Homens decentes versus ogros envaidecidos
Caso Assange expõe mais uma vez a face imperialista e agressiva de britânicos e norte-americanos
Agência Efe
Durante a Olimpíada, britânicos promoveram sua cultura e valores liberais. Dias depois, o caso Assange mostra a outra face
Bravo, Equador, por seu nobre, justo e belo gesto ao conceder asilo político a Julian Assange! Em uma era na qual praticamente todos os políticos quebram todas as promessas rotineiramente, o presidente equatoriano manteve a dele a Assange – embora, ao fazê-lo, o tenha colocado na mira do império mais poderoso. Então, uma saudação a Rafael Correa, também, por mostrar que ainda é possível ser um honroso homem de Estado.
A apenas poucos dias depois da Olimpíada de Londres – cuja cerimônia de encerramento contou com a música “Imagine”, de John Lennon, e sua mensagem de paz universal, justiça e irmandade – o governo do Reino Unido revelou, uma vez mais, sua verdadeira face cruel quando ameaçou bombardear a embaixada equatoriana para prender Assange, e então se recusou a deixá-lo sair do Reino Unido mesmo depois da concessão de asilo. Tal como os Estados Unidos, o Reino Unido é uma potência mundial que está agindo como um bandido de esquina, mesquinho e vingativo, em contraste com o minúsculo Equador, com sua postura baseada em princípios. Então quem é realmente ótimo aqui?
Perseguindo seus inimigos políticos, os Estados Unidos têm frequentemente caído em desgraça. Em 1992, o país indiciou o enxadrista Bobby Fischer por competir na Iugoslávia, em violação às sanções norte-americanas contra aquele país. Fischer chegou a ser preso por autoridades japonesas em 2004, sob ordens dos Estados Unidos. Nos anos seguintes, Fischer aumentou seus ataques efusivos contra a elite dominante norte-americana, e também contra os judeus, muito embora ele próprio fosse judeu. Liberdade de expressão é liberdade de expressão, mas esqueça a sua aplicação aqui já que os Estados Unidos ficaram claramente enfurecidos com a barulhenta crítica de um ex-filho favorito. Não menos do que isso, alguém que uma foi confiado para, sozinho, embaraçar a arquiinimiga União Soviética.
Wikimedia Commons
Encurralado pelo império, Fischer teve asilo oferecido pela minúscula Islândia e, ao contrário dos britânicos no sórdido caso de Assange, os japoneses decidiram deixá-lo ir. Uma vez mais, nós vimos uma pequena nação agindo grandemente, enquanto que uma muito maior se comportou de maneira ridícula.
[Foto: Bobby Fischer, em 1960; na época, ainda defendia seu país, e anos depois, chegou a protestarcontra supostos arranjos de jogos por rivais soviéticos].
Em 2011, o Reino Unido também acossou a Islândia para compensar os clientes britânicos de um banco islandês que faliu, mas a Islândia, para seu crédito, se recusou. Afinal de contas, os bancos britânicos (e norte-americanos) compensaram alguém pelas enormes perdas que eles causaram ao mundo todo?
Ostentando grandes cassetetes, grandes garotos andarão de forma pomposa, embora olhares e pensamentos desdenhosos sejam constantemente lançados em sua direção. Contudo, esses ogros também são fúteis, tal como foi evidenciado por seus esforços intermináveis de enaltecerem a si próprios, como com a Olimpíada de Londres. As duas medalhas de ouro do somali Mo Farah foram saudadas como uma prova do sucesso e da integração islâmica na Inglaterra, mas o que foi ignorada é a história de mais de um século de colonização inglesa, além do bombardeio, da subversão e exploração de numerosos países islâmicos, sendo o Iraque, a Líbia e a Síria apenas os últimos exemplos.
Assim como os Estados Unidos, trata-se de um incansável artífice de sua imagem divertida e sexy, a ser exportada ao mundo todo na sua mais obscura casa de chá, cabana, yurt [tenda típica da Mongólia], iglu ou caverna da província mais longínqua em cada país. Tanques, aviões e bombas norte-americanas são pintados com elementos de cartuns, e os pilotos norte-americanos cantam “Bye, bye, Miss American Pie”, enquanto liquidam suas famílias lá do céu. Depois que os estrangeiros são bombardeados enquanto os pilotos ouvem Lady Gaga ou Britney Spears, os cadáveres adultos podem ser embrulhados em cobertores do New York Yankees ou do Dallas Cowboys, ao passo que suas crianças mortas podem ser enterradas em mantas do Mickey ou do Bob Esponja. É tudo de bom.

