Quinta-feira, 25 de dezembro de 2025
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“Um bilhão de pessoas estão na miséria plena. É a tragédia da civilização”. A frase é do professor e economista Ladislau Dowbor, dita nesta terça-feira (14/02) em palestra na reunião do Comitê Paulista para a Rio+20. Segundo ele, o grau de desigualdade no mundo está atingindo limites insuportáveis. “É o saco cheio planetário.”

Mas, para o professor Dowbor, a extrema desigualdade não está acontecendo por falta de recursos do planeta. A produção atual de grãos, diz ele, abasteceria com 800 gramas diárias cada habitante da Terra. Apesar disso, morrem de fome 10 a 11 milhões de crianças por ano.

“Se a gente dividir o PIB mundial, que contabiliza 60 trilhões de dólares, pelas sete bilhões de pessoas, teríamos uma rendaper capita de mais de 8 mil dólares.” Com tanto esfomeado no mundo, esse dinheiro está na mão de quem? Para o professor Dowbor, está nas mãos das organizações econômicas globais.

O gráfico do desempenho da economia nos últimos trinta anos, segundo o professor Dowbor, tem quatro grandes linhas: a dos salários, que permaneceu estável, a da produtividade, que cresceu a 30 graus, mais ou menos, a dos lucros, que empinou pelo menos 60 graus, e a dos lucros financeiros, que disparou na vertical.

O professor Dowbor cita um exemplo de lucro do mercado financeiro: “Vocês viram o lucro do Itaú em 2011? Superou o orçamento do programa bolsa família”. Em seguida, dá uma aula de como o dinheiro se multiplica na ciranda financeira internacional com um exemplo cristalino: o Lehman Brothers tinha uma alavancagem de 36 para 1, isto é, para cada dólar que ele tinha, ele emprestou 36.

O pior é que os governos são os intermediários dessa tragédia. “Vou explicar para vocês rapidamente o que está acontecendo na Europa, agora. O Banco Central Europeu repassou dinheiro para os bancos a 1% de juros, para que eles não quebrassem, e agora os bancos estão emprestando esse dinheiro para a Espanha a 6%. Grande negócio”, observa Dowbor.

Citando dados do estudo Rede do poder das corporações mundiais, realizado pelo Instituto ETH, da Suíça, o professor alerta para a questão da governança mundial. Atualmente, 737 grupos econômicos controlam 80% do PIB global. O núcleo desse poder está nas mãos de 147 grupos, com 40% de toda riqueza produzida. E um agravante: 75% desses 147 concentram seus recursos no mercado financeiro.

Outro ponto de estrangulamento para a sustentabilidade do planeta, de acordo com o economista da PUC, é a questão da democratização do conhecimento. Para dar uma ideia do peso da tecnologia na economia atual, ele estima que pelo menos 95% do preço de um celular de última geração corresponde ao valor do conhecimento. A mão de obra e o material empregados ficam com os 5% restantes. Para a sustentabilidade, esta é uma questão vital, diz ele. Em sua opinião, é preciso que as tecnologias limpas sejam livres de patentes, ou não será possível chegar a uma economia verde, como querem os organizadores da Rio+20.

Por fim, as crises econômica e ambiental globais, na opinião de Ladislau Dowbor, exigirão o fortalecimento do poder local. Uma coisa que já vem acontecendo em muitas cidades do mundo. Na Espanha, algumas já voltaram a utilizar as pesetas, o antigo dinheiro nacional, no comércio local, como forma de fugir da crise do euro. A prática tende a se expandir e já se calcula que pelo menos 1,7 bilhão de euros pode voltar a circular em pesetas, no país.

Para o professor, há fortes bases políticas para o fortalecimento dos governos locais, abrindo um espaço colaborativo na sociedade. Ele acredita que cada vez mais será necessário que as comunidades decidam sobre a forma como serão geridos os recursos naturais locais. Passa por aí a solução de dilemas como o de Belo Monte, ou como o desmatamento da Amazônia, que é provocado pelo tripé da exploração madeireira, agrícola e pecuária, controlado por grandes grupos econômicos mundiais.

Para a perspectiva da Rio+20, uma conferência que estabelece como foco a sustentabilidade ambiental e a inclusão social, a palestra de Dowbor representa o caminho das pedras. Seu raciocínio leva à conclusão de que será preciso: (1) promover a distribuição de riquezas; (2) estabelecer uma nova governança global; (3) regular o mercado financeiro; (4) democratizar o conhecimento; e (5) fortalecer o poder local, para que a nossa civilização se salve de uma catástrofe.

Um detalhe: o professor Dowbor não é um grande otimista quando fala das perspectivas dos acordos globais capitaneados pela ONU. Para ele, a partir do fortalecimento do poder local, é mais fácil chegar a um acordo direto entre nações, ou grupos de nações, do que esperar um consenso global. A partir desta ótica, o que esperar da Rio+20?

*Celso Dobes Bacarji é jornalista e atua na área ambiental.

*Publicado originalmente no site Carbono Brasil.

Talvez seja mais fácil chegar a um acordo direto entre nações, ou grupos de nações, do que esperar um consenso global.

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