Sábado, 6 de dezembro de 2025
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A chantagem explícita do presidente Donald Trump, ameaçando impor sobretaxa a produtos brasileiros caso o Brasil não ceda às suas ameaças, despertou aquilo que mais precisamos num momento como este: um sentimento nacional de apoio ao País e a seu governo. A reação de amplos setores, incluindo empresários, agronegócio, entidades representativas da sociedade, ONGs, a cúpula do Congresso e lideranças de diferentes perfis ideológicos e preferências partidárias, demonstra uma união histórica, com a qual os interesses nacionais, a defesa da nossa soberania e a crítica à ação tresloucada de Trump, com o incentivo do bolsonarismo e de ventríloquos da família Bolsonaro, pairam acima dos interesses da extrema-direita. Esse sentimento de apoio resulta da convicção de que as sanções norte-americanas não apenas prejudicam todo o Brasil – a indústria, a agricultura, os consumidores – como têm origem em culpados muito bem definidos: o ex-presidente e seus filhos, verdadeiros conspiradores e traidores da Pátria, como escrevi em artigo recente.

O governo do presidente Lula tem respondido e liderado essa reação coletiva com sabedoria, firmeza e equilíbrio, combinando assertividade em suas declarações com disposição para o diálogo e a negociação antes que precise recorrer, como última medida, à lei da reciprocidade. Como lembrou Lula em seu pronunciamento de rádio e TV, na noite da última quinta-feira (17/7), a ameaça de Trump é uma chantagem inaceitável e os políticos que o apoiam não passam de traidores da Pátria, que não se importam com a economia do País nem com os danos causados ao nosso povo. “O Brasil sempre esteve aberto ao diálogo. Fizemos mais de dez reuniões com o governo dos Estados Unidos, e encaminhamos, em 16 de maio, uma proposta de negociação. Esperávamos uma resposta, e o que veio foi uma chantagem inaceitável, em forma de ameaças às instituições brasileiras, e com informações falsas sobre o comércio entre o Brasil e os EUA”, afirmou o presidente, que ressaltou ainda o óbvio que não pode deixar de ser repetido: tentar interferir na Justiça brasileira, como fez Trump ao condicionar a retirada do seu tarifaço ao fim do julgamento de Bolsonaro pelo Supremo Tribunal Federal (STF), é um grave atentado à soberania nacional.

(Washington, DC - EUA 19/03/2019) Presidente da República Jair Bolsonaro assina o livro de visitas da White House. (Foto: Alan Santos/PR)

(Washington, DC – EUA 19/03/2019) Presidente da República Jair Bolsonaro assina o livro de visitas da White House.
(Foto: Alan Santos/PR)

Com todo esse sentimento nacional despertado, não deixa de ser chocante, embora não surpreendente, o descolamento de certos apoiadores do bolsonarismo. Caso, por exemplo, da Confederação Nacional de Agricultura (CNA), que publicou uma nota destoando da reação geral de apoio ao Brasil e ao seu governo. Em vez de defender o país e criticar Trump pela ameaça que trará evidentes prejuízos aos nossos produtos e à nossa economia, a CNA, pasmem, voltou-se contra a política brasileira e contra o próprio Brasil, como quem chancela ou busca encontrar justificativas internas para o ato do presidente norte-americano. Para a confederação do agro, o Brasil “tem sido governado, direta ou indiretamente, por uma obsessão com o passado”, criticando nominalmente o governo, o Congresso e o Judiciário. Em relação ao Congresso, a CNA diz que “perde tempo em disputas e manobras que têm pouco a ver com os interesses econômicos do país”. Sobre o Judiciário, afirma que “alimenta uma instabilidade constante”. Já o governo é classificado como “muito culpado também”. A CNA fala que a política nacional gira em torno “de uma pauta estéril, paralisante, marcada por radicalismos ideológicos e antinacionais”.

Ou seja, a entidade não conseguiu sequer disfarçar, nas entrelinhas da nota publicada, a mesma posição de Jair Bolsonaro e seus filhos, para quem a culpa pela ameaça de Trump seria principalmente de Lula e do Judiciário. Um evidente disparate. Ao mesmo tempo, escancara seu cinismo e covardia frente ao ataque recebido pelo Brasil, nossa economia e, inclusive, nossa agricultura. Foi uma demonstração preocupante do caráter antinacional e suicida que as lideranças da CNA assumiram, posicionamento que certamente não representa os interesses majoritários da agricultura brasileira. Essa visão contrasta inclusive com a reação de outras entidades, como demonstraram os posicionamentos da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), os editoriais dos principais jornais brasileiros, incluindo os mais críticos ao governo Lula, além da manifestação individual e coletiva de empresários e da própria Câmara de Comércio Brasil-EUA.

Buscar justificativas no Brasil para o ato de Trump é como tentar acreditar que o presidente norte-americano não tem suas razões pessoais inconfessáveis, não exibe métodos irracionais como parte de sua lógica imperial para usurpar a soberania de nações e blocos econômicos mundo afora, e nem fala em nome dos interesses de grandes corporações dos EUA. Basta ver a insistência dele para que o Brasil livre Bolsonaro num julgamento que só cabe ao Judiciário brasileiro, as novas falas desrespeitosas aos brasileiros e às instituições nacionais, e a lista das investigações comerciais anunciadas. O rol de acusações, que mais se parecem desculpas falaciosas, incluíram “práticas de corrupção”, o comércio popular da Rua 25 de Março, em São Paulo, o PIX e o desmatamento. 

Aí se misturam problemas imaginários e questões reais. Dos problemas imaginários, os delírios trumpistas costumam dar conta, inventando, por exemplo, supostos prejuízos aos EUA trazidos pelos produtos vendidos na 25 de Março. Com propriedade, a associação que representa os lojistas da região ressaltou o número de lojas formais, reconheceu pontos de comércio irregular que se tornaram minoria, e declarou que a maioria dos produtos vendidos ali são importados da China, e não dos EUA. Já as questões reais desabonam não o Brasil, mas o que está por trás dos interesses norte-americanos. Por exemplo, estava demorando para a Amazônia entrar na agenda trumpista. É importante lembrar o mote de Trump na campanha presidencial: “Drill, baby, drill” (“perfure, querido, perfure” ou “perfure sem parar”). Sua vitória foi um sinal verde a qualquer custo para a indústria de petróleo e gás. Agora Trump se volta contra um país que tem sido referência mundial na defesa do meio ambiente, que, em dois anos, já reduziu pela metade o desmatamento da Amazônia, e que trabalha para zerar o desmatamento até 2030. 

E há, claro, interesses envolvendo o PIX e as big techs, hoje instrumentos fundamentais do projeto trumpista. O PIX, um patrimônio do nosso povo, como bem disse Lula em seu pronunciamento, facilitou o acesso a meios de pagamento digitais para a população não bancarizada ou com baixo acesso a crédito, além de permitir a rastreabilidade das operações para a Receita Federal e órgãos de controle, no combate à sonegação e a crimes financeiros. E tão importante quanto isso, o PIX é hoje uma ameaça à expansão dos meios de pagamentos da Apple, do Google e da Amazon. Para Trump e seus aliados, um PIX internacional é de alto risco pelo seu potencial de crescimento.

Enquanto a CNA põe a culpa no governo, no Congresso e no Judiciário, há problemas, pressões e chantagens reais para o Brasil enfrentar. Refiro-me aos interesses da extrema direita internacional, o desespero de Bolsonaro e seus filhos com o julgamento iminente por tentativa de golpe de Estado, o olho trumpista sobre a Amazônia e o conluio, com fins econômicos, entre a Casa Branca e as big techs. Estes são os adversários dos verdadeiros interesses do Brasil. Como disse Lula em entrevista à CNN, se Trump quiser realmente levar a sério as negociações em andamento, o Brasil está pronto para negociar o que for necessário, mas não vamos aceitar imposição de qualquer espécie. A submissão, diga-se, só interessa ao bolsonarismo e seus ventríloquos, como o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, e a CNA, que preferem se unir a Trump e trabalhar contra o Brasil e os brasileiros.

(*) José Dirceu foi ministro-chefe da Casa Civil no primeiro governo Lula (2003-2005), presidente nacional do Partido dos Trabalhadores e deputado federal por São Paulo.