Sábado, 6 de dezembro de 2025
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A afirmação que cede título ao presente artigo é uma postagem do ministro da Defesa do Estado sionista realizada na plataforma “X” em 16 de setembro de 2025, pouco antes do início de um ataque devastador contra a cidade de Gaza, moradia de centenas de milhares de civis palestinos. Tal afirmação vem no interior de uma escalada de incursões visando a conquista física de território palestino antes de que qualquer acordo ou imposição de suspensão da política social genocida sejam impostos pelo governo dos Estados Unidos da América. Dois fatos marcantes que indicaram a implementação deste ataque é que tanto a população da cidade de Gaza resiste em seu habitat originário quanto a resistência militar do Hamas está presente e atuante.

Depois de impor o predomínio militar parcial (que não controla efetiva e perenemente o território) ocupando Rafah, no sul do enclave, as forças militares sionistas não lograram estabelecer bases reais de ocupação da sua população civil até o presente. Continuaram bombardeando construções em toda a Faixa de Gaza e executando obras de infra-estrutura e implantação de serviços no território para implementar mais adiante o povoamento da área pela sua população invasora. A política social genocida seguiu em andamento: bombardeios aéreos sobre a população civil, atiradores de elite alvejando alvos a esmo, armadilhas de todo o tipo, restrição à entrada de alimentos e outros bens e serviços, imposição de constantes deslocamentos da população para áreas “seguras”, vigilância de drones sobre os indivíduos, atração de cidadãos palestinos para pontos de distribuição de alimentos onde são covardemente alvejados, etc. Estas ações genocidárias se efetivaram com ataques aéreos e marítimos e com a presença de soldados em fortificações militares; elas não foram, no entanto, até o presente momento, suficientes para estruturar o povoamento dos invasores, que prometem se instalar no enclave retomando e ampliando a ocupação anterior iniciada em 1967 e encerrada em 2005.

Palestinos se deslocam após ataques na Faixa de Gaza, em 29 de janeiro de 2025. (Foto: Jaber Jehad Badwan / Wikimedia Commons)

Palestinos se deslocam após ataques na Faixa de Gaza, em 29 de janeiro de 2025. (Foto: Jaber Jehad Badwan / Wikimedia Commons)

Os recentes ataques na cidade de Gaza não estavam sendo documentados, ou pelo menos não estão tão expostos nas redes sociais como vinha ocorrendo. A interferência do Estado sionista na transmissão de dados, a diminuição do número de jornalistas devido à grande letalidade a que eles têm sido expostos desde o início da política social genocida, o descompromisso dos algoritmos das redes sociais em difundir eventuais vídeos produzidos pelos habitantes daquele núcleo urbano devido ao seu envolvimento com o Estado sionista ou as dificuldades dos habitantes em coletar imagens e enviá-las para o meio digital podem ser algumas das causas para que esta escassez de imagens esteja ocorrendo. Informações obtidas em vários grupos de postagem em algumas plataformas nos dão conta da imensa brutalidade destes ataques. Não temos condições emocionais de reproduzir as informações sobre o que vem ocorrendo. Lembramos apenas que presenciamos a transformação de fatos graves em rotina. Esta situação pode transformar o interesse midiático no tema em algo de menor expressão. Também é importante apontar a grande quantidade de depoimentos de médicos que atuaram nos hospitais locais e estão relatando suas dramáticas experiências no atendimento precário que eles conseguiram oferecer à população palestina. A alma do povo palestino e de toda uma geração de cidadãos que acreditaram na vigência da legalidade internacional e nos Direitos Humanos estão indelevelmente marcadas pela política social genocida perpetrada contra ele pelo Estado sionista.

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Na cidade de Gaza foi instalado o “Governo de Toda a Palestina”, em 30 de setembro de 1948. Ela é um grande centro urbano, o mais rico, o mais estratégico e o mais atraente para o sionismo. Ela possui dois fatores que a politica social genocida considera relevantes. O primeiro é a qualidade da área que ela ocupa, perto de praias que podem ser incorporadas a um futuro núcleo urbano habitado e explorado economicamente por sionistas e/ou por estrangeiros, caso o controle do território seja repassado aos EUA conforme indicações oferecidas pelo presidente norte-americano. Ela ainda pode se tornar um balneário de luxo para usufruto de uma fração mais rica da burguesia. Não podemos esquecer o potencial de exploração de gás natural em alto mar, o que faz deste sítio urbano um importante ponto de instalação de infra-estrutura para esta atividade. Em segundo lugar, o núcleo urbano faz fronteira direta com o Estado sionista, não havendo necessidade de percorrer o caminho entre as duas localidades através de áreas com predominância de população palestina. Aqui pesa o fator segurança da população invasora. Consideramos que estas duas situações estejam condicionadas à não aplicação (ou se for executada em parte) da limpeza étnica do enclave, conforme declarações do primeiro-ministro sionista de que negociações estariam sendo realizadas para o recebimento em outros países da população palestina expulsa da Faixa de Gaza. Neste caso, surgirá uma funcionalidade econômica nas duas porções em que a Faixa de Gaza se dividiria, e uma limpeza étnica parcial seria a mais viável no momento para o sionismo entabular este processo.

