De Tolkien a Trump, o controle do futuro
Giro político representado por Trump – incluindo tentativa de derrotar Lula no Brasil em 2026 – é parte de programa político maior
Leitores e aficionados do universo da Terra Média criado pelo filólogo e professor britânico J.R.R. Tolkien se lembrarão dos Palantir, cristais fabricados pelos Elfos Noldor e cujo nome, na língua inventada pelo escritor, significaria “pedras da visão”. Eram instrumentos mágicos pelos quais se realizava comunicação à distância, mas não apenas no espaço, porque também permitiam ver passado e futuro.
Não deixa de ser interessante que esse tenha sido o nome escolhido para uma empresa de tecnologia criada em 2004 por um grupo de especialistas em software e gestão de dados. Entre eles estavam Peter Thiel, bilionário criador do PayPal, Nathan Gettings, Joe Lonsdale, Stephen Cohen e Alex Karp, o atual CEO.

O presidente dos EUA, Donald Trump, durante encontro com o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu.
(Foto: White House / Daniel Torok)
A empresa foi criada com um investimento inicial de 2 milhões de dólares da CIA por intermédio da In-Q-Tel, empresa fundada por Norman Ralph Augustine, ex-CEO da Lockheed Martin, com o objetivo de estabelecer conexão direta do deep state com o Vale do Silício. A empresa vale hoje, 1,5 bilhões de dólares. Mas se alguém tiver reservas para um bom negócio, certamente vale investir em suas ações.
Elas vão subir muito com Trump. Porque a ele interessa implantar o mais rapidamente possível uma das propostas mais letais das 900 páginas do famigerado Projeto 2025 ou Projeto para uma Transição Presidencial, elaborado pela Fundação Heritage, think tank da extrema direita.
O plano, que claramente estabelece objetivos e metas para a implantação de um estado autocrático e supremacista nos EUA, além de um manual de instruções com passos para cada uma das metas, é tão tóxico que Trump evitou qualquer vinculação com ele durante a campanha, chegando a afirmar que jamais o havia lido.
No entanto, um levantamento recente do Monitor do Projeto 2025 (Project 2025 Tracker, em inglês), ferramenta do Centre for Progressive Reform, identificou que mais de 40% das 316 medidas propostas pela cartilha conservadora já foram postas em prática nestes primeiros meses do governo Trump.
Algumas são mais conhecidas, inclusive pelo público brasileiro. É o caso da quase total desmontagem do Departamento (nosso Ministério) de Educação, do embate aberto com as Universidades, da proibição de financiamento a atividades de pesquisa ou ação social vinculadas a políticas afirmativas, da retirada dos organismos internacionais, sobretudo os voltados para a cultura ou a prevenção da crise climática e os muitos etc. que têm frequentado até mesmo as páginas da imprensa corporativa pró-americana.
Mas talvez o caráter autocrático da espinha dorsal do projeto não esteja tão explícito quanto na nova missão atribuída especificamente à empresa de big data Palantir.
Trump já colocou em andamento uma série de decretos presidenciais que autorizam a transferência à Palantir de vários sistemas de dados do governo americano que até o momento estavam vedados ao acesso público e nem mesmo conversavam entre si.
É o caso das bases de dados do Internal Revenue Service, departamento do Tesouro equivalente à nossa Receita Federal; das bases do DOJ, Department of Justice, equivalente ao nosso Ministério da Justiça, com todos os dados dos sistemas criminais e prisionais do país, incluídos os fornecidos pela agências de inteligência; da base de dados do SSN – Social Security Number, sucedâneo do que seria o nosso cartão de identidade, necessário para qualquer ação no mercado de trabalho, acesso a crédito, contas bancárias, etc.
De imediato isso já significa colocar em uma mega data base todos os dados de identificação civil do conjunto dos cidadão estadunidenses, mas não vai parar por aí. A Palantir receberá também acesso direto ao sistema de controle de trânsito do país, o que inclui o sistema, em acelerada implantação, de reconhecimento facial.
E para fechar o cerco, o Pentágono anunciou no X, ex Twitter (sic) na última semana de julho a assinatura de um no-bid contract (equivalente ao nosso contrato sem licitação) com a Palantir para “a integração de inteligência artificial (IA) no campo da inteligência aeroespacial”, o que significa um acesso sem precedentes a toda a informação de mapas, imagens de satélites, GPS e outros dados geoestratégicos.
Como já está claro que Trump decidiu colocar a derrota de Lula em 2026 no centro de sua estratégia internacional, é importante saber que as forças que o apoiam estão decididas a dotá-lo de uma estrutura de poder autocrático inédito na história daquele país. Ou, para evitar meias palavras, a outrora democracia referência do “mundo livre” já está em acelerado processo de conversão num estado policial.
E aos que alimentam a ideia de que os efeitos econômicos internos de sua política tarifária o encaminhariam a uma derrota nas eleições de midterm e consequente perda da maioria no Congresso, sugerimos um pouco de atenção às peculiaridades do sistema eleitoral estadunidense e das medidas sugeridas pelo Projeto 2025 também nessa área.
Mas isso fica para a próxima coluna.
(*) Carlos Ferreira Martins é Professor Titular do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP São Carlos
*. Escrita em coautoria com pessoa que detém vasto conhecimento interno dos mecanismos políticos e eleitorais dos EUA que, por razões de segurança, não pode ser creditada.























