Sob todos os aspectos, é emblemático o caso da iraniana Sakineh Mohammadi Ashtiani, viúva condenada à morte por apedrejamento por ter praticado adultério nas leis religiosas de seu país. Inegável que estamos diante de atrocidade e anacronismo extremados, pois há direitos fundamentais do ser humano que são universais, inflexíveis.
O respeito à vida e à inexistência de penas cruéis e degradantes são, pois, basilares no atual estágio civilizatório. Atentar contra esses direitos fundamentais —seja no Irã, nos EUA ou no Brasil— é atentar contra os mais comezinhos valores da vida civilizada, é acolher a barbárie.
Nesse sentido, devemos repudiar todas as declarações do presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, sobre o tratamento a Sakineh. Mas tal constatação não resolve o problema real. Sabemos que dentro de um Estado os conflitos são regulados pela legislação, mediados pela interpretação desse mesmo corpo de leis, a partir do tensionamento entre os princípios expressos na Constituição, e aplicados pelo aparato estatal via uso legítimo da violência.
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No entanto, entre dois Estados não há instância de mediação capaz de cumprir tal papel. Esse é o grande desafio da diplomacia, que ora se impõe na questão do respeito aos direitos humanos no mundo atual —e, claro, no caso do Irã.
No campo das relações diplomáticas, há somente duas vertentes possíveis e excludentes entre si: o diálogo e a guerra. As demais sanções previstas na ordem internacional ou pressupõe a relação pacífica ou são meros passos antecedentes da beligerância. Um funciona a partir da lógica do convencimento, o outro opera pela imposição de verdades via uso da força bélica.
Hoje, é consensual que a guerra tem repercussão prejudicial às nações em atrito —ainda que alguns setores econômicos se alimentem do conflito. Parte dessa mudança de compreensão sobre os efeitos da guerra se dá justamente com a identificação de valores fundamentais universais, que dão à vida e à paz um sentido mais relevante.
Li na imprensa críticas ao principal comandante militar americano, que reconheceu que “a opção militar tem estado sobre a mesa” quando o assunto é Irã e seu programa nuclear. É clara demonstração de uma tradição diplomática que escolhe a guerra como solução para os conflitos, relegando a um plano menor o respeito aos direitos humanos universais. Vide, no plano interno, a existência da pena de morte em vários Estados americanos e, no plano externo, a prisão de Guantánamo. É perceptível, inclusive, um movimento de associação por parte dos EUA das duas questões: a defesa de um direito fundamental, no caso de Sakineh, se confunde com o interesse em pôr fim ao programa nuclear iraniano.
Em contraste, a opção pelo diálogo favorece o caminho pró-direitos fundamentais e integra a tradição da diplomacia brasileira. Nosso Itamaraty sempre se pautou pela busca do convencimento como condição primeira na relação com outros países. Por essa razão, a escolha brasileira de oferecer exílio a Sakineh sem fazer enfrentamentos ao regime do Irã não representa um ato contrário à defesa dos direitos humanos, como se chegou a defender.
A oferta de exílio se insere na compreensão de que é investindo no convencimento que podemos ampliar as possibilidades de transformação de sociedades cujos valores atuais criam barreiras ao respeito aos direitos humanos fundamentais. Afinal, quanto mais isolada se encontra uma nação, mais próxima está da guerra. Um ato de barbárie não se combate com a barbárie maior da guerra.
Pedro Estevam Serrano é advogado, mestre e
doutor em direito do Estado pela PUC-SP, professor de direito
constitucional, fundamentos de direito público e prática forense de
direito do Estado da Faculdade de Direito da PUC-SP. É Autor das obras “O
Desvio de Poder na Função Legislativa” (editora FTD) e “Região
Metropolitana e seu regime constitucional” (editora Verbatim). Artigo originalmente publicado pelo site Última Instância.
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