Ao derrubar taxação BBB, Câmara dos Deputados mostra de que lado está
Ao barrar a taxação BBB, deputados protegem bancos e bilionários — e sabotam a justiça social
A maioria da Câmara dos Deputados mostrou mais uma vez, no último dia 8, de que lado está: do lado dos muito ricos, do pequeno grupo de privilegiados que acumulam fortunas, dos que vivem do rentismo, dos que se alimentam da injustiça tributária, dos que pagam menos impostos que os milhões de brasileiros assalariados. Ao retirarem de pauta e deixar caducar a Medida Provisória (MP) 1303 – que alterava a arrecadação de alguns impostos, ampliava a tributação sobre aplicações financeiras e ativos virtuais, e incluía o Pé-de-Meia no piso de educação, entre outras medidas – os 251 deputados não impuseram uma derrota ao governo, ao presidente Lula ou ao ministro Fernando Haddad. Eles fizeram pior, pois derrotaram os brasileiros em favor dos muitos ricos, ignoraram as necessidades de um país que precisa dos programas sociais para fazer a diferença na vida dos mais pobres. Por oportunismo, insensibilidade social e objetivos meramente eleitorais, limitaram ainda mais os gastos do governo, numa tentativa evidente de aprisioná-lo até 2026.
À custa da sustentação de uma injustiça e do desprezo ao bolso dos brasileiros, evitar a taxação BBB (Bets, Bancos e Bilionários) é uma forma de tentar conter a melhora da popularidade do governo e do presidente Lula. Não surpreende, mas choca.

A derrubada da MP é gravíssima e custará caro ao Brasil nos próximos meses. Mas manter a atual correlação de forças políticas e ideológicas deste Congresso poderá custar ainda mais. (Foto: Kayo Magalhães / Câmara dos Deputados)
Como lembrou o ministro Haddad, o texto que estava na Casa era fruto de um acordo, celebrado por meio de concessões mútuas (como assim funcionam as democracias) que levaria o Brasil a um fechamento de ciclo com sustentabilidade social e econômica. Não era o acordo o texto ideal, especialmente ao manter as isenções tributárias de títulos como as LCAs (Letra de Crédito do Agronegócio) e LCIs (Letra de Crédito Imobiliário), na prática um subsídio que acaba não direcionado a financiar agricultura, e sim um modo de fugir da tributação – geram atratividade para os títulos isentos e esvaziam investimentos em setores não contemplados.
Apesar disso, o texto previa aumento da arrecadação fazendo o que é certo para um governo que trabalha por justiça tributária: depois de aprovada a isenção do IR para quem ganha até R$ 5 mil e a reduzir a carga tributária para que ganha até R$ 7,3 mil, medidas fundamentais para mudar a vida dos trabalhadores do País, a MP 1303 cobrava mais impostos de quem pode mais. É simples assim: taxar quem ganha muito e paga pouco. Afinal, é desse modo que se faz justiça.
Mas o Congresso não pensa da mesma forma. O efeito, segundo técnicos da área econômica, é causar um bloqueio nas despesas deste ano e obrigar um ajuste de R$ 35 bilhões no PLOA (Projeto de Lei Orçamentária Anual) de 2026. Restringir o espaço fiscal do governo Lula no ano que vem era justamente o objetivo dos partidos do Centrão e da bancada ruralista, mesmo que o país pague o preço de distorções históricas. E não vai demorar para que os porta-vozes habituais da Faria Lima, do Centrão, da bancada ruralista e da direita repitam a cantilena de sempre sobre responsabilidade fiscal, redução de gastos públicos e diminuição do Estado e dos programas sociais. Vale tudo para manter os privilégios e impedir a reeleição do presidente Lula.
É o mesmo time que trabalha para proteger Jair Bolsonaro e os golpistas e que agora despreza o dinheiro dos brasileiros – os mais pobres e as classes médias, claro. Não é apenas pobreza de espírito, como bem definiu o presidente, ou sabotagem, como disseram algumas lideranças do PT, todos com razão. Mas é mais do que isso: é uma união de esforços tanto para sustentar privilégios de quem paga poucos impostos como para provocar um pânico fiscal no País. Nada é por acaso, já que o trabalho se deu na mesma semana em que uma nova pesquisa da Quaest indicava que, em cinco meses, o saldo negativo na avaliação do governo despencou notáveis 16 pontos, numa recuperação que ocorre em todas as faixas de renda.
Dessa turma assustada com seus dividendos (financeiros, políticos e eleitorais), é inegável o papel decisivo do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, que teve a desfaçatez de trabalhar contra a MP e contra os trabalhadores, assediando deputados na caradura. E ainda, de maneira acintosa, tentou convencer o público de que não tinha nada a ver com isso, e que estava “ocupado” trabalhando na administração de São Paulo. Sua narrativa de moderado e equidistante, porém, foi desautorizada pelo agradecimento público de um aliado insuspeito, o líder do PL, deputado Sóstenes Cavalcante. Ao comemorar o enterro da MP, o bolsonarista agradeceu o empenho de Tarcísio: “Eu quero agradecer a alguns governadores que trabalharam muito esta noite. Governador Tarcísio. do Estado de São Paulo, que inclusive já foi atacado na outra tribuna porque começam a se preocupar com o Tarcísio. É o principal Estado do país; o Estado (sic) que ele vem enfrentando o crime organizado como poucos governadores. Governador Tarcísio, receba, do alto da tribuna da Câmara dos Deputados, o nosso reconhecimento, a nossa gratidão, por todo o seu empenho. Você tem sido um gigante no diálogo com os presidentes de partidos de centro”. Mais transparente, impossível. Tarcísio entende bem de proteger a Faria Lima e de sabotar quem não é rico.
Percebendo o mal-estar que gerou ao governador, o deputado Sóstenes Cavalcante tentou desfazer o erro no dia seguinte. Afirmou que cometeu um “lapso de memória” em seu discurso no plenário ao agradecer apenas a Tarcísio. Disse que “esqueceu” de citar os demais governadores que atuaram na articulação, Ratinho Júnior e Ronaldo Caiado. Acredita quem quer.
Quando os brasileiros foram às ruas em setembro protestar contra a chamada PEC da Blindagem e contra o projeto de anistia, deixaram muito claro o tamanho da insatisfação com este Congresso. É evidente o cansaço de quem se sente desprezado pela maioria dos seus representantes, e que deseja ver um Brasil mais justo, com dinheiro público ajudando a melhorar a vida das pessoas, e não servindo a uns poucos privilegiados. Para ver algo diferente, não há alternativa senão trocar a composição do Congresso no ano que vem, escolhendo lideranças capazes de atender a esses clamores. É uma oportunidade única, ou enfrentaremos mais quatro anos de dissabores, dificuldades constantes e sabotagens contra a necessária superação dessas injustiças. A tarefa passa, por óbvio, também por evitar aquilo que Tarcísio e demais governadores da direita querem esconder: que são candidatos de bilionários, de privilegiados e de golpistas.
A derrubada da MP é gravíssima e custará caro ao Brasil nos próximos meses. Mas manter a atual correlação de forças políticas e ideológicas deste Congresso poderá custar ainda mais.
(*) José Dirceu foi ministro-chefe da Casa Civil no primeiro governo Lula (2003-2005), presidente nacional do Partido dos Trabalhadores e deputado federal por São Paulo.























