Sábado, 6 de dezembro de 2025
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O velho ditado de que a montanha pariu um rato serve bem para o tarifaço de Trump contra o Brasil. Mas junto desse movimento ridículo, no qual um tarifaço abrangente contra nosso país, com quem os Estados Unidos mantêm superávit comercial, apresenta tantas exceções quanto aplicações, sobrevieram novas rodadas de ameaças contra os países do Brics, inclusive a Índia e a Rússia – a última militarmente ameaçada.

Enquanto buscava, direta e descaradamente, determinar o que a institucionalidade brasileira deveria fazer, Trump obteve uma vitória contra a União Europa, aplicando tarifas vergonhosas que foram aceitas de forma mitigada – dobrando, com muita facilidade, Ursula von der Leyen, a onipresente presidente da Comissão Europeia, que recebeu críticas da esquerda, extrema-direita e mesmo de liberais.

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. <br> (Foto: White House / Daniel Torok)

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
(Foto: White House / Daniel Torok)

O acordo desigual aceito pelos europeus parece estar ligado com a Guerra na Ucrânia, que interessa fortemente à indústria armamentista americana – que agora terá de ser financiada, de maneira ainda mais acentuada, pelos partidos hegemônicos da Europa. Junto disso, vem o ultimato trumpista contra a Rússia para ela cessar suas ações militares, em um momento no qual o país avança e a Ucrânia chega ao limite.

O quadro russo, inclusive, gerou novas ameaças que se cumpriram, mesmo para países simpáticos a Trump como a Índia, liderada pelo direitista Narendra Modi, que recebeu tarifas ao se negar a romper com Moscou e com o Brics. Algo parecido se opera com os chineses, novamente ameaçados com tarifas, desta vez pela mesma razão, enquanto a sombra disso se projeta novamente contra o Brasil.

Com as más notícias econômicas, Trump demitiu Erika McEntarfer, chefe do setor que cuida das estatísticas sobre emprego no equivalente americano ao Ministério do Trabalho. Enquanto isso, a sombra da aceleração inflacionária começa a surgir no retrovisor, enquanto as bolsas registram perdas depois de uma euforia inexplicável desde abril. Poderá Trump sustentar essa grande iniciativa em múltiplas frentes?

A estratégia ucraniana e os rodopios de Trump

Embora declarada como objetivo estratégico nada nobre da geopolítica americana há pelo menos 30 anos, a expansão da Otan para a Ucrânia foi tratada como um elemento desprezível por analistas brasileiros em 2022. Em muitos momentos, o quadro chegava a ser exposto como uma disputa “ideológica” entre liberais e progressistas versus “a extrema direita global”.

Nada disso se sustentava diante da mais elementar análise histórica. A expansão da Otan para o Leste servia para o controle americano da Europa e da Rússia – conforme Zbigniew Brzezinski em seu clássico The Grand Chessboard (1997) –, mas também cumpria a tarefa de garantir “mão de obra” para as tropas da aliança militar – como explicitou George Soros em Toward a New World Order: The Future of NATO (1993).

As demandas econômicas, fossem da indústria bélica americana ou do petróleo, ainda mais depois da pandemia, contudo, eram o que faltava para pôr esse plano em marcha, ainda mais com a presença de Joe Biden na presidência – um ex-senador cujas posições radicais nos anos 1990 eram conhecidíssimas, fazendo oposição à direita de seu correligionário, Bill Clinton.

Se os americanos compraram o discurso contra a eterna adversária Rússia, por outro lado se ressentiram dos efeitos econômicos da guerra, mesmo que os mortos não fossem jovens soldados americanos. Donald Trump sabia muito bem disso e partia para colocar fim ao conflito, mas não conseguiu produzir um acordo com a indústria bélica de seu país, enquanto líderes dos “aliados europeus” simplesmente não querem parar a guerra.

Da humilhação ao presidente ucraniano Volodymir Zelensky na Casa Branca ao “ultimato” contra os russos, Trump demonstra a enésima mudança de opinião no atual mandato – tudo dentro de uma crise de legitimidade, ainda mais em tempos de neurose pela possível perda de hegemonia global, tendo o Brics como um bloco assustador, unindo chineses, russos, brasileiros, indianos, iranianos e tantos “adversários”.

Os próximos passos de um Trump volátil

De certa forma, Trump 2.0 parece mais animado a ir às últimas consequências, em vez de se manter nas bravatas, mesmo que muitas vezes ele termine por recuar em relação às suas medidas de impacto – nem que seja parcialmente. Mas o que está em questão é que o impacto daquilo que ele consegue impor não tem se mostrado vantajoso, enquanto mantém seu país entre o stress e a falta de previsibilidade.

Medidas como aquelas contra o Brasil, por um lado, já impactariam a economia americana, amplamente favorecida pela natureza de uma relação comercial quase colonial com o vizinho sul-americano – quem perderá com a tarifação do café senão empresas e consumidores americanos, ainda mais em tempos de demanda chinesa pelo produto?

Se a inflação acelera e o emprego cai, os números de crescimento não empolgam, desde que comparados os trimestres com seus correspondentes exatos do ano anterior: por ora, ambos os trimestres sob Trump 2.0 apontam para um crescimento de apenas 2%, o que aponta para um crescimento inferior aos 2,8% de 2024. Sem combustível econômico para mover seu show, Trump sabe que estará logo em apuros.

Se um conflito em larga escala com a Rússia é pouco provável, por outro lado, não podemos subestimar o risco pequeno – porém perigosíssimo – de um erro pontual levar a um evento bélico catastrófico. Na melhor das hipóteses, sem produzir um acordo com a Rússia, Trump sabe que será improvável baixar os juros tão logo, a menos que arque com o risco inflacionário que se mostrou real, e tóxico, em 2022.

Há possibilidades de novos abalos, principalmente se pensarmos nos efeitos de juros altos dentro de uma realidade de ações inflacionadas há anos, causando estouros de bolhas. Como disse há pouco o historiador francês Emmanuel Todd, é possível que “os Estados Unidos estejam a ponto de provocar eventos que agora nem podemos imaginar, e que serão tanto mais terríveis quanto menos os pudermos imaginar”.

(*) Hugo Albuquerque é jurista e editor da Autonomia Literária.