Sexta-feira, 12 de dezembro de 2025
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O que provocou o levante no Egito que rapidamente derrubou o regime de 30 anos de Mubarak? Dependendo de quem você ouvir, a internet teve tudo ou nada a ver com isso.

Em um extremo estão os chamados “Ciberutópicos”, que anunciam a revolta do Egito como a “Revolução do Facebook” e destacam o papel das ferramentas da internet como algo mais importante que a organização offline por parte dos ativistas. No outro extremo estão Malcolm Gladwell, Jon Stewart, Frank Rich e outras personalidades da mídia, cuja disposição de negar o papel da internet foi igualmente clara. Concentrando-se quase exclusivamente nas condições sociais do Egito, esses críticos trataram o levante como a consequência inevitável da pobreza e de abusos dos direitos humanos.

Rich tem alguma razão: alguns canais de mídia concentraram-se na novidade da mídia social e pouco falaram sobre as forças sociais de prazo mais longo que precipitaram os protestos no Egito. Mas os outros, criticados por ter atribuído à internet o impulso para a onda de protestos no Irã, minimizaram o papel da mídia social na derrubada de Mubarak.

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Condições sociais opressoras realmente motivam uma ânsia comum  por mudanças; no entanto, nenhum movimento nasce até que um grupo central de ativistas extraordinariamente corajosos dá um passo a mais, transformando sua indignação em ação pública. A verdade é que os movimentos sociais surgem de uma combinação de condições e coragem.

O que falta nesses argumentos é considerar esses primeiros incentivadores. Como eles reuniram a coragem para entrar pela primeira vez na Praça Tahrir? E a internet os animou?

Nos últimos dias, um jovem funcionário do Google no Cairo chamado Wael Ghonim surgiu como o herói do movimento de protesto. Ghonim – preso em 28 de janeiro e mantido secretamente em detenção até 7 de fevereiro – foi o então anônimo fundador da página no Facebook “We Are All Khaled Said”, que inicialmente convocou e organizou o protesto de 25 de janeiro. A página, que homenageia um jovem de 28 anos de Alexandria arrancado de um cibercafé e espancado até a morte pela polícia, que suspeitava que ele havia divulgado vídeos de corrupção policial na rede, foi lançada há mais de seis meses.

O que começou como uma campanha contra a brutalidade policial se transformou em um pólo online para que os jovens egípcios compartilhassem suas frustrações com os abusos do regime de Mubarak. Entre os primeiros participantes ativos da comunidade “We Are All Khaled Said” estavam ativistas pró-direitos humanos e blogueiros dissidentes, muitos dos quais conheciam uns aos outros e se organizavam contra as políticas de Mubarak havia anos, e alguns dos quais haviam passado temporadas na prisão por suas atividades.

Dalia Ziada, experiente ativista e blogueira pró-direitos humanos, era uma dessas pessoas. Há alguns anos, ela conheceu um livro em quadrinhos norte-americano dos anos 1950 que contava a história de Martin Luther King. Inspirada pelas táticas de não-violência de King, ela traduziu o livro para o árabe e o publicou em papel e online.

“MLK tinha apenas 29 anos quando lançou sua campanha e motivou a comunidade afroamericana inteira”, disse-me Dalia. “Quando as pessoas aprenderam sobre as histórias de sucesso de MLK e Gandhi, perceberam que podiam fazer isso aqui também. Temos o poder de transformar nossos sonhos em fatos reais e tangíveis.” Ziada distribuiu milhares de cópias do livro impressas e online para seus colegas organizadores, que não só se inspiraram, mas também aprenderam com a persistência e a sofisticação tática do movimento pró-direitos civis.

Wikimedia Commons



Manifestantes egípcios destacam cartaz elogiando rede social durante protestos

Ao longo do tempo, centenas de milhares de pessoas se inscreveram na página “We Are All Khaled Said”, compartilhando histórias de abuso policial e publicando vídeos e fotos inspiradores no YouTube, enquanto os organizadores os conclamavam a participar de uma série de protestos não-violentos, postando-se em silêncio em locais públicos. Nenhum desses protestos, ocorridos em junho e agosto de 2010, atraiu mais do que poucos milhares de pessoas.

