É a eleição, estúpido
Massacres policiais não são acidente: são estratégia política para produzir medo, desviar atenções e colher votos em ano eleitoral
A expressão “É a economia, estúpido” foi cunhada em 1992, por James Carville, estrategista da campanha presidencial de Bill Clinton contra George W. Bush e desde então se converteu num mote recorrente da política para chamar a atenção ao que realmente importa.
Ela se aplica perfeitamente ao debate que tomou conta do Congresso, do noticiário e das redes sociais desde o dia 28 de outubro, em que todas as atenções do país se voltaram para as notícias do maior massacre policial da história recente do país.

Rio de Janeiro (RJ), 29/10/2025 – Ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, juntamente com o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, durante entrevista coletiva para falar sobre ação policial da Operação Contenção, contra o Comando Vermelho.
(Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)
As 128 mortes registradas do Morro da Misericórdia, além da triste ironia do nome, superam em número e brutalidade outras chacinas famosas como a do Carandiru (111 mortos) em outubro de 1992 ou a da Candelária (8 crianças mortas) em 1993, ou ainda o massacre dos sem-terra em Eldorado de Carajás, no Pará (18 mortos) em 1976.
O primeiro e mais evidente elo comum entre todas elas é a letalidade da ação das Polícias Militares que em nenhum dos casos atuaram para restabelecer a ordem, mas para fazer valer o bordão de que bandido bom é bandido morto. Ainda que não seja automático, pelo menos para uma parcela da população, que sem-terra como os homens e mulheres de Eldorado ou as crianças da Candelária sejam necessariamente bandidos.
O segundo elo é o fato de que parcela significativa da população apoia essas ações, seja por acreditar de fato que essa seja a melhor forma de combater a insegurança que o cidadão comum sente como dado permanente da vida numa sociedade tão desigual quanto a nossa, seja por uma tendência atávica à violência que, para Freud, estaria na base da natureza humana e para os estudiosos da evolução constituiria um resquício na memória coletiva da espécie de nossa origem tribal e guerreira.
E foi exatamente nessa capacidade dos massacres estimularem esse atávico impulso pelo extravasamento violento das frustrações que os mentores intelectuais da mais recente chacina da série apostaram.
Para o governador Cláudio Castro (PL) e seus cúmplices intelectuais, entre os quais se alinharam imediatamente Tarcísio de Freitas (PR-SP), Ratinho Jr (PSD-PR), Ronaldo Caiado (União-GO) e Romeu Zema (Novo-MG), o raciocínio é simples e infelizmente não está errado: violência dá voto.
E sobretudo serve para distrair o público e o eleitorado de outras notícias, boas ou más, dependendo do lado que se olhe. No caso concreto serviu a Cláudio Castro para se colocar como personagem relevante nacionalmente e, principalmente, para tentar adiar o julgamento em curso no TSE que, provavelmente, resultará na cassação do seu mandato, levando assim para a sofrida população fluminense o lamentável heptacampeonato: sete governadores cassados ou presos por corrupção.
E aos seus cúmplices do conglomerado bolsonaristas raiz/centrão fisiológico/ turma da Faria Lima e grande mídia corporativa, serviu para interromper a série de boas notícias que animavam o governo Lula: indicadores macroeconômicos excelentes, vitória clara do governo brasileiro no embate com Trump, mobilização do eleitorado contra o PL da bandidagem, liderança em todas as pesquisas para a eleição de 2026, o poderoso golpe nas finanças do PCC, entre outras.
Nenhum deles fez questão de sequer esconder que o objetivo era levar Lula de volta às cordas a partir do velho lugar comum de que o tema da segurança é aquele em que a esquerda sempre está em desvantagem.
Se estava tudo tão certo, porque foi que, ao menos até o momento em que escrevo, deu errado?
Primeiro porque, segundo a sabedoria popular, foram com muita sede ao pote. Acreditando no próprio discurso de que preto e pobre é vagabundo e “matar bandido” é distração suficiente para a população, acharam que ninguém estranharia a incrível jogada de fazer do secretário de segurança (com minúsculas mesmo) de São Paulo, que foi expulso da ROTA por se gabar de seus assassinatos, relator do projeto de combate ao crime organizado apresentado pelo Governo.
Segundo, porque esqueceram que Hugo Motta é um aprendiz de feiticeiro que até agora não conseguiu emplacar nenhuma de suas tramoias. Perdeu todas e foi o principal responsável pelo sucesso da hashtag “Congresso Inimigo do Povo”.
Terceiro, porque o próprio Derrite mostrou que talvez a única coisa que saiba fazer seja estimular a “sua” PM a matar com a mesma volúpia com que ele se jactava de fazer quando na ativa.
Como política, mesmo a da direita, é outra coisa, ele conseguir demonstrar sua incompetência ao apresentar quatro relatórios diferentes em menos de uma semana. Pegou tão mal que até os seus patrões, os governadores da direita, pediram para suspender a votação.
Veremos se até terça feira (18) o precário e perdido presidente da Câmara saberá o que fazer com o projeto e, sobretudo, como é que esses personagens vão se livrar da percepção, cada vez mais forte, de que só estão interessados em proteger o crime organizado, aos quais muitos estão, de uma ou outra forma, associados, e tentar evitar a eleição de Lula no ano que vem.
Por ora, há uma certeza. Nenhum desses personagens está minimamente interessado na segurança da população brasileira. Só em impedir a reeleição e, para isso, herdar os votos do sujeito que idolatra Brilhante Ustra.
(*)Carlos A. Ferreira Martins é Professor Titular Sênior do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP São Carlos























