“África” nem sempre se chamou assim
África é um continente com 54 países, mais de 2 mil línguas e 1.3 bilhão de histórias, e reduzir tudo isso a um nome colonial não é ignorância, é projeto
O nome “África” foi imposto pelos romanos por volta de 146 a.C., depois que eles derrotaram Cartago. Eles chamaram uma região específica de “África Proconsularis” – e não o continente inteiro.
Muito antes disso, o continente já tinha nomes próprios, dados pelos próprios povos que viviam ali. Nomes como Alkebulan, que significa “Mãe da Humanidade”, Af-Rui-Ka, “Abertura da Alma”, além de referências a reinos como Kemet, