Quarta-feira, 17 de dezembro de 2025
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Os venezuelanos estão aprendendo a viver sem a presença de Hugo Chávez. Todos sentem sua falta: os bolivarianos e a oposição, igualmente. Porque a política na Venezuela tem girado nos últimos treze anos em torno de sua figura. Enquanto isso, Chávez segue em Cuba, depois de se submeter a uma cirurgia de urgência para a retirada de um abcesso na pélvis, mas sem que se conheça publicamente o diagnóstico preciso da saúde do presidente venezuelano.

Nos questionamentos diários pergunta-se quem sucederá o líder caso seu estado de saúde piore (o vice-presidente Elias Jaua?); a confirmação do ato de constituição da Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos, marcado para o dia 5 de julho em Caracas; e o cronograma das eleições do ano que vem para renovar os mandatos da Presidência e dos governadores.

 

Os opositores veem sua razão de existir em função do que o Chávez diz, decreta, opina, expropria, canta, declama ou relata. Todas as mudanças que se sucedem são, sem dúvida, culpa de Chávez. Aqueles que se mostraram dispostos a chegar ao “assassinato do mico”, agora exigem seu retorno imediato.

Por outro lado, todas as esperanças da massa chavista estão depositadas no líder e, lamentavelmente, não há ninguém com credibilidade suficiente e carisma que possa chegar com uma mensagem confortante. Nunca tantos venezuelanos se viram tão desamparados, tão perdidos e diante de um enorme ponto de interrogação.

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Nas últimas duas semanas, por razão da ausência do presidente, mensagens, rumores, fofocas e histórias das mais inverossímeis circularam por meios de comunicação formais e informais, que vão desde rádios independentes ao Twitter.

Os adversários estão morrendo de vontade de que Chávez deixe o poder, seja pelos votos ou de outra forma. Mas basta que restem apenas alguns dias para seu tradicional discurso que eles já sentem sua falta. Há anos a oposição se pauta pelas falas e feitos de Chávez, como se esta fosse a única razão para sua existência. Não existem planos alternativos, propostas ou um novo projeto de país.

O chanceler venezuelano Nicolás Maduro disse que o presidente Hugo Chávez está “no comando” de seu governo e que está lutando por sua vida, em referência ao estado de saúde, o que, por muitos, foi interpretado como se Chávez estivesse com uma doença terminal. “A batalha que Chávez está enfrentando por sua saúde tem que ser a batalha de todos, a batalha pela vida, pelo futuro imediato da nossa pátria. Isso é o que podemos transmitir aos nossos compatriotas”, disse Maduro.

“A direita nacional e internacional estão enlouquecidas, estão esfregando as mãos falando sobre a morte do presidente. Estão como em 11 de abril de 2002. Nós os recordamos aqui, que depois de todo 11 de abril, há um 13 de abril e que ainda teremos Chávez por um tempo”, disse o vice-presidente Elías Jaua.

 

O silêncio dos inocentes

 

Nos últimos dois meses, uma série de controvérsias abalou as linhas bolivarianas. Alguns fatos, porém, ainda não se cicatrizaram e tem enfrentado fortes críticas dos intelectuais esquerdistas da Venezuela e toda a América Latina, com tons de desqualificação e censura, como a deportação do colombiano Joaquín Pérez Becerra, diretor da agência Anncol, e a detenção, em Barinas, do comandante Julián Conrado, membro das FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia). Inclusive, alguns apoiadores das entregas preferiram confundir solidariedade internacional com ingerência dos assuntos internos.

O sociólogo Javier Biardeau, ao defender as vozes críticas, afirma que isso acontece não apenas no caso mencionado, mas também com milhões de casos que traduzem a decomposição da revolução bolivariana e sua regressão. “Sem vozes críticas, não abrirá nem uma 3R [lista de princípios chavistas: revisão, retificação e reimpulso] nem um milhão de Rs. Basta dar um pequeno passo: retificar”, disse.

O chavista CTR (Coletivo de Trabalhadores em Revolução) diz que aqueles que cedem à batalha socialista pela tecno-burocracia e pelo capital estão condenados a pagar pelo silêncio dos inocentes por não se deixarem “ser cooptados, dirigidos ou apadrinhados por setores da cúpula do partido e/ou pelo governo, que é quase a mesma coisa. A ideia é esconder a todo custo as falhas, irregularidades, traições que esta nova casta de privilegiados e pequenos burgueses comentem todos os dias contra os alinhamentos da revolução bolivariana, contra o presidente Chávez e contra o povo chavista”.

 

Além disso, os trabalhadores definem que “eles são o oficialismo, nós o chavismo; eles são privilegiados, nós somos os excluídos; eles exercem o poder utilizando chantagens morais e psicológicas. Nós, construindo e fortalecendo nossas organizações na batalha entre o capital e o trabalho, com ações diárias de mobilização. O silêncio dos inocentes é um estigma que nos é apresentado quando não há espaço para debates, discussões e construção coletiva, ou simplesmente de resolução de conflitos”.

Acrescentam ainda que o funcionamento baseia-se em ordens estritas de tornar invisíveis, não divulgar, publicar ou entrevistar nos meios do Estado aqueles que defendem os direitos dos trabalhadores, o processo revolucionário. “Não é conveniente para eles porque somos críticos, somos uma ameaça para a tecno-burocracia e para os privilégios dos pequenos burgueses”.

Segundo o CTR, o silêncio dos inocentes funciona ““como um assassinato moral, como terrorismo psicológico e chantagens para calar os que lutam, para silenciar os que denunciam a corrupção, a má gestão, para acabar com nosso crescimento ético e moral, porque somos coerentes com o que dizemos e fazemos”.

Wikileaks destrincha  a oposição

Esta foi a vez da revista colombiana Semana divulgar um despacho revelado pelo Wikileaks. Anteriormente, o jornal espanhol El Pais deixou o presidente do maior partido de oposição, Acción Democrática, Henry Ramos Allup, em uma situação bastante complicada.

Desta vez, o despacho denuncia que o deputado Ismael García, do partido Podemos, junto com outros dirigentes, como Juan José Molina y Ricardo Gutiérrez, se reuniram com o embaixador dos EUA, Patrick Duddy, para pedir financiamento por meio da NED (Nacional Endowment for Democracy) e outros fundos do governo estadunidense.

“Este é o momento de começar”, disse García a Duddy, quando este comentou, em setembro de 2009, que Washington não interviria nos assuntos da Venezuela. Na época, o Podemos, com seis deputados, era a única força oposicionista na Assembleia Nacional. O partido separou-se do chavismo em 2007. Garcia, por sua vez, justificava a solicitação de financiamento – que tinham como intuito a criação de uma emissora de rádio e outra de televisão – pelos possíveis riscos que os interesses norte-americanos corriam com a presença de Cuba e Irã no país.

Na Venezuela, ninguém duvidou da veracidade do despacho. O que se estranha é o fato ter ocorrido quando a Mesa de Unidade Democrática, que tenta integrar a oposição, debate suas candidaturas internas e trata da derrubada de personagens que poderiam impedir uma solução unitária.

Em outro despacho vazado pelo Wikileaks, foi revelado que o Papa João Paulo II ordenou que os sacerdotes venezuelanos se abstivessem de participar dos esforços para derrubar Chávez depois de quase dez anos. Entretanto,  a hierarquia católica venezuelana o desafiou com o estímulo do governo do então presidente dos EUA, George W. Bush.

Documentos do Departamento de Estado indicam que funcionários da igreja no Vaticano informaram a diplomáticos estadunidenses sobre as preocupações do Papa, mas reconheceram que os bispos católicos do país provavelmente ignorariam as ordens, já que, como se demonstrou sem seguida, estavam envolvidos no golpe de Estado e na sabotagem petrolífera.

Dentro da oposição se segue buscando um candidato de unidade – diante da proximidade das eleições nacionais em fevereiro do ano que vem –, mas também se aponta que não basta criticar o governo. Para chegar ao poder, a oposição deve apresentar um projeto político-econômico alternativo ao atual, porque apenas esperar um suicídio político do governo faz o eleitor pensar, com razão, que a oposição não tem nada de novo para apresentar.

Agora, dirigentes da oposição trabalham no consenso de não apressar os passos: se Chávez não puder reintegrar parcial ou integralmente o mandato, o vice-presidente assumirá o cargo. O medo é que, e Chávez não se candidatar em 2012, a possibilidade de unidade da oposição acabe.

Aram Aharonian é jornalista e diretor da revista Question. Um dos fundadores da rede de notícias TeleSur, é também diretor do ULAC (Observatório Latino-americano de Comunicação e Democracia).

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Aprendendo a sobre(viver) sem Hugo

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