Sábado, 6 de dezembro de 2025
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Na terça feira, 18 de maio de 2010, foi assinado o acordo nuclear entre o Brasil, a Turquia e o Irã, que dispensa maiores apresentações. E, como é sabido, 48 horas depois da assinatura, os Estados Unidos propuseram ao Conselho de Segurança da ONU uma nova rodada de sanções contra o Irã, junto com Inglaterra, França e Alemanha, e com o apoio discreto da China e da Rússia. Apesar da rapidez dos acontecimentos, já é possível decantar algumas verdades no meio da confusão:

1. A iniciativa diplomática do Brasil e da Turquia não foi uma “rebelião da periferia”, nem foi um desafio aberto ao poder norte-americano. Neste momento, os dois países são membros não-permanentes do Conselho de Segurança da ONU e, desde o início, contaram com o apoio e o estímulo de todos os seus cinco membros permanentes. Além disto, a diplomacia brasileira e turca manteve contato permanente com os governos destes países durante todo o processo das negociações. A Turquia pertence à Otan e abriga em seu território armas atômicas norte-americanas. A Secretária de Estado norte-americana declarou, na véspera do acordo. que se tratava da “última esperança” de solucionar de forma diplomática a “questão nuclear iraniana”. E, duas semanas antes da assinatura, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu carta de estímulo do próprio presidente Barack Obama.

2. O que provocou surpresa e irritação em alguns setores, portanto, não foram as negociações, nem os termos do acordo final, que já eram conhecidos. Foi o sucesso do presidente brasileiro, que todos consideravam impossível ou muito improvável. Sua mediação viabilizou o acordo, e ao mesmo tempo descalçou a proposta de sanções articulada pelo Departamento de Estado norte-americano depois de sucessivas concessões à Rússia e à China. E, além disto, criou uma nova realidade que agora já escapou ao controle dos EUA e seus aliados, e também do Brasil e da Turquia.

3. A reação norte-americana contra o acordo foi rápida e ágil, mas o preço que os EUA pagarão pela sua posição contra esta iniciativa pacifista será muito alto. Perdem autoridade moral dentro da ONU e perdem credibilidade entre os aliados do Oriente Médio – com a exceção de Israel, por razões óbvias. E agora, aconteça o que acontecer, o Brasil e a Turquia serão uma referência ética e pacifista em todos os desdobramentos futuros.

4. Existe consenso de que a estrutura de governança mundial estabelecida depois da Segunda Guerra Mundial e reformulada depois do fim da Guerra Fria não corresponde mais à configuração do poder mundial. Está em curso uma mudança na distribuição dos recursos do poder global, mas não se trata de um processo automático, e ela dependerá muito da capacidade estratégica e da ousadia dos governos envolvidos neste processo de transformação. O Oriente Médio faz parte da zona de segurança e interesse imediato da Turquia. Mas, no caso do Brasil, foi a primeira vez que interveio numa negociação longe de sua zona imediata de interesse regional, envolvendo uma agenda nuclear, e todas as grandes potências do mundo. A mensagem foi clara: o Brasil quer ser uma potencia global e usará sua influencia para ajudar a moldar o mundo além de suas fronteiras. E o sucesso do acordo já consagrou uma nova posição de autonomia do Brasil, com relação aos EUA, Inglaterra e França, e também, com relação aos países dos BRIC (com Rússia, Índia e China).

5. O acordo continuará sendo a melhor chance para prevenir um conflito militar em todo o Oriente Médio. As sanções em discussão são fracas, já foram diluídas, não são totalmente obrigatórias, e não atingirão a capacidade de resistência iraniana. Pelo contrário, se foram aprovadas e aplicadas, liberarão automaticamente o governo do Irã de qualquer controle ou restrição, diminuirão o controle norte-americana e da Aiea e acelerarão o programa nuclear iraniano, e aumentarão a probabilidade de um ataque israelense. Porque os EUA já estão envolvidos em duas guerras, e não é provável que a Otan assuma diretamente esta nova frente de batalha, a despeito do antiislamismo militante, dos atuais governos de direita de Alemanha, França e Itália.

6. Por fim, o jornal O Globo foi quem acertou em cheio ao prever – com perfeita lucidez -, na véspera do acordo, que o sucesso da mediação do presidente Lula com o Irã projetaria o Brasil definitivamente no cenário mundial. Isso de fato aconteceu, estabelecendo uma descontinuidade definitiva com relação à política externa do governo FHC, que foi, ao mesmo tempo, provinciana e deslumbrada, submissa aos juízos e decisões estratégicas das grandes potências.

Brasil-Irã: um acordo e seis verdades

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