Segunda-feira, 15 de dezembro de 2025
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So Beautiful or So What é o novo álbum de Paul Simon, ex-metade da dupla Simon & Garfunkel e um dos principais cancionistas norte-americanos, hoje com 69 anos. Como sempre, em se tratando do autor de The Sound of Silence (1964), Mrs. Robinson (1968), Bridge Over Troubled Water e The Boxer (1970), é música para os ouvidos de quem gosta de canção, daquelas com letra & melodia.

A habilidade de cerzir canções tem sido o trunfo de Paul Simon desde o início folk com Art Garfunkel. É uma qualidade que nunca cedeu ou esmoreceu, nem quando o artista foi mais exaltado devido às perturbadoras experiências que fez com a chamada world music nos álbuns de vocação afroamericana Graceland (1986) e The Rhythm of the Saints (1990, com participação dos brasileiros Olodum, Uakti e Milton Nascimento).

Divulgação



Capa do novo disco de Paul Simon

Em Graceland, por exemplo, as matadoras Homeless e Diamonds on the Soles of Her Shoes, ambas gravadas com o grupo sul-africano Ladysmith Black Mambazo, eram demonstrações cabais de que o ofício central de Simon sempre foi e nunca deixou de ser o de compor. “Homeless, homeless/ moonlight sleeping on a midnight lake”, dizia Homeless, e é melhor nem tentar traduzir.

Pois bem, as experiências com sintetizadores e sonoridades “esquisitas” (para padrões anglo-saxões) mantêm-se ativas em So Beautiful or So What, mas o cancionista fino, seco e quente é quem está de novo no primeiro plano. As sonoridades acolhedoras se apresentam já na faixa de abertura, Getting Ready for Christmas Day, uma curiosa experiência de canção pré-natalina, ou algo que o valha.



Getting Ready for Christmas Day, música de abertura do novo disco

O tema soa extemporâneo neste quase meio de ano (a canção foi inicialmente lançada como single, em novembro passado), mas é atemporal na ambiguidade que exerce. Simon resgata e sampleia sermão homônimo gravado em disco em 1941 pelo reverendo J.M. Gates (1884-1945), um pregador cristão e cantor gospel obcecado por pecados e punições, autor de gravações apocalípticas como Death’s Black Train Is Coming (1926). “Não apenas o carcereiro, mas o advogado e a força policial/ estão se preparando para o dia de Natal”, vocifera o reverendo entre os versos da canção, sem que saibamos exatamente onde o pregador pretendia chegar, onde o cantor pretende chegar.

Wikimedia Commons



O novo trabalho do cancionista mostra, em alguns trechos, uma faceta mais conservadora. 

Simon parece assimilar o reverendo em si, inclusive por influência musical, mas o céu fica nebuloso quando o narrador musical diz-se ansioso pela chegada do Natal ao mesmo tempo que recorda um sobrinho que está em sua terceira incursão na guerra do Iraque, “em algum topo de montanha no Paquistão”. Há o que comemorar neste Natal (qual Natal?), em qualquer Natal? Simon parece dizer que sim, Simon parece dizer que não.

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Um lado religioso-conservador sobressai em temas como Getting Ready for Christmas Day, Love Is Eternal Sacred Life e a faixa-título, mas mesmo quando é assim a ironia continua sendo pedra-de-toque do compositor. O bom momento, nesse caso, é The Afterlife, em que o narrador especula sobre a própria morte – e o pós-morte – e se vê, morto, preenchendo formulários e aguardando em filas. Há vida após a morte, parece dizer Simon. Se a vida é cheia de filas e formulários, por que a morte não o seria?, parece indagar Simon.



Ensaio de Afterlife



Para lá do campo religioso-atormentado, música (triste) para os ouvidos aparece no campo atormentado-profano, quando o autor volta a Homeless e se dedica a acalentar os desvalidos que os Estados Unidos preferem varrer sempre para baixo do tapete. É o que acontece n balada Questions for the Angels (“quem acredita em anjos?/ eu acredito”, afirma o refrão, ainda religioso). Assim começa a letra: “Um peregrino atravessou em romaria a ponte do Brooklyn/ seus tênis rasgados/ na hora em que os sem-teto movem seus cobertores de papelão/ e um dia novo nasce” – é, é melhor não tentar traduzir Paul Simon…

Se a ponte do Brooklyn é o teto de quem cantou lindamente sua própria America em 1968, com Garfunkel, a pergunta feita pelo andarilho de Question for the Angels pode ser a pergunta do compositor-cancionista Paul Simon para si mesmo: “Quem sou eu neste mundo solitário?”, “who am I in this lonely world?/ and where will I make my bed tonight?”. São perguntas que Paul Simon parece responder, que Paul simon parece não responder.

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As perguntas e respostas de Paul Simon

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