Sábado, 6 de dezembro de 2025
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Quem acompanhou com atenção a convocação e os discursos dos atos pró-Bolsonaro do final de semana, notou que uma expressão foi se tornando estranhamente recorrente: “agora é tudo ou nada”. O uso da mesma expressão por diversos atores-chave do bolsonarismo em diferentes situações sugere que estamos diante de algo mais do que apenas desespero. O bolsonarismo deu início a uma operação coordenada de “tudo ou nada”.

Essa operação inclui mobilização social, pressão legislativa e comoção midiática, turbinadas pela prisão provocada por Jair Bolsonaro e seus filhos, em flagrante descumprimento das controversas medidas cautelares impostas por Alexandre de Moraes. Parece um movimento tresloucado mas é, na verdade, uma declaração de guerra. 

São Paulo (SP), 03/08/2025 - Apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro realizaram manifestação na avenida Paulista e em diversas cidades do país. Os atos foram convocados por aliados de Bolsonaro. <br> (Foto: Cadu Pinotti/Agência Brasil)

São Paulo (SP), 03/08/2025 – Apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro realizaram manifestação na avenida Paulista e em diversas cidades do país. Os atos foram convocados por aliados de Bolsonaro.
(Foto: Cadu Pinotti/Agência Brasil)

É um novo momento da ação coordenada entre a extrema-direita brasileira e o governo dos Estados Unidos, diante do aparente fracasso do ataque inicial de Trump, que sancionou o país inteiro em nome das anistias de Bolsonaro e das Big Techs americanas, que esbarravam no exercício da soberania.

O ataque pegou Lula num ótimo momento, já que seu governo se fortalecia depois de colocar na mesa uma agenda popular de taxação dos super ricos para isenção fiscal dos pobres, indo para cima do legislativo num raro lampejo de ambição. O resultado foi acima do esperado e, com a ajuda da inteligência artificial utilizada para a comunicação, o acerto da linha política fez o engajamento nas ruas e nas redes ganhar tração a ponto de avançar sobre as resistências do centrão, mover o governo para um novo lugar e inaugurar uma nova conjuntura.

Paralelamente, o bolsonarismo vivia talvez um dos seus piores momentos, humilhado pela performance patética de Bolsonaro diante de Moraes. O líder da extrema-direita parecia condenado, fraco, sem capacidade de reação. Nesse papel medíocre, passou a sentir o peso das deserções de aliados políticos próximos, Tarcísio à frente, e de apoiadores, antes fiéis, que não compareciam mais ao seu chamado para atos cada vez mais minguados. Na mídia, o tom contra Bolsonaro subia na mesma toada em que se ampliavam as articulações do grande capital para que a direita se unificasse, rápido, em torno de um nome alternativo. 

Nesse quadro, as sanções de Trump em nome do projeto individual de auto-salvação de Bolsonaro pareciam um tiro que saía pela culatra e o bolsonarismo ganhava ares de morto-vivo. Mas mostrando que de política eles entendem tanto quanto de golpe, os Bolsonaro, turbinados por Trump, foram de novo para o contra-ataque tentar fazer o bolsonarismo grande de novo.

A reação ficou evidente na quarta-feira passada, quando Trump flexibilizou o tarifaço mas, ao mesmo tempo, aumentou a pressão sobre Moraes, impondo-lhes sanções duríssimas via lei Magnitsky. De um lado, ficava claro que a motivação das tarifas era, sobretudo, política, e que Bolsonaro estava mesmo no centro da equação. O gesto de Trump deu força para a extrema-direita brasileira dobrar a aposta, chamando mobilizações de rua em todo o país, já cavando a prisão de Bolsonaro para colocar o Moraes ainda mais na mira. O sucesso relativo das manifestações de domingo e a comoção mais ou menos orquestrada à prisão domiciliar de Bolsonaro na segunda-feira foi a senha para o motim de terça no legislativo. 

A operação “tudo ou nada” seguia a todo o vapor quando Flávio Bolsonaro anunciou seus objetivos estratégicos: impeachment de Alexandre de Moraes e anistia ampla, geral e irrestrita que recoloque Bolsonaro no jogo político. O movimento mudou de qualidade: o que era uma operação para recuperar a iniciativa política tornou-se uma Declaração de Guerra chamada de “plano de paz”. Se bem sucedida implicará a rendição total do país à vontade da extrema-direita brasileira e americana.

Erraram os que não entenderam que a tentativa do governo americano de render o Brasil a uma condição neocolonial – abrindo mão da sua soberania no plano político e restringindo-se de vez à economia primário-exportadora no plano econômico – colocava no horizonte uma declaração de guerra. E não entenderam porque se acostumaram a ler o neoliberalismo com as lentes americanas, que filtram o quanto o dólar foi se tornando, desde 1979, um ativo quase militar e a economia, um terreno de manobras bélicas. 

A continuidade dessa guerra – que nada mais é do que uma tentativa de golpe coordenada desde fora do país  – vai depender basicamente do quanto a operação “tudo ou nada” fraturou a unidade interna que parecia haver na reação inicial do Brasil. São pontos críticos para acompanhar nas próximas horas: o apoio do STF a Moraes, o desdobramento das pressões do bolsonarismo sobre os presidentes da Câmara e do Senado, o destino dos flertes da direita tradicional e da mídia corporativa com o bolsonarismo e, especialmente, a capacidade de reação de Lula e do campo popular. A guerra está declarada e a situação está, neste momento, totalmente aberta.

(*) Maria Carlotto é professora de Sociologia e Relações Internacionais na Universidade Federal do ABC.