Contudo, no rastro do levante na Tunísia – quando os ativistas viram que as táticas não-violentas de King e Gandhi haviam tido sucesso em um país próximo -, Ghonim e seus colegas organizadores aproveitaram a esperança coletiva. Convocando um protesto para 25 de janeiro, os ativistas começaram rapidamente a distribuir online panfletos e manuais de instruções detalhados, que incluíam conselhos sobre como resistir ao gás lacrimogêneo.

Para garantir um grande número de participantes, os organizadores prometeram uns aos outros que atrairiam para os protestos pelo menos dez pessoas que eles conheciam, mas não estavam conectadas. Eles até combinaram com antecedência táticas de troca de mensagens. A fim de ter sucesso no recrutamento de egípcios pobres e menos educados, eles se concentraram em questões econômicas, e não na tortura, como slogan. “Falamos a língua deles”, disse Dalia, “e não nossa língua de usuários da internet.”

“O fato de tudo ter sido muito bem organizado desde o início fez as pessoas se sentirem mais seguras e dispostas a participar. Por exemplo, havia mapas mostrando o caminho para os locais de protesto, como os grupos deveriam se movimentar e quem deveria estar na primeira fila”, conta Dalia. “Isso deu uma sensação de segurança aos participantes. Em outras palavras, não foi uma revolta aleatória ou espontânea. Foi algo bem planejado e organizado.” Esse planejamento baseado na web foi decisivo, considerando que a vasta maioria dos membros da página “We Are All Khaled Said” – e daqueles que saíram às ruas no dia 25 – não eram ativistas e blogueiros pró-direitos humanos veteranos.

Chamem isso de “Ciberpragmatismo”. A internet ajuda ativistas como Ziada a tecer a história no presente, promover exemplos de movimentos não-violentos que tiveram sucesso em outros lugares, aprender com os que fracassaram e aprimorar rapidamente suas táticas não-violentas à medida que seu próprio movimento progride.

Quando perguntei a Kamal Sedra, outro ativista e blogueiro egípcio que foi ativo nos protestos, o que ele e os colegas aprenderam desde o início do movimento, ele respondeu: “Há muitas, muitas coisas que aprendemos. (…) Esse movimento acrescentará muito à ciência da resistência civil não-violenta.”

No fim das contas, os ativistas estão desenvolvendo uma espécie de wiki dos movimentos – um modelo continuamente reeditado e aperfeiçoado por uma rede cada vez maior de colaboradores. Ao fazê-lo, eles transmitem uns aos outros a sensação de que podem simplesmente mudar a história em favor da justiça.

Vale dar um passo atrás e considerar que, para a maioria das pessoas comuns que vivem sob regimes repressores, o protesto público não-violento é uma noção absurda, risível. O risco de ser espancado, preso, torturado ou morto – como foram muitos ativistas pró-direitos humanos ao longo das últimas três décadas – é aterrorizante. O único modo de um protesto de rua se tornar uma proposta minimamente plausível é você saber que não está sozinho – que muitas, muitas pessoas compartilham não só sua revolta, mas também seu desejo de fazer algo a respeito.

E quando você vê que seus companheiros manifestantes têm um plano – que eles são informados, organizados e preparados -, ganha a confiança de que sua participação não será em vão. É por isso que a página “We Are All Khaled Said” – e a organização online por meio de mensagens privadas no Facebook, listas de email e Google Docs ali originados – foram tão importantes para os ativistas de primeira viagem.

Quando esses jovens ativistas levaram sua confiança coletiva às ruas – em números que não eram vistos havia décadas no Egito -, eles mostraram que a mobilização de massa não-violenta era possível. Só então as centenas de milhares de egípcios mais velhos e não conectados, que sempre haviam compartilhado em silêncio sua insatisfação, sentiram-se compelidos a agir também.

Um líder opositor veterano disse a Sedra: “Os jovens fizeram em seis dias o que tentávamos fazer havia 30 anos.”

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Como o ciberpragmatismo derrubou Mubarak

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