Quinta-feira, 18 de dezembro de 2025
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O californiano Ben Harper despontou em meados dos anos 1990 como híbrido de cantor, compositor e guitarrista de soul, funk, blues e reggae. Muitos personagens sobrevoaram sua cabeça (Jimi Hendrix, Bob Dylan, Curtis Mayfield), mas o jamaicano Bob Marley sempre pareceu o que mais se encaixava, sobretudo nos politizados álbuns Fight for Your Mind (1995) e The Will to Live (1997).

Divulgação



Capa do

Bob Marley morreu em 1981, aos 36 anos. Ben Harper tem hoje 41 anos, e acaba de lançar Give Till It’s Gone, o álbum de um homem que se olha no espelho e não se reconhece mais.

A afirmação não é exagerada. O próprio autor fala isso, em mais de um dos rocks ásperos de seu décimo trabalho de estúdio. Na faixa de abertura, Don’t Give Up on Me Now, por exemplo, a voz sempre sóbria e delicada pede que o espectador imaginário (ou real) não desista dele, entre afirmações fortes como “você não pode esperar sua vida inteira sem saber o que está esperando” e “eu nem conheço a mim mesmo”. “Preciso mudar, mas não sei como”, afirma, tão simples quanto direto.

 

Don't Give up on Me Now, faixa de abertura

“Ofereça, e ofereça, e ofereça, até acabar/ e então as pessoas que você mais combate dizem que você está errado”, continua em I Will Not Be Broken (Eu não serei ferido, em inglês).

“Cheguei longe demais para desistir”, canta, parecendo, como na maioria das faixas do CD, falar mais para si mesmo que para nós.

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Na terceira faixa, Rock n’Roll Is Free, Ben ensaia uma volta por cima. “Os mestres da convenção confiam que você nunca mude/ mas a lei da reinvenção sabe que nada fica do jeito que está”, diz, num esboço de declaração The times they’re a-changin, à moda de Dylan. A fé na liberdade do rock’n’roll, esse velhote conservador, parece trabalhar contra a vontade do artista.


Clearly Severely,


“Se doer, faça de novo”, pede a si próprio em Clearly Severely, desesperançado por constatações tipo “não tenho a menor ideia de como chegamos aqui”. Na prece quase-não-roqueira Pray That Our Love Sees the Dawn, reveza o drama do título com a poesia de versos quase políticos como “o silêncio é o martelo da traição” e bate-e-volta no beco sem saída: “Quis ser eu mesmo, mas esqueci como se faz”.

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O disco, como se percebe, é um compêndio de “pedidos de ajuda que ninguém escuta, como Ben descreve em Waiting on a Sign, (Esperando um sinal). É uma trilha sonora sob medida para qualquer pôr-do-sol deprê. Torna-se raro por flagrar um artista incomumente disposto a se afirmar sem saída ou perspectivas. 

Wikicommons

 


Contrasta com a juventude flamejante e essencialmente bélica das jovens estrelas do pop norte-americano, como evidencia a única menção à guerra em todo o disco (no disco novo de Lady Gaga, a impressão final é de que não há uma faixa que não fale de guerra), em Don’t Give Up on Me Now: “Não quero lutar/ não quero lutar a guerra de meu pai”.

Bob Marley está morto.

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Ben Harper se olha no espelho e já não se reconhece mais

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