Comprimir a população ainda sobrevivente da cidade de Gaza no território restante talvez seja o grande prêmio que o Estado sionista almeje, caso a limpeza étnica que extirparia de vez a vida palestina de seu país natal não se viabilize. Em caso de estancamento da aplicação da política social genocida contra o povo palestino, a conquista física da mais valorizada área da Faixa de Gaza talvez tenha sido o verdadeiro e real plano sionista (encoberto por dois anos de massacre) desde o primeiro momento. O ataque bombástico – “Gaza está em chamas”, brada o lunático e perverso ministro da Defesa – sobre um núcleo urbano já profundamente debilitado na oferta de condições de vida para sua população reflete uma necessidade: a de conjugar o que está sendo feito há exatamente dois anos com um calendário futuro definido pela agenda da política externa norte-americana.

Neste sentido, a proposta do presidente norte-americano Donald Trump de transformar a Faixa de Gaza numa área contendo uma malha urbana de altíssimo padrão de consumo e estética, própria aos mais famosos espaços urbanos existentes na Europa e Estados Unidos da América, está se reapresentando dentro do cenário político atual. Anunciada em conjunto com o governante sionista em 4 de fevereiro de 2025 e acompanhada da apresentação de um grotesco filme de animação produzido por inteligência artificial indicando a intenção de transformar a cidade em uma espécie de “Riviera”, a demarcação do projeto de cessação da política social genocida contra o povo palestino exibiu as intenções dos dois governantes em tutelar colonialmente esta parcela do território palestino.

Uma nova proposta foi apresentada no final de setembro pelo presidente norte-americano, aparentemente sem consultar o primeiro-ministro sionista. Ela inclui a paz mas não a retirada das tropas ou o compromisso de não ocupação por invasores oriundos do Estado sionista. Neste momento negociações indiretas estão sendo realizadas no Egito entre representantes do Hamas e o Estado sionista – tendo o Catar e o Egito como intermediários –, visando encerrar esta fase da política social genocida contra o povo palestino. Informações não confiáveis circulam na mídia mainstream indicando que existe uma predisposição do Hamas em aceitar parcela da proposta mas rejeitando a exclusão de representantes da população nativa em participar da administração deste “empreendimento”. Maiores detalhes ainda estão ocultos para o grande público, mas cremos que a resposta do Hamas significa que a continuidade das negociações é que decidirá o futuro do enclave, não cabendo neste exato momento a rejeição de quaisquer iniciativas para negociar.

Devemos recordar que desde o fim da Guerra Fria, face às dificuldades dos EUA e europeus em lidar com a força tanto do resiliente nacionalismo árabe (representados basicamente pelo Iraque e pela Síria) quanto o nascente islã político em suas diversas manifestações (Fraternidade Muçulmana egípcia, Hamas, Hezbollah, Taliban, Al-Qaeda, etc.) a formulação de que o mercado capitalista produziria uma sociedade civil adequada aos interesses do mundo ocidental se desenvolveu na academia, na mídia e nos governos. A filosofia de que “the business of America is business” (“O negócio da América é o negócio”) substituiu a geopolítica como forma dos países imperialistas lidarem com os problemas internacionais surgidos no e em função do Oriente Médio. Shimon Peres, ex-primeiro ministro sionista e articulador dos Acordos de Oslo, certa vez também indicou este mecanismo como uma solução para o Oriente Médio. Os atentados de 11 de Setembro de 2001 adiaram a formatação de uma proposta abrangente nesta direção. Agora, ao que parece, é o que pode acontecer. 

