Sábado, 6 de dezembro de 2025
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Na última sexta-feira, 28 de julho de 2025, a Colômbia viveu um terremoto político: Álvaro Uribe Vélez, ex-presidente e figura mais poderosa da direita colombiana, finalmente foi condenado – não pelo genocídio cometido pelo seu governo, mas por suborno de testemunhas e fraude processual. A sentença da juíza Sandra Liliana Heredia impôs 12 anos de prisão domiciliar, multa milionária e oito anos de inabilitação para cargos públicos ao ex-presidente. A ironia é inevitável: como Al Capone, que ordenou chacinas e foi parar na cadeia por sonegação fiscal, Uribe, acusado de usar o Estado como uma máquina de morte, será punido por um crime menor. A notícia, tímida nos jornais brasileiros, deveria ecoar com força em toda a América Latina e Caribe, Brasil incluído, pois revela não apenas a queda de um intocável, mas a disputa pela memória e a justiça num continente que ainda luta pela autonomia de escrever sua própria história.

Entre 2002 e 2010, durante seus dois mandatos, Uribe implementou a chamada “seguridad democrática”, uma política que se apresentava como combate às diversas guerrilhas, e que geraria uma era de terror ao país. O governo de Uribe, com orientação direta dele, matou e desapareceu com quase 100 mil pessoas. Num único caso específico, segundo a Justiça colombiana, pelo menos 6.402 civis crianças e jovens inocentes das periferias das grandes cidades foram sequestrados e executados pelo Exército para serem apresentados como supostos guerrilheiros mortos em combate, para que os oficiais e soldados recebessem condecorações e bonificações pela suposta eficiência no enfrentamento aos grupos armados. No mesmo período, de acordo com o Registro Único de Víctimas (RUV), mais de 4,7 milhões de pessoas foram expulsas à força de suas terras, e ao menos 32 mil foram desaparecidas, número que, segundo relatórios da ONU, pode superar 50 mil se incluídos os casos não denunciados.

O ex-presidente colombiano Álvaro Uribe. <br> (Foto: World Economic Forum / Flickr)

O ex-presidente colombiano Álvaro Uribe.
(Foto: World Economic Forum / Flickr)

A dimensão de sua responsabilidade política e moral não tem paralelo no mundo atual. Nenhum presidente contemporâneo – nem mesmo figuras denunciadas pela Europa ou Estados Unidos – comandou um Estado que matou, desapareceu, deslocou tantas pessoas sob o manto da democracia. Nem todas as ditaduras da América Latina e Caribe juntas fizeram algo parecido. Uribe jamais foi condenado por nenhum desses crimes. Inclusive, tudo isso ocorreu com apoio político, financeiro e militar dos Estados Unidos e da União Europeia, que viam no governo Uribe um aliado estratégico contra o comunismo e no suposto combate ao narcotráfico, ignorando deliberadamente os crimes cometidos. O governo Trump atacou o judiciário colombiano acusando-o de perseguir um herói nacional.

O interessante é que o ocidente sabia muito bem quem era Uribe, e da participação direta dele e do seu pai no Cartel de Medellín. Alberto Uribe Sierra, seu pai, foi sócio de Pablo Escobar. O próprio Álvaro Uribe está presente num relatório da inteligência dos Estados Unidos de 1991 listando-o como um dos mais importantes narcotraficantes da América Latina. A jornalista Virginia Vallejo, que teve uma relação amorosa com Escobar, em seu livro Amando a Pablo, odiando a Escobar, relata como, à frente da Aeronáutica Civil, Uribe concedeu licenças de voo a aeronaves do Cartel de Medellín.

A condenação de Uribe é, portanto, mais do que um episódio judicial: é um espelho que reflete a hipocrisia dos EUA e da Europa com o nosso continente, que de forma seletiva definem quais governos merecem ser chamados de democráticos e quais devem ser atacados – mesmo quando os fatos mostram que, sob seu silêncio cúmplice, um deles cometeu um genocidio. Nossas sociedades devem deixar de procurar a opinião de outros continentes sobre nossas democracias. A Colômbia é considerada por eles a democracia mais estável do continente. A pergunta é: estável para quem? Para a sua população é que não. E além da violência política que ainda existe, é o segundo país mais desigual do mundo. Então, refaço a minha pergunta: há democracia na Colômbia? 

Apesar dos milhares de mortos e desaparecidos do seu governo, Uribe ainda pode recorrer da sentença por ter comprado testemunhas. 

(*) Amauri Chamorro é estrategista e consultor político.