O mundo está de olho nas terras raras do Brasil
Se o Brasil não transformar terras raras em alavanca de poder, corre o risco de exportar barato o que dá força aos outros
No dia 23 de julho de 2025, em Brasília, Gabriel Escobar, encarregado de negócios da embaixada dos Estados Unidos, se reuniu com dirigentes do Instituto Brasileiro de Mineração. Disse, sem rodeios, que os EUA querem acordos para garantir acesso a minerais críticos do Brasil — nióbio, lítio, terras raras, grafite, urânio. A fala aconteceu poucos dias depois de Donald Trump impor as propaladas tarifas de 50% sobre exportações brasileiras. A pressão veio primeiro, a conversa sobre “cooperação” depois. Mais um capítulo da novela.
Por coincidência — ou talvez não —, há algumas semanas fui atrás de informações sobre terras raras. Pouco sabia. Descobri que a raridade não está tanto na quantidade, mas na dificuldade de extração e refino. É um processo caro, poluente, que exige tecnologia que poucos países dominam. A China assumiu esse papel ao subsidiar mineração e construir cadeias industriais. Hoje concentra 70% da produção global (parte dela no Brasil) e quase 90% do processamento.

Cratera da mina de Chuquicamata, no Chile. (Foto: Selbst Fotografiert / Tennen-Gas / Wikimedia Commons)
O Brasil tem reservas que explicam o assédio. São cerca de 22 milhões de toneladas de terras raras, a segunda maior reserva do mundo, além do lítio no Vale do Jequitinhonha, nióbio em Minas Gerais e Goiás, urânio na Bahia e no Ceará. É o maior fornecedor de nióbio, segundo em grafite, terceiro em terras raras. Minerais que não têm substitutos reais em baterias, turbinas, semicondutores e sistemas de defesa. São a base da indústria que move energia, comunicação e guerra.
Como o Brasil estão Vietnã, Rússia (Sibéria e Ártico), Groenlândia (território dinamarquês), Madagascar, Tanzânia, Malawi e Congo. Cada um com suas particularidades, mas todos com reservas expressivas de minerais estratégicos ainda pouco exploradas. Deu para colar algumas peças desse quebra-cabeça, não?
Mas ter o minério não basta para transformar essa riqueza em poder. Esses países, apesar das diferenças entre si, se encontram na mesma posição: extraem pouco, refinam menos ainda e dependem de outros para transformar o recurso bruto em tecnologia e indústria. A China, que construiu essa hegemonia ao dominar mineração e refino, dita preços e ritmos. Os Estados Unidos, de outro lado, tentam quebrar esse domínio com tarifas, fundos e diplomacia. A fala de Escobar se insere nesse movimento: garantir fornecimento, reduzir a dependência chinesa e, se possível, redesenhar o equilíbrio de forças no setor.
O roteiro tem precedente. Na Ucrânia, em abril, Washington criou o Reconstruction Investment Fund. Sob a justificativa de reconstrução, empresas americanas receberam direitos sobre reservas de lítio, cobalto e terras raras avaliadas em trilhões de dólares. Kiev ficou com a dívida e os aliados com o acesso. O discurso foi de ajuda; o efeito, de controle.
Com o Brasil, a disputa ainda é comercial, mas a lógica se repete. Tarifas hoje podem virar moeda para negociar isenções em troca de fornecimento preferencial, refino nos Estados Unidos e alinhamento com a política de contenção à China. Tudo sob o pretexto de diversificação de fornecedores. É, no fundo, um jogo para reposicionar dependências e influências.
Esse embate entre Trump e o Brasil começa a mostrar uma camada que até agora ficava difusa. Não se resume a tarifas nem a gestos diplomáticos e delirios de milicianos. A disputa vai além: envolve quem terá a capacidade de controlar as cadeias que sustentam energia, tecnologia e poder militar nas próximas décadas. Trump usa as tarifas como ferramenta para puxar o Brasil para órbitas que garantam o abastecimento americano, enquanto a China, com anos de vantagem, mantém o domínio sobre o processamento e a indústria.
Se o governo brasileiro não transformar essas reservas em alavanca de poder — com refino, tecnologia e acordos que não o mantenham subordinado —, corre o risco de repetir a velha cena: exportar barato o que dá força aos outros e importar caro aquilo que poderia sustentar a própria autonomia. Slogans não constroem soberania. Como sempre os principais inimigos são a baixo autoestima o viralatismo, a traição, os EUA e os eternos inimigos internos.
(*) Ricardo Queiroz Pinheiro é bibliotecário, pesquisador e doutorando em Ciências Humanas e Sociais.