A cidade de Gaza seria destacada na proposta apresentada pelo governo norte-americano da faixa cujo nome ela designou, transformando-se num locus de capitalismo financeirizado e consumidor de luxo em alta escala. A sua população originária e o restante do enclave transformar-se-ia em uma periferia deste novo projeto de urbanismo. Estas duas porções da Faixa de Gaza ficariam inseridas numa lógica de implantação de um capitalismo local articulado a outros centros parecidos. Presenciaríamos gentrificação do núcleo urbano mais desenvolvido da Faixa de Gaza, mecanismo típico das políticas de globalização desenvolvidos a partir dos anos 1990. Estas demandaram reformas urbanas pontuais para reaver para a economia de mercado áreas urbanas deterioradas. A parte rica seria a cidade de Gaza, responsável por reproduzir frações privilegiadas da acumulação capitalista. A parte pobre ficaria ao sul do corredor Netzarim, responsável por reproduzir a força de trabalho em condições deploráveis. Esta última seria uma região fornecedora de força de trabalho para a primeira.

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Têm sido marcantes as crescentes manifestações populares nas ruas de várias capitais e cidades importantes da Europa e da Ásia, além do Oriente Médio, contra a continuidade da política social genocida. Estas são mais contundentes e mais numerosas das que vinham ocorrendo desde o início dos ataques e invasão sionista na Faixa de Gaza. Cremos que a contundência das atuais manifestações são notáveis, até mesmo por que a resiliência e a sua continuidade em larga escala são as marcas da revolta com o que está acontecendo. Elas substituem o movimento estudantil, principalmente o norte-americano, que parece ter refluído de se manifestar em grande escala contra a política social genocida praticada contra o povo palestino. O que há de novo é um certo espírito de insurgência crescente, demonstrado na maior contundência das palavras de ordem contra o massacre e abertamente contra o sionismo e seu Estado. Os manifestantes e o público em geral perderam o medo de serem considerados anti-semitas ao fazerem críticas à política social genocida aplicada contra o povo palestino. Da mesma forma, a repressão contra os manifestantes também escalou, tornando-se por vezes patética a ação policial contra pessoas vulneráveis fisicamente que se manifestam singelamente a favor do povo palestino. Portar uma simples bandeira do Estado Nacional da Palestina, usar um lenço típico (o kefiiyeh), bradar uma palavra de ordem ou mesmo postar em redes sociais a contrariedade aos atos do seu governo ou o sionista tem causado problemas para muitos manifestantes.

Nota de destaque neste artigo tem que ser oferecida à Flotilha Global Sumud (Flotilha da Liberdade Global) que iniciou o percurso rumo ao cenário da execução da política social genocida contra o povo palestino executada pelo Estado sionista em agosto de 2025. Contendo milhares de adeptos, ela enviou 55 embarcações com centenas de voluntários a bordo. Foi interceptada e sequestrada pelas forças militares sionistas em 1 de outubro de 2025. Durante o percurso da flotilha, países europeus (Canadá, Inglaterra e Austrália) reconheceram oficialmente o Estado da Palestina e muitos outros se preparam para fazer o mesmo. Depois de quase oitenta anos de atraso, os países desenvolvidos lançaram um olhar apenas complacente sobre a questão palestina.

Apesar de todas as circunstâncias dramáticas que cercam a situação da população da Faixa de Gaza, da Cisjordânia, do sul do Líbano e do sul da Síria, onde a ação militar do sionismo externo se faz abertamente, a política social genocida contra o povo palestino criou também uma necessidade de contemporização por parte de muitos países mantenedores do Estado sionista no processo de espoliação da população nativa da Palestina. Faz-se necessário reconciliar, mesmo apenas retoricamente, com as populações dos países desenvolvidos onde o sentimento de indignação já está ultrapassando um pouco as fronteiras da adoção dos Direitos Humanos como orientador das críticas ao Estado sionista e seus aliados. Longe estamos de assistir uma crítica ao imperialismo e à exploração capitalista como causa da situação atual na Palestina. A situação é complexa: a) o Estado sionista utiliza pesada e injustificada violência contra a população palestina; b) a sociedade civil dos países desenvolvidos protesta; c) pesada repressão recai sobre os manifestantes; d) a política social genocida contra o povo palestino se mantém; e) faz-se necessário indicar caminhos conciliatórios que no futuro demandarão pacificação, quando a situação que se pretende criar com a aplicação da política social genocida contra o povo palestino pelo Estado sionista estiver consolidada.

