Sábado, 6 de dezembro de 2025
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Quando eu era jovem, o único momento ao longo da minha escolarização que eu via pessoas parecidas comigo nos livros de história era durante as difíceis páginas da escravidão. 

Não era exatamente a matéria que tinha necessariamente mais páginas, evidentemente: o livro começava em 1500, com a chegada das caravelas do colonizador na costa brasileira. Mas a partir dali, ao longo das páginas que tratavam do período mais longevo da história do país, o negro figurava apenas como escravizado. 

"Horse and Rider Before the Great Mosque of Kano" , de John Howard Sanden.

“Horse and Rider Before the Great Mosque of Kano” , de John Howard Sanden.

Isso me forma, já que o bullying (típico da escolarização de todos os tempos, mas que naquele momento não tinha exatamente esse nome estrangeirista) me identificava com as imagens do escravizado (que naquele momento também, era apenas “escravo”).

Tenho certeza de que muitos outros meninos da década de 90 se sentiam da mesma forma: era como se a nossa única possibilidade de existir como representação nas narrativas históricas fosse assim, como escravizados.

Recentemente chegaram até mim, pelos recônditos nem sempre rastreáveis da internet (de modo que eu não fui capaz de descobrir o autor original), um compilado de pinturas dos séculos XVIII, XIX e algumas até mais contemporâneas, dos XX e XXI, que mostram pessoas negras em diversas posições sociais no mundo antigo… nenhuma delas como escravos (para usar o termo pejorativo). São líderes políticos como Jean-Baptiste Belley, que foi um santo dominicano e político francês (como na imagem de Anne-Louis Girodet), ou uma mulher haitiana que serviu de modelo para a pintura de François Beaucourt; são pessoas negras vivendo, existindo para além de qualquer narrativa imagética da branquitude e do colonialismo sobre nós. 

Essas imagens me causaram uma profunda surpresa, mas ao mesmo tempo indignação: eu queria que o meu eu da juventude, o João Raphael de 11 anos de idade, sem referenciais para sequer se sentir bonito, tivesse tido acesso a imagens como essas. Mas a narrativa de poder da colonialidade as retirou de mim, tal qual um doce retirado das mãos de uma criança.

Aos finais de setembro de 2025 estou em vias de me tornar pai pela primeira vez e prometo: vou garantir outras experiências de imagens de pessoas negras na vivência de meu vindouro filho. Akin há de conhecer outro mundo. Ele vai aprender o quão bonito é a cor de sua pele e suas feições.

Compartilho agora com vocês um lista de algumas dessas imagens (que podem ser vistas compiladas em meu Instagram a partir do link: https://www.instagram.com/p/DOJYK6_kfxF/ 

  1. Portrait of a Young Woman – Jean-Etienne Liotard
  2. Portrait of a Woman from the Gold Coast – Beatrice Bright (1860-1941)
  3. Portrait d une femme haitienne – Francois Beaucourt
  4. Portrait of a Black Man – Julien Hudson (1835)
  5. Woman In Tignon – Adolph Rinck
  6. Aquasi Boachi and Quamin Poko – JL Cornet
  7. A Tangerian Beauty – José Tapiró y Baró, c. 1891
  8. Retrato de Ayuba Suleiman Diallo, 1733 – William Hoare
  9. Portrait of Henri Christophe, King of Haiti por Richard Evans (1784–1871)
  10. Portrait of an African Man – Lovis Corinth (German, 1858-1925)
  11. El suspiro del moro – Marcelino de Unceta
  12. Africain tenant un cheval au bord d’une mer – Alfred Dedreux
  13. Soldado y mulata – Víctor Patrício de Landaluze
  14. Portrait Of Jean-Baptiste Belley – Anne-Louis Girodet
  15. Horse and Rider Before the Great Mosque of Kano – John Howard Sanden
(*) João Raphael (Afroliterato) é escritor, professor e mestre em educação pela UFRJ. É apresentador do programa “E aí, professor?” do Canal Futura.