Bruce Springsteen maduro revela o jovem que não foi
Bruce Springsteen maduro revela o jovem que não foi
Aos 61 anos, Bruce Springsteen é um homem maduro – talvez mais maduro que a maioria dos artistas de sua faixa etária, a julgar pelo lançamento de The Promise – The Lost Sessions: Darkness on the Edge of Town. Ao permitir a recuperação de 21 gravações inéditas datadas da década de 70, o cantor e compositor norte-americano segue Bob Dylan (mais uma vez) e autoriza a gravadora Columbia a publicar material arquivado, daqueles que normalmente só viriam à tona após a morte do autor (e, portanto, à sua revelia pós-túmulo).
Depois da edição triunfante de Born to Run (1975), seu maior sucesso comercial e de crítica até então, Bruce entrou em litígio com um ex-empresário e ficou sem poder lançar qualquer gravação nos três anos seguintes. Continuou compondo e gravando no intervalo, e, segundo conta no encarte do “novo” álbum, acumulou material suficiente para quatro discos. Àquela época, a produção foi condensada num único LP de meras dez faixas, o belo e potente Darkness on the Edge of Town (1978).
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Maduro, Bruce explica no encarte que os três anos passados de molho foram de um jovem artista obcecado por provar ao mundo que não significava só mais uma “one hit wonder” – no nosso idioma, uma estrela de um sucesso só. Explica, ainda mais sinceramente, que era, nesse ínterim, um “homem jovem cheio de ambição” e um artista à procura de “poder, integridade e austeridade” – tudo aquilo que a sociedade norte-americana espera de seus “self-made men”, com a possível exceção do segundo item.
Reprodução

Com gravações inéditas, Springsteen tenta provar que não é um músico de só um sucesso
Isso tudo posto à mesa, examinemos o material que o jovem ambicioso e austero deixou pela estrada – e que o artista maduro permitiu vir à tona para demonstrar, quem sabe, facetas que poderia ter tido e não teve. Deixemos à parte duas canções não-inéditas (e brilhantes), uma entregue à coautora Patti Smith (o hit “Because the Night”) e outra remetida ao grupo soul-pop Pointer Sisters (“Fire”). Bruce as cantou em shows ao longo dos anos, mas as charmosas versões autorais originais estão aqui como eram em 1978.
O que resta desse garimpo é uma assustadora safra de canções românticas, algumas delas ingenuamente românticas – nada que se compare, portanto, à crônica dos desvalidos erigida em Born to Run e Darkness on the Edge of Town, menos ainda no avassalador Born in the U.S.A. (1984). Aqui e ali, as canções de amor de The Promise falam do “lado selvagem” (“One Way Street”), do “lado errado” (“Wrong Side of the Street”), de uma namorada que só sabe criticar o namorado (“Ain't Good Enough for You”).
Bem ao final do disco duplo resultante do baú, surgem três rocks mais ásperos. “City of Night”, “Breakaway” e a faixa-título constroem a narrativa dos “working class heroes”, os heróis operários marginalizados que Springsteen glorificaria e que Ronald Reagan roubaria para si quando Born in the U.S.A. se transtornasse no elogio triunfal do velho e irredutível “sonho americano”.
Para cá desses pontos fora da curva, a supressão do punhadão de canções melosas salvou Bruce Springsteen da irrelevância em que poderia ter caído caso as tivesse lançado. O Darkness on the Edge of Town que nasceu em 1978 não guardava nada desse romantismo açucarado e fora de moda em tempos de explosão do punk rock – ao contrário, era forrado de rocks fortes e pesado a exemplo da austero-religiosa Adam Raised a Cain, conservadora no texto e libertária na sonoridade.
O artista adulto que nos deixa conhecer, 30 anos mais tarde, o jovem que ele acabou não sendo é magnânimo a ponto de nos contar quem não foi, de expor as vísceras pra que cotejemos seu lado A com seu lado B. Mas a mensagem que ele deixa, além dessa, é a de que soube esconder muito bem suas fragilidades, à mesma medida que expunha fervorosamente suas manhosas fortalezas. Maduro, sim, e muito, muito, muito esperto.
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