Primeiro em Londres e depois na Irlanda – onde experimentou contrastes –, o ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair resolveu publicar suas memórias, em uma operação de mídia que lhe dará uma elevada soma em dinheiro (que, segundo declarou, será destinado a uma organização humanitária). A versão original inglesa do livro já está circulando e prestes a ser publicada em 12 idiomas.
Segundo as resenhas da obra que li na imprensa internacional, não me parece que as memórias de Blair tenham algum interesse. Se deixarmos de lado as críticas ao seu ministro da Economia e sucessor, Gordon Brown, que aos olhos das pessoas sensatas não o deixam bem, não creio que tenham alguma novidade. Por isso, não tenho a intenção de lê-las. De fato, me basta saber pelas resenhas que Blair elogia o ex-presidente George W. Bush e o exalta como um estadista inteligente e patriota, que não se arrepende da invasão do Iraque e que não aceita ter cometido erros.
Recentemente, o diário parisiense Le Monde publicou uma entrevista com Blair que ocupou toda uma página. Dei-me ao trabalho de ler e tampouco ali havia uma única ideia nova ou digna de menção. Nota-se que, no fundo, só o que lhe interessa é sua pessoa e a grande importância que se atribui, embora suponho que a história não o reconhecerá.
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Conheci Tony Blair casualmente, em um congresso em Paris, no qual o ex-primeiro-ministro de Portugal Antonio Guterres foi eleito presidente da Internacional Socialista para o período 1999-2005. Trocamos apenas meia dúzia de palavras. Pessoalmente me pareceu simpático, embora superficial. Mas não apreciei nada do que disse em seu discurso e fiquei convencido de que, de socialista (ou trabalhista, se preferir) Blair não tinha nada.
A chamada “terceira via” que inspirou o governo de Blair – de maio de 1997 a junho de 2007 – foi uma forma grosseira de induzir os partidos socialistas europeus a fazerem uma versão do neoliberalismo norte-americano. Alguns deles foram verdadeiramente “colonizados” por essa ideologia. Ele sempre se declarou pró-europeu, mas me parece que foi um atento vassalo dos norte-americanos. Blair foi primeiro-ministro durante uma década e ganhou três eleições, o que é fora do comum do Reino Unido. Agora, com 57 anos, nota-se que sente imensa nostalgia do poder. Na entrevista ao Le Monde admitiu que ficou chateado não ter sido eleito presidente da União Europeia em lugar do belga Herman Van Rompuy. Felizmente isso não aconteceu.
É, desde 2007, Enviado Especial para o Oriente Médio e embora ninguém note que tenha conseguido algo nessa atormentada região, ele agora se mostra otimista. Afirma que o mundo – e nisto tem razão – está em um período de acelerada mutação e que o futuro do Ocidente depende de adaptar-se às mudanças se não quiser ficar definitivamente para trás. Durante séculos, Europa e Estados Unidos dominaram o resto do planeta, mas agora chegou a vez do Oriente. Por isso, nosso autor preconiza uma entente franco-britânica nos planos econômico, político e militar, mas, acrescenta, em um contexto europeu, para não criar o receio da chanceler alemã, Angela Merkel. Estranha proposta, vindo de Blair.
O homem está riquíssimo, segundo confirmou aos seus entrevistadores. Viaja pelo mundo inteiro. É consultor de importantes empresas, bancos, companhias de seguros. Mas, como bom católico (convertido) dedica “três quartos de seu tempo à benemerência”. Encanta-lhe o serviço público e agrada-lhe o retorno à política. Não creio que o consiga. A guerra do Iraque – e tudo o mais – é um estigma que jamais se apagará.
* Mário Soares é ex-presidente e ex-primeiro-ministro de Portugal. Artigo originalmente publicado na agência Envolverde.
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