Sábado, 6 de dezembro de 2025
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No invólucro dos CDs, uma etiqueta pomposa avisa: trata-se de uma “edição especial autorizada pela família de (Jimi) Hendrix”. De acordo com a publicidade de capa, os discos foram “remasterizados digitalmente a partir dos tapes originais” e contêm “arte original completa, libreto com 36 páginas com fotos raras e novos textos”, “DVD bônus com making of e documentário” e “conteúdo bônus exclusivo de Jimi Hendrix”.

É um cardápio completo para enlouquecer colecionadores e realimentar o mito do cantor, compositor e guitarrista norte-americano morto cedo demais, em 1970, aos 27 anos. A filial brasileira da Sony Music, que não costuma fazer esforços parecidos por seus artistas locais, reedita por aqui, na íntegra, o material enviado da matriz norte-americana.

Aberto o invólucro, as maravilhas são um pouco mais banais do que os anúncios propagandeiam. Com durações entre 12 e 17 minutos, os documentários em DVD que acompanham os três álbuns gravados pela Jimi Hendrix Experience somam fotos de época e depoimentos dos remanescentes da banda, mais focalizados em aspectos técnicos que em reconstituição histórica ou contextualização. Os textos e fotos de encarte, do mesmo modo, são mais estardalhaço que para substância. No geral, os artifícios exibidos na etiqueta estão mais para iscas atiradas a peixes-consumidores que para trabalhos cuidadosos, “especiais” ou amorosamente “autorizados” pela família de Hendrix.

A família de Hendrix, por sinal, é capítulo à parte, e dos mais periclitantes. Em reedições anteriores do clássico Electric Ladyland (1968), haviam interditado uma das duas capas originais imaginadas para o álbum, a mais controversa, aquela que mostra, numa das imagens mais emblemáticas da história do rock, um grupo de mulheres completamente nuas posando entre fotos do ídolo. A família argumentava que Jimi não aprovava a capa, mas curiosamente ela está de volta nesta edição, embora escondida nas páginas 24 e 25 do encarte.

É difícil acompanhar os vaivéns dos cuidados dos herdeiros, pois não existe um histórico de respeito dos familiares por Jimi, nem enquanto ele estava vivo, menos ainda depois que morreu – e se transformou numa mina inesgotável de barras de ouro e notas de dólar. Lançada no Brasil em 2007, a biografia A Dramática História de uma Lenda do Rock (Jorge Zahar, 2007), da jornalista Sharon Lawrence, pinta um retrato dos mais tenebrosos da curta vida do astro e dos que o rodearam. A autora, que foi próxima de Hendrix entre 1967 e 1970, documenta uma infância de abandono familiar, uma juventude desgastada por produtores musicais mafiosos e contas em paraísos fiscais, os anos finais mergulhado num séquito vampiresco de fãs e fornecedores de drogas.

Sharon tenta edulcorar a história como pode, e prefere descrever o herói em si como vítima indefesa de um círculo monstruoso de exploradores – dado o trajeto de abandono e abuso vivido por ele, a hipótese não chega a ser implausível, mas ao mesmo tempo soa por demais como conto de fadas dividido cartesianamente entre o “bem” e o “mal”.

Velha moda

De todo modo, são chocantes relatos como o de que o pai de Jimi o pressionou a fazer um testamento e incluí-lo como beneficiário, apenas dois meses antes de o filho morrer de overdose de barbitúricos. Rei morto, rei posto, o livro passa a descrever a série interminável (e de detalhes grotescos) de disputas judiciais entre seus familiares, pelo espólio milionário do gênio. E são esses que enchem os bolsos de dinheiro quando acessamos, à velha moda, a “edição especial autorizada pela família de Hendrix”.

Histórias como essas são tragicamente corriqueiras, e demonstram que a arte costuma ser bem mais bela que os artistas que a produzem – e mais belas ainda que seus pais, filhos, herdeiros, produtores, gravadoras, fãs e consumidores. Michael Jackson que o diga.

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As maravilhas banais da família de Jimi Hendrix

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