Sábado, 6 de dezembro de 2025
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Não faz muito tempo que a editora Pallas publicou a autobiografia de Assata Shakur aqui no Brasil. Rapidamente, lideranças dos movimentos sociais estavam recomendando o livro, organizando palestras sobre sua vida e luta nas escolas, universidades e espaços de resistência. Uma dessas companheiras “discípulas de Assata”, coordenadora de ocupações de mulheres em São Paulo, contou que era um dos livros mais importantes que leu na vida e, sem dúvidas, esse livro mudou a minha vida também. 

Então, recebemos a notícia de que Assata entrou para a eternidade em Cuba, no dia 25 de setembro desse ano. Do lado de cá, ficamos com a tarefa de fazer com que o mundo conheça sua história: uma mulher negra que se declarou revolucionária, lutou pelo socialismo e teve coragem de enfrentar o sistema racista estadunidense.

Assata Shakur em Havana, Cuba, em maio de 1992. (Foto: Bill Hackwell / Resumen Latinoamericano)

Assata Shakur em Havana, Cuba, em maio de 1992. (Foto: Bill Hackwell / Resumen Latinoamericano)

Na carta “Para meu povo”, ditada dentro de uma cela em 1973, Assata desmonta as mentiras da polícia sobre o Exército de Libertação Negra (BLA, na sigla em inglês), denuncia os crimes dos EUA e do capitalismo contra o povo negro, a classe trabalhadora e os povos do mundo, escancara a violência do racismo e convoca seu povo à luta.

Monstros para o sistema, heróis para nós

Assata foi linchada pela máquina de propaganda do imperialismo estadunidense. Retratada como terrorista, assassina e criminosa, o governo norte-americano ofereceu 50 mil dólares por sua cabeça e, como nos conta nas primeiras linhas de sua carta, a ordem dada aos porcos era atirar para matar. O ator e rapper estadunidense Yasiin Bey relata a sua primeira memória sobre Assata: uma inundação de cartazes espalhados pelo Brooklyn com a frase “JoAnne Chesimard procurada” que descreviam-na como uma condenada fugida, armada e perigosa.

Em 2013, o FBI incluiu Assata na lista de terroristas mais procurados e ofereceu 2 milhões de dólares por ela, viva ou morta. Outra negra revolucionária já alcançou esse lugar de destaque para o imperialismo antes e não tem lugar no mundo que seu nome seja desconhecido hoje: Angela Davis.

Criar vilões, criminalizando as nossas lideranças com mentiras, tem por objetivo desmoralizar a luta dos povos oprimidos do mundo, sobretudo do povo negro. Querem criar uma atmosfera de medo e desconfiança para desestimular a união daqueles que são explorados. Mas, por vezes, o tiro sai pela culatra.

Quando criança, Yasiin via em todos os muros do Brooklyn a frase “Assata é bem-vinda aqui”, expressão de que o povo das periferias se reconhecia naquela mulher: nas ideias que defendia, na textura do seu cabelo, na cor da sua pele, seu jeito de falar, a história de vida que se repetia nos bairros negros. De fato, aqueles que são monstros para o sistema tornam-se heróis para nós. Por isso, Assata não foi admitida como criminosa, mas como líder. Por esse motivos, mais tarde ela foi acolhida pelo único país do continente onde existe liberdade: a Cuba revolucionária. 

 Leia também – A liberdade de uma fugitiva: o exílio de Assata Shakur em Cuba 

Eles são os verdadeiros assassinos e ladrões

Em seu discurso, Assata ousa dizer quem são os assassinos quando relembra a morte de Martin Luther King Jr. e Malcolm X, de todas as crianças negras que tiveram suas vidas interrompidas por tiros da polícia e das mulheres torturadas nos becos escuros. 

Lembrando os verdadeiros ladrões e bandidos envolvidos no saque em Moçambique, Angola, Camboja e África do Sul: EUA é um país comandado por uma classe de sanguessugas que roubou os negros de África, escravizou os indígenas e destruiu sua identidade e história. Uma classe apodrecida, completamente envolvida nos piores esquemas de fraude, suborno, propina e corrupção. 

Então, apesar de tentarem criminalizar o Exército de Libertação Negra, afirma Assata, é impossível esconder que o presidente, os generais do exército, o chefe do FBI e da CIA são os únicos criminosos.

“Para meu povo” 

Assata teve uma vida que valeu a pena ser vivida. Teve a clareza de enxergar a realidade do seu povo, a causa da exploração e do racismo, para então apontar um caminho e seguir por ele; ensinou que, se o sistema nos quer de joelhos e passivas, nosso dever é desafiá-lo. Até seus últimos dias, permaneceu inabalável. Com sua partida, deixa uma legião de mulheres dispostas a seguir seus passos. Obrigada, Assata! 

“Nós estamos sendo fabricados em massa nas ruas do gueto, lugares como attica, san quentin, colinas de bedford, leavenworth, and sing sing. Eles estão formando milhares de nós. Muitos veteranos Negros desempregados e mães carentes estão engrossando nossas fileiras. Irmãos e irmãs de todas as esferas da vida, que estão cansados de sofrer passivamente, compõem o Exército de Liberação Negra.
Há, e sempre haverá, um Exército de Libertação Negra, até que todo homem, mulher e criança Negros sejam livres. A principal função do Exército de Libertação Negra neste momento é criar bons exemplos, para lutar pela liberdade Negra, e para se preparar para o futuro. Devemos nos defender e não deixar ninguém desrespeitar a gente. Temos que ganhar a nossa libertação por qualquer meio necessário.
É nosso dever lutar por nossa liberdade.
É nosso dever ganhar.
Devemos amar uns aos outros e apoiar uns aos outros.
Não temos nada a perder senão as nossas correntes.”
(Assata Shakur, 1973)

(*) Isis Mustafa é dirigente do partido Unidade Popular pelo Socialismo.