Decisão histórica da Justiça em favor da luta antissionista
Sentença do juiz Sílvio Gemaque reforça um fato histórico: antissionismo nada tem a ver com antissemitismo
Ao rejeitar a denúncia do Ministério Público Federal contra mim, por suposto crime de antissemitismo, o juiz Sílvio Gemaque põe por terra tradicional manobra do lobby israelense, baseada na falsa equiparação entre o combate ao sionismo e o racismo antijudaico.
Provocado pela Confederação Israelita do Brasil (CONIB), o procurador pretendia me julgar com base na Lei nº 7.716/89, norma de penalização do racismo em nosso país, sob a qual são enquadrados eventuais atos antissemitas. Postagens em redes sociais foram apresentadas como supostas provas. Oferecida em pleno genocídio palestino, a acusação virou motivo de repugnância.
Abdiquei do sigilo processual para que tal aberração fosse de conhecimento público. Muitas vozes se levantaram em repúdio, além da defesa brilhante apresentada pelos advogados Fernando Hideo Lacerda e Pedro Serrano.
Um manifesto liderado pelo jornalista Juca Kfouri e o escritor Afonso Borges alcançou mais de 20 mil assinaturas, assumindo corresponsabilidade pelos textos criminalizados. Serei eternamente grato pela solidariedade e, mais que tudo, pelo engrandecimento da causa palestina.
O titular da 10ª Vara Criminal Federal de São Paulo, respondendo nos autos, foi taxativo: “a mera crítica política, histórica ou ideológica a um Estado, ainda que severa, não configura racismo”. Não poderia ser mais clara a separação entre a luta antissionista e o crime antissemita, preservando a liberdade de expressão como garantia constitucional.
Complementou: “as expressões que se referem a ‘dirigentes sionistas’ como ‘párias’ ou ‘inimigos dos povos’ revelam crítica severa dirigida a uma ideologia política, e não a um grupo religioso ou étnico; (…) não se confundem com o discurso de ódio contra o povo judeu”.
A decisão do juiz Gemaque reforça um fato histórico: o sionismo é tão somente uma corrente ideológica do judaísmo, baseada na construção de um Estado de supremacia étnica e na colonização da Palestina como seu território. Antissionismo nada tem a ver com antissemitismo.
Ser antissionista não é ser antissemita, da mesma forma que ser antinazista não era ficar contra os alemães, e enfrentar os fascistas não constituía ódio aos italianos. Mesmo que o sionismo tenha atualmente a adesão da maioria dos judeus, representa apenas uma determinada concepção doutrinária e sua encarnação estatal.
Venho de uma família que foi vítima dos horrores do Holocausto. Muitos judeus, como eu, repelem que essa tragédia seja manipulada para justificar a existência de um regime racista e colonial como o israelense — menos ainda para permitir a reprodução de métodos nazistas contra outro povo.
De fato, o magistrado manteve uma das denúncias: a de que eu poderia ter feito “apologia ao crime” por enaltecer a resistência palestina. Também essa alegação terá vida curta. A Organização das Nações Unidas (ONU) e o Brasil não consideram o Hamas um grupo terrorista. Na Corte Internacional de Justiça, quem responde pelo mais grave dos crimes — o de genocídio — é o Estado de Israel, não a organização islâmica.
Esse impasse é secundário, de toda maneira. Acende-se a luz quando um juiz tem a estatura de se colocar ao lado da humanidade, em hora tão decisiva. Sua resolução é ode à esperança. Não por me beneficiar, evidentemente, mas porque a causa palestina é a grande régua moral de nossos tempos.
(*) Texto publicado originalmente em Folha de S.Paulo.
(*) Breno Altman é jornalista, fundador de Opera Mundi e autor do livro Contra o Sionismo: Retrato de uma Doutrina Colonial e Racista (Alameda Editorial).























