Gaza e o genocídio silencioso dos até 55 mil não nascidos
Aplicada ao Brasil a escala genocida na Palestina, teríamos 7,4 milhões de brasileiros exterminados, 168 vezes mais que todas as mortes violentas registradas no Brasil em 2024
O genocídio em curso em Gaza, parte do extermínio palestino decidido pelos sionistas em 1897 (1º Congresso Sionista, Basileia, Suíça) e iniciado em dezembro de 1947, levando à Nakba e ao seu resultado colonial por autoproclamação em 14 de maio de 1948, o regime racista em forma estatal denominado “israel” já se afigura, até para os recalcitrantes de sempre quando o assunto é a Palestina, como um extermínio ainda não conhecido, ao ponto de já estar comum designá-lo como Holocausto Palestino. Entretanto, os números absolutos e proporcionais já aceitos pela comunidade internacional, por si só apocalípticos, nem de longe expressam outros ainda escondidos, até mais graves, mas que começam a vir à luz por novos relatórios da ONU, um deles o do declínio dos nascimentos em Gaza, que pode acrescentar algumas dezenas de milhares de mortes ainda não computadas neste genocídio.
A matança em escala industrial em Gaza já produziu, oficialmente, em 709 dias para 14 de setembro, 77.042 exterminados, considerando mais de 11 mil desaparecidos sob escombros, ou 3,46% da demografia de Gaza para 7 de outubro de 2023 (2.226.000). Aplicada ao Brasil essa escala genocida, teríamos 7,4 milhões de brasileiros exterminados, 168 vezes mais que todas as mortes violentas registradas no Brasil em 2024 (44.127). Precisaríamos da repetição das mortes violentas do ano passado por um século e sete décadas para atingirmos a escala genocidária aplicada pelos Estados Unidos e por “israel” no território palestino de Gaza.
Quando estratificamos as mortes para encontrar as de mulheres e crianças, novo assombro, mas não apenas numérico. As mortes de mulheres atingem, atualmente, quase 14 mil (seriam perto de 1,5 milhão no Brasil), com as perto de mil desaparecidas sob os escombros, com pelo menos mil delas exterminadas grávidas. E quando o extrato é o de crianças, falamos em quase 23 mil (22.882), dado absolutamente subnotificado, porque as autoridades palestinas de saúde não têm conseguido relatar as mortes provocadas pela fome ou havidas fora das estruturas hospitalares ainda existentes, seja porque os corpos não foram recolhidos dos locais de abate israelense, seja porque ocorreram em decorrência dos ferimentos não tratados (os feridos são 172.353, ou 7,75% da população de Gaza) no que resta de residências ou nas tendas improvisadas. Estes e muitos outros casos não integram os dados oficiais de mortos simplesmente porque não são notificados às autoridades de saúde palestinas.
A matança de crianças em Gaza é particularmente brutal e superior a tudo que se sabe de guerras e genocídios, quando medida por milhão de habitantes. Atualmente, ainda que sob o vício da subnotificação, são 10.306 crianças palestinas exterminadas por milhão de habitantes em Gaza. Para uma ideia do grau genocidário deste dado, nos 2.190 dias da Segunda Guerra Mundial, morreram 2.813 crianças por milhão de habitantes. Ou seja: “israel” e EUA exterminam 3,66 vezes mais crianças palestinas em Gaza por milhão de habitantes que em todo o período hitleriano de guerra.

O genocídio promovido por “israel” e EUA extermina 3,66 vezes mais crianças palestinas em Gaza por milhão de habitantes que em todo o período hitleriano da Segunda Guerra Mundial
(Foto: Duncan Cumming/Political Graffiti)
O extermínio massivo de mulheres, logo, eliminação de mães, ventres, a ele somado o de crianças e o aumento de 300% nos abortos involuntários neste período genocidário, nos levaram a levantar a tese de que “israel” persegue a busca da esterilização da sociedade palestina em Gaza. Descrevemos esta ação israelense em Gaza como a busca do colapsamento da capacidade reprodutiva da sociedade palestina no enclave costeiro palestino. Este era, portanto, um efeito não apenas colateral, até fácil de apontar e prever, mas, sobretudo, resultado metodicamente perseguido por “israel”, qual seja o de programar a extinção da sociedade palestina em Gaza pelo declínio da natalidade.
A tese virou fato concreto com relatório do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) de julho deste ano, que informou o declínio de 41% nos nascimentos no primeiro semestre de 2025 quando comparado com o mesmo período de 2024. Os nascimentos caíram de 29 mil para 17 mil. Aquilo que era suspeita fundada, não apenas como efeito inescapável, mas apontada como o objetivo metodicamente perseguido pela agressão genocida de “israel”, agora tem sua comprovação pelo informe da ONU.
Se considerarmos que ao menos 14 mil mulheres foram exterminadas em Gaza, e que a taxa de natalidade no território é de 3,97, é possível afirmar que foram retirados dessa parte da sociedade palestina ao menos 55 mil potenciais nascimentos nos últimos 23 meses e meio. Isso se tivermos em conta apenas as mulheres assassinadas, pois há outras variáveis.
Uma delas é o já apontado crescimento de 300%, senão mais, dos abortos involuntários, inclusive com outros dados do relatório do UNFPA podendo estar associados a essa variável. Um deles é a morte de recém-nascidos, que tem sido de 20 ao dia, em média, nestes quase dois anos de genocídio, superior em várias vezes à vigente até 2022. Outro é o crescimento notável dos nascimentos prematuros, cujas autoridades de saúde palestina estimam que possa alcançar 33% do total. Num território arrasado, sem hospitais, profissionais de saúde ou medicamentos, bem como com as famílias passando fome e sede ao relento, a taxa de sobrevivência desses nascidos prematuramente estará severamente comprometida.
Trabalhando com os dados do UNFPA, dos 17 mil nascimentos no primeiro semestre deste ano, podemos estar diante de ao menos 5 mil deles nascidos prematuramente e, logo, sob sérios riscos de não suportarem os próximos meses, notadamente os que se avizinham, de frio e chuva. Como aconteceu no ano passado, poderemos ver número incalculável de mortes por congelamento, doenças respiratórias e outras complicações fatais, decorrentes da combinação de frio, chuva e desnutrição, tudo isso aliado ao colapso do sistema de saúde e à condição de inabitabilidade de Gaza.
Diante deste quadro, podemos afirmar que aos quase 77 mil oficialmente exterminados somam-se, no mínimo, os que não nasceram porque impedidos pela máquina genocida israelense, que estimamos em potenciais 55 mil, sempre considerando os dados demográficos para Gaza, bem como as mortes oficiais de mulheres e o declínio nos nascimentos apontado pelo UNFPA. Teríamos, então, o extermínio de mais de 130 mil palestinos em Gaza, ou quase 6% da demografia oficial de Gaza para outubro de 2023. Para efeito de comparação e melhor compreensão do leitor brasileiro, isto implicaria na morte de 12 milhões de pessoas no Brasil.
Os potenciais 130 mil palestinos exterminados em Gaza conforme esta análise não alcançam, evidentemente, os assustadores 329 mil que teríamos pelo diagnóstico contido em artigo publicado na Revista The Lancet, em 5 de julho do ano passado – quatro mortes mais para cada uma diretamente decorrente dos ataques de “israel”, que são hoje 65.643, desconsiderados os desaparecidos sob escombros.
Entretanto, já dão razão ao estudo de Michael Spagat, economista do Holloway College da Universidade de Londres e especialista mundial em mortalidade em conflitos violentos, que, em levantamento com o apoio do cientista político palestino Khalil Shikaki, afirmou, em abril deste ano, que o número de exterminados em Gaza já se aproximava de 100 mil (83.740 para janeiro). E não fica muito distante dos 177 mil exterminados aventados pelo professor israelense Yaakov Garb, em relatório difundido na terceira semana de junho deste ano, baseado em análise de dados e mapeamento espacial para examinar como os ataques israelenses contra civis e a obstrução da ajuda humanitária indica uma queda dramática na população do enclave – chegou a ser difundido que a queda seria de 377 mil, mas posteriormente o dado foi ajustado com 200 mil a menos.
Se em 7 de outubro de 2023 houve quem duvidasse de que estávamos diante de um genocídio, e o primeiro televisionado da história, parece – ao menos parece – que as dúvidas não apenas não são mais cabíveis, como podemos afirmar tratar-se do maior genocídio da história, e acontecendo agora, diante de nossos olhos e de nossa incapacidade de pará-lo.
(*) Ualid Rabah é presidente da Fepal – Federação Árabe Palestina do Brasil.