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Pegando a dica dos militares norte-americanos, nossos assassinos em massa também se vestem com uniformes militares para, de repente, matar indiscriminadamente civis desarmados. Pois, se um piloto bombardeando uma festa de casamento afegã é considerado herói, por que um tolo atirando em um teatro também não seria? Tendo desencadeado o mal por todo o globo, por que deveríamos estar surpresos em encontrá-lo fulgurando sobre todo os EUA? Até que possamos nos abster de massacrar estrangeiros, vamos atirar uns aos outros em uma sepultura precoce.
Feito como se fosse algo útil, os Estados Unidos são a liderança mundial na produção de armas e de ilusões – a maior parte deles próprios. Até quando atira em você e rouba sua carteira, o Tio Sam oferece pornografia norte-americana, e por você, e eu estou me referindo também ao cidadão norte-americano médio, não apenas a estrangeiros. A obsessão norte-americana por valorizar sua própria imagem, durante todo o tempo se comportando de forma atroz e criminal, traz à mente o caso de Joe Paterno. Apagando os nomes de seus jogadores de suas camisetas, Joe se manteve à frente e no centro, porque Joe era tudo sobre Joe. Não mais capaz de liderar a linha lateral, Paterno se retirou para a cabine de imprensa e ficou como treinador apenas no nome, só assim ele pôde alcançar o recorde de vitórias de todos os tempos.
Com tanta coisa em jogo, e com tanto dinheiro, Joe não poderia permitir que seu legado desandasse pelo terrível fato de que garotos estavam sendo estuprados debaixo de seu nariz. De fato, Joe e outro esportista top do estado da Pensilvânia permitiram que Jerry Sandusky estuprasse crianças por uma década! É revelador o fato de que, quando tudo parecia distante, e Paterno foi finalmente demitido, ele disse, citado pelo jornalista Joe Posnanski, “Passei minha vida toda tentando fazer aquele nome significar alguma coisa. E agora já foi”. “Joe Pa” não chorou pelas crianças violentadas, mas pela perda de seu bom nome, mantido de forma fraudulenta por todos esses anos.
Conquistas quantificáveis, mais isso, mais aquilo, podem ser rebaixadas ou até mesmo anuladas pela falta de virtudes como honradez, caráter ou coragem. Então, um “grande homem” como Paterno foi reduzido a nada, enquanto um humilde especialista do Exército como Bradley Manning se tornou grandioso ao fazer o que era certo. Mas ele fez isso sem alardes ou enaltecimento de conquistas pessoais. Literalmente um homem pequeno, Manning teve a enorme coragem de bater de frente com o grande império, que o retaliou com prisão em condições humilhantes. Em Abu Ghraib ou em qualquer outro lugar, o Exército norte-americano revelou seus sádicos impulsos sexuais, e tem mostrado novamente esse aspecto pervertido ao forçar Manning a ficar nu por várias horas. Nós não somos cruéis apenas, somos doentes, mas nós não nos preocupamos, porque nós somos o número um!
Carlos Latuff/Opera Mundi

Venerando implacáveis ações de bombeamento ágeis e agressivas, o pistão, os cem metros rasos, as enterradas no basquete multiplicadas por replays instantâneos, desvalorizamos uma simples decência, uma beleza sutil ou apenas uma delicadeza de qualquer tipo. Nós nos espantamos, “ooh.. ah..”, mas isso não surte efeito, porque o próximo espetáculo já está por vir. É bombástico, na maior parte das vezes, com breves intervalos popularescos. Mais isso, mais aquilo, mas é colocado um grande zero nas situações que realmente importam, como no caso de Paterno, e diferentemente de Bradley Manning ou de Rafael Correa.
Em sua busca insaciável de autoengrandecimento e enriquecimento, o Tio Sam também não se preocupa com as muitas vidas que ele destruiu. Ele é, pelo menos, um Joe Paterno vezes um bilhão, e ele ainda está se deleitando em seu próprio autoelogio, mesmo que o mundo inteiro o veja com nojo. Para se admirar melhor, o Tio Sam criou e elaborou uma casa de espelhos que reflete nada mais nada menos que ele próprio enrugado, inchado ou com uma vaidade decadente, cuidadosamente conservado com muita maquiagem, mas esta casa de vidro está mostrando graves rachaduras por toda parte. Chutando em todas as direções, ele corre o risco de ser enterrado debaixo de seus fragmentos.
Linh Dinh é autor de dois livros de histórias, cinco de poemas e um romance, Love Like Hate. Ele está acompanhando a deterioração de nossas formas sociais por meio de seu fotoblog, State of the Union, atualizado frequentemente. Tradução: Daniella Cambaúva. Texto originalmente publicado no site Couterpunch.