Assim, os governantes dos países desenvolvidos, que ainda não tinham reconhecido o Estado da Palestina, fazem dois tipos de política. Uma primeira é que representa seus interesses no presente, oferecendo logística e produtos essenciais para vender ao Estado sionista (inclusive armas) e, com isso, viabilizar a aplicação da política social genocida contra o povo palestino. Outra é a administração do futuro, quando as causas das contundentes manifestações atuais não possuírem mais razão de ser e por algum motivo derivado das condições de vida política e social internas (como a ascensão de partidos de corte nazi-fascistas ao poder pela via eleitoral) as manifestações de rua continuarem e, quem sabe, aprofundarão críticas à sociedade em que os manifestantes vivem. Neste momento será útil aos governantes de corte liberal afirmarem que o Estado da Palestina havia sido por eles reconhecido, mostrando alguma superioridade argumentativa do que, por exemplo, os eventuais governantes de extrema direita. Mesmo que estes últimos também se identifiquem com a política social genocida contra o povo palestino, o mérito do reconhecimento pode ser um argumento futuro contra a extrema-direita, que certamente não reconheceria o Estado da Palestina como legítimo representante da população. 

Se as afirmações feitas pelo chanceler alemão Friedrich Merz, da União Democrática Cristã, de centro-direita, fez em junho próximo passado, de que “Israel está fazendo o trabalho sujo por todos nós” e que “o exército israelense é obviamente incapaz de fazer isso. Faltam para eles as armas necessárias. Mas os americanos as têm”, foram expressas em meio da vigência de um pacto democrático tradicional, ficamos a imaginar o risco de crescimento dos sentimentos anti-muçulmano, anti-árabe e anti-palestino se reflexões desta ordem se tornarem indutoras da política externa alemã quando algum partido de extrema-direita conseguir maioria parlamentar. Se a gravidade destas afirmações já se apresentam no presente momento, se elas forem reproduzidas (ou até emitidas outras ainda mais radicais) em um contexto político com déficit democrático acentuado, a situação do povo palestino pode ficar ainda mais vulnerável.

Não existe no momento nenhuma alternativa realmente concreta para frear o que se passa na Palestina. Somente a radicalização dos movimentos sociais liderados pela classe trabalhadora rumo a uma robusta insurreição contra a política social genocida contra o povo palestino poderá impactar a continuidade do que se passa há dois anos.

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O ataque da força aérea sionista contra as instalações onde estava a delegação do Hamas no Catar em 9 de setembro de 2025 indica que o sionismo externo[1] está em perfeita sincronia com o sionismo interno. Depois da referida delegação receber o aval dos EUA e do governo catariano para se instalarem e aguardarem o reinício de negociação, surgiu na vida política internacional uma surpresa incomoda provocada pela ação espetaculosa, mas não totalmente surpreendente do sionismo externo. O objetivo desta ação foi, além de minar o processo de negociação para a cessação da política social genocida contra o povo palestino, demonstrar que não haverá conciliação com quaisquer atores no Oriente Médio.

A complexa equação do ataque foi a seguinte: a) o ataque ocorreu em território catariano, certamente com permissão e apoio logístico norte-americano; b) o ataque atingiu e matou seis pessoas, funcionários do governo e incerto número de parentes dos negociadores palestinos ou seus parentes; c) o ataque formalmente foi contra o Hamas, mas o alvo foi o Oriente Médio como um todo. Neste episódio o Estado sionista executou dois movimentos simultâneos utilizando seu imenso arsenal político: internamente (contra o Hamas) e a externa (contra o Catar e o Oriente Médio). O objetivo desta ação foi e sempre será, pelo lado sionista, avançar na construção da pax israelensis e não apenas atacar um inimigo interno.

Depois do estremecimento das relações entre o país atacado e o país sede das negociações, os laços da aliança foram refeitos. O Catar – tradicional aliado norte-americano e em cujo território está instalada a maior base deste país no Oriente Médio –, acolheu a assinatura de um protocolo de defesa em caso de novo ataque ao país do Golfo Pérsico. Sendo assim, o processo de negociação tem a sua continuidade assegurada. Este não foi e nem seria interrompido caso o ataque do Estado sionista tivesse atingido seus objetivos plenos, como demonstram tantos outros processos de “decapitação de lideranças” perpetrados pelos sionistas anteriormente. Isto por que o objetivo do ataque covarde não foi interromper as negociações (e nem conseguiria), mas demarcar uma atuação futura de condicionamento de todo o Oriente Médio aos desígnios sub-imperialistas do Estado sionista. Os patronos da causa, os EUA participaram da logística do ataque, mas mantêm uma agenda própria para lidar com a questão palestina e o Oriente Médio como um todo. A atual administração republicana sustenta a posição sionista mas impõe a ela um espaço suficiente para participar de negociações e vantagens comerciais que beneficie o comércio externo norte-americano ou sua burocracia no poder. Haja vista a expressiva escalada nos últimos anos de investimentos catarianos nos EUA através da Qatar Investment Autority, que administra o fundo soberano do país, e o compromisso da monarquia em investir 10 bilhões de dólares na base militar que é administrada pelos EUA. Além disto, lembremos a doação de um avião de alto valor pelo Catar aos EUA que será o futuro avião presidencial dos presidentes norte-americanos.

Assim, a quebra de confiança temporária entre Catar e EUA compõe um quadro complexo de relações políticas e econômicas que conjuga o importante papel que o Estado sionista representa na nova composição de poder e de fronteiras pelos quais o Oriente Médio está passando. Neste verdadeiro circo dos horrores o papel do Catar é transferir renda para os EUA e preservar suas estruturas sociais e políticas enquanto que o papel do Estado sionista é, ao contrário, auferir renda transferida da economia norte-americana para o interior do seu território. Ele não precisa de “comprar” apoio norte-americano ou europeu, já que possui o aval destes países para entabular um processo de engenharia política para a remodelação do Oriente Médio. O ataque de setembro próximo passado executa um movimento quase teatral nesta dimensão: o Estado sionista ataca e faz pesadas despesas e o Catar sofre o ataque e arca com os prejuízos. Os Estados Unidos se portam como um falso juiz nesta situação, apoiando diretamente o ataque de um aliado e repondo seus próprios estoques de riqueza social oriundos das riquezas petrolíferas de outro aliado. Este é o equilíbrio neurótico que o Oriente Médio passa nesta fase de recomposição do poder político e de articulação de novos atores internacionais nos quais o Estado sionista desempenha um papel prioritário.

Não podemos deixar de considerar que todo este processo está também articulado com um eventual ataque no futuro próximo ao Irã. A aparência de descoordenação no episódio do ataque ao Catar não consegue esconder notícias que circulam nas redes sociais de que aviões norte-americanos de reabastecimento aéreo de aviões caças se dirigiram para a base aérea de Al Ueid, no Catar. Movimento semelhante ocorreu quando o Irã foi atacado em meio a negociações com os EUA sobre a limitação iraniana do seu programa nuclear. Alguns analistas indicam a proximidade do futuro ataque, o que demonstra que o que ocorreu em setembro passado, poderá cair rapidamente no esquecimento. Assim, o ataque ao Catar poderia ser entendido como uma espécie de distração em alguns atores operando no Oriente Médio para um objetivo maior a ser alcançado em curto espaço de tempo: a mudança de regime no Irã. 

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Há 25 anos atrás, no dia 30 de setembro de 2000, no segundo dia da Segunda Intifada, o menino Muhammad al-Durrah, de doze anos, foi assassinado em via pública nas proximidades do Corredor Netzarin. As filmagens e a imagem fotográfica da cena do seu assassinato pela munição disparada pelo Estado sionista tornaram-se lendárias. As manifestações de oposição à ocupação sionista, a Intifada, se iniciaram após o líder da oposição Ariel Sharon ter invadido de forma hostil e desrepeitosa o complexo do Templo do Monte. Hoje este tipo de ação é comum e franqueada pela defesa que o poder militar oferece à população dos assentamentos ilegais para cometer tais atos. A ação terrorista do Estado sionista é antiga, remontando aos grupos paramilitares (Irgun, Haganah, Palmach e Gang Stern) formados para combater a articulação da população nativa contra a colonização sionista. Em determinado momento a violência terrorista dos sionistas se dirigiu contra o exército colonial ocupante inglês. A argumentação do Estado sionista de que a criança foi usada pelos manifestantes como escudo humano são trágica e cabalmente desmentidas pela imagem icônica que mostra ele tentando se proteger dos disparos de seus algozes. Ao seu lado estava seu pai, tentando protegê-lo.

(*) Bernardo Kocher é Professor de História Contemporânea da Universidade Federal Fluminense

Notas:

[1] Algumas categorias apresentadas neste artigo (sionismo externo, sionismo interno, sub-imperialismo e pax israelensis) fazem parte de uma elaboração teórica que realizamos na análise da situação da Palestina ocupada, do Estado sionista e da sua política social genocida. Apesar de seu caráter ainda inicial de elaboração, indicamos os diversos artigos anteriores a este (principalmente os iniciais desta série “Gaza Ano Zero”) para obter maiores informações sobre elas.

Este artigo é a 24ª parte da série “Gaza, ano zero: as raízes do Holocausto do povo palestino”.