Sexta-feira, 12 de dezembro de 2025
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São as meninas que se colocam na linha de tiro da atual cena pop estadunidense. Mas, na retaguarda de gagas, britneys, rihannas etc. existem caras esquisitos como Cee-Lo Green. Em atividade desde meados dos anos 90, esse soul-funk-rapper hoje com 36 anos garantiu maior atenção mundial quando seu vozeirão peculiar ganhou as paradas com o soul dançante Crazy (2006), lançado em dupla com o produtor Danger Mouse, sob o codinome Gnarls Barkley.

No final de 2010, Cee-Lo voltou à carga com um novo álbum solo (seu terceiro), estranhamente batizado The Lady Killer. A música escolhida para primeiro single e vídeo foi Fuck You, que causou alguma espécie na recente cerimônia do Grammy porque o homenzarrão tatuado com cara de mau topou, aparentemente sem maiores constrangimentos, trocar a letra (e o palavrão) original para o bem mais anódino Forget You. Coisas da Terra da Liberdade.

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O tema de Fuck You combina com o codinome “o matador de damas” criado para o CD. Trata de um narrador com dor-de-cotovelo porque viu a garota que ama com outro. Injuriado, ele despeja agressões verbais à dita cuja: “Estar apaixonado por sua bunda não é barato”. Noutro ponto, dirige-se, confuso e/ou perturbado, à ex e/ou ao namorado dela: “Foda-se você e foda-se ela também”, “se eu fosse mais rico, ainda estaria com você”. No vídeo de Fuck You, crianças e adolescentes se revezam na interpretação de personagens e romance tão cândidos.

O mais novo single, Bodies, leva a consequências mais drásticas a misoginia já explícita na letra de Fuck You. O vídeo acompanha a historieta em visual brega-surrealista à moda de um Salvador Dalí rapper, com destaque para manchetes de jornal que passeiam pela tela entre termos como “a mansão de Cee-Lo Green nas colinas de Hollywood”, “morte por estrangulamento” e “corpo encontrado na cama do dr. Green”. A garota assassinada é interpretada pela darling black-pop Janelle Monáe, enquanto o narrador-assassino se autointitula “cavalheiro” e afirma que “de modo algum ela era inocente”. A vítima era a culpada, entendeu?

É curioso que a indústria norte-americana de “entretenimento” selecione essas duas canções como cartões-de-visita de The Lady Killer. O restante do disco é mais ameno, apesar da tentativa de dar a seu título um caráter conceitual. A faixa-título é uma vinheta-ameaça que abre e fecha o CD, usando sonoridade de faroeste tipo Quentin Tarantino para lançar avisos da estirpe de “tenho autorização para matar damas”.

Na sequência do assassínio de Bodies, a voz feminina de Lauren Bennett domina a faixa Love Gun, entre afirmações e perguntas como “você atirou em mim” e “você não vai me libertar, me tirar da tristeza, me fazer sentir bem?”. O narrador responde, portando o “revólver do amor”: “Quero você viva ou morta/ se você prometer se render, eu te amarei/ querida, eu deixarei você sobreviver”.

Assista ao clipe de Bodies:

Fora desse ciclo de canções raivosas, a violência e a agressividade arrefecem. O narrador que se autoafirma no restante das faixas é um típico namorado bobão-babão, interessado em algum sexo, alguma infidelidade e muito, muito, muito romantismo. Pode parecer contraditório, mas não deixam de ser duas faces de uma mesma moeda: de um lado, meladas promessas (e cobranças) românticas; do outro, agressividade, misoginia e violência. O Império Pop adora, principalmente se houver uma fileira de ladies se engalfinhando no gel à frente do cafetão. 

 

*Pedro Alexandre Sanches é jornalista e crítico musical. Escreve no Opera Mundi e no seu blog pessoal. 

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