Gordon Parks e a experiência vivida do negro
Fotógrafo, cineasta e ativista, Gordon Parks ganha mostra inédita no IMS Paulista
“Cheguei ao mundo pretendendo descobrir um sentido nas coisas, minha alma cheia do desejo de estar na origem do mundo, e eis que me descubro objeto em meio a outros objetos.” (FANON, Frantz. A experiência vivida do negro. In: FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Salvador: Universidade Federal da Bahia, 2008. p. 103.)
Malcolm X, durante o intenso período de radicalização que marcou seu último ano de vida, costumava dizer que “foi o nosso trabalho (dos negros) que ergueu esta casa. Vocês ficaram sentados debaixo do velho algodoeiro nos dizendo quanto tempo devíamos trabalhar ou que devíamos trabalhar mais duro, mas foram o nosso trabalho, o nosso suor e o nosso sangue que fizeram deste país o que ele é hoje, e nós somos os únicos que não se beneficiaram disso”. Uma afirmação aparentemente simples, que carrega séculos em poucas palavras. As mãos negras de milhões de escravizados ergueram o grande império da era contemporânea, lutaram guerras em seu nome, construíram a imagem da maior democracia do mundo. O custo foi o sangue, o apagamento e o encarceramento, nas prisões e nos guetos. A reivindicação de Malcolm era muito mais do que a de 40 acres de terra e uma mula. Ele queria um poder negro, não da forma que pensava poucos anos antes, quando ainda era o ministro mais aclamado da Nação do Islã.

American Gothic. Fotografia mostra Ella Watson, funcionária da Farm Security Administration, em pé com um esfregão e uma vassoura em frente à bandeira americana.
(Foto: Gordon Parks / Library of Congress)
Os pensamentos de Malcolm entre 1963 e 1965 se moviam tão rápido como os acontecimentos mundiais. Descolonizações em África, Ásia e América Latina, o Movimento pelos Direitos Civis, ditadura no Brasil, crises no Leste Europeu. Muita coisa aconteceu na década de 1960, e Gordon Parks foi uma testemunha ocular desse processo. Não à toa, sua primeira exposição no Brasil, chamada “A América sou eu”, faz juz às palavras de Malcolm, um dos tantos rostos negros retratados pelo lendário fotografo, um dos maiores do século 20.
Nascido no Kansas, em 1912, Parks se interessou cedo pela fotografia, em 1937, após trabalhar em diversos ramos para sobreviver. Mundialmente conhecido como um dos maiores expoentes do Blaxploitation – importante movimento cinematográfico afro-americano dos anos 1970 –, e pelas fotografias para a revista Life, a majestade de Gordon se dá pela sua implacável militância em prol dos negros. Suas andanças pelo Brasil, pouco comentadas, fazem parte da exposição que, dentre outras coisas, tem o caráter de trazer a multiplicidade das lutas políticas nos Estados Unidos – desde a UNIA (Associação Universal para o Progresso Negro) de Marcus Garvey, ao marxismo do Partido dos Panteras Negras. Retratando figuras icônicas como Kwame Ture, Malcolm X, Kathleen Cleaver, e pessoas comuns, como a família Fontenelle, que vivia em condições de extrema pobreza no Harlem, em Nova York, Parks conseguiu demonstrar a força do poder negro sem animalizar seus retratados. Pelo contrário, suas fotografias – até mesmo a famosa Department Store, um símbolo da segregação racial nos Estados Unidos – são carregadas da dignidade e humanidade das pessoas retratadas. Das políticas de não-violência de Martin Luther King à autodefesa, e posteriormente, a mobilização revolucionária do Partido dos Panteras Negras e de Eldridge Cleaver em seu exílio na Argélia, todos eles carregam consigo o semblante da ternura com o qual Che Guevara se referia aos revolucionários. Parks conseguiu capturar esse momento histórico e múltiplo, transmitindo em suas imagens todos esses elementos: ódio ao racismo, amor aos que lutam por uma sociedade igualitária.
Parks foi, além de todos os atributos, um eterno contemporâneo das questões negras. Ao contrário de muitos que sentiram a ruptura entre o modernismo negro do jazz e das políticas de organizações como a NAACP (Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor) com relação aos movimentos mais novos, como os já citados Malcolm X, o Partido dos Panteras Negras, e outras figuras, como Robert F. Williams, e no plano cultural, com o surgimento do hip-hop, na década de 1960, Parks acompanhou as demandas das juventudes negras; em 1998, por exemplo, fez uma das mais icônicas imagens da história do rap, A Great Day in Hip Hop, que juntou 177 rappers, produtores e pessoas envolvidas com o hip-hop, sendo uma releitura e homenagem à aclamada A Great Day in Harlem, de Art Kane, feita em 1958. Essa imagem demonstra, também, a longevidade do trabalho de Parks, que passou quase seis décadas fotografando com o mesmo ímpeto do garoto do estado de Kansas. Foram todas essas pessoas que, realmente, fizeram a América, ainda que, por muito tempo, parte desses milhões não a vissem como seu lugar, e nem havia como pensar dessa maneira.

Nova Iorque. Um seguidor do falecido Marcus Garvey, que iniciou o movimento “De Volta à África”.
(Foto: Gordon Parks / Library of Congress)
19 anos após sua morte, a grande produção de Gordon Parks chega ao Brasil num momento importante para os debates raciais, sociais e políticos, demonstrando como a mobilização negra e popular de outrora ainda sobrevive. E deixa claro, também, o poder da imagem engajada politicamente.
Gordon Parks – A América sou eu
De 4/10/2025 a 1/3/2026
Local: IMS Paulista
Avenida Paulista, 2424, São Paulo/SP – Brasil
Entrada gratuita. Terça a domingo e feriados das 10h às 20h (fechado às segundas). Última admissão: 30 minutos antes do encerramento.























