurgentes são constantes. O prédio do Banco Nacional foi incendiado. Civis estão fugindo da cidade, pois em 1º de junho a aviação iemita iniciou bombardeios na região.
Já o ataque – com fortes características militares – que colocou o governo em xeque e atingiu o palácio presidencial no último dia 3, foi desencadeado pela confederação tribal Hached. É composta por nove clãs, incluindo o Al Sanhan, a que pertence o chefe de Estado. Seu líder, Sadeq Al-Ahmar, é ex-membro do partido Congresso Popular Geral, no poder. Rompeu com o governo em fevereiro, em seguida a repressão às manifestações da juventude.
Sadeq assumiu a liderança logo depois do falecimento de seu pai, há alguns anos. Membro de uma rica e influente família, seu irmão Hamid é dono de canal de televisão Suhail e dirigente do partido Al Islah. Seu pai presidiu o parlamento. As primeiras rusgas com o governo surgiram quando interesses econômicos entre sua família e os do presidente se chocaram. Querem agora tirar Saleh do poder e ficar em seu lugar.
Esse quadro heterogêneo abre múltiplas variantes de possíveis desenlaces para o possível Iêmen pós-Saleh. Embora ainda não se consiga antever qual frente terá mais força, já estão claras as opções. Secessões no norte e no sul não podem ser descartadas. Uma alternância no governo, com Al-Ahmar no poder, traria poucos avanços. Já o triunfo da juventude poderia conduzir à democratização das instituições e melhores condições de vida, ampliando a primavera árabe.
A tendência para o próximo período não é pacífica. Choques políticos e instabilidade parecem inevitáveis. Quem irá preencher o vazio de poder? Somente os fatos, que se precipitam velozmente, podem dizer.
Luís F. C. Nagao é colaborador de Outras Palavras.
Texto originalmente publicado no Outras Palavras
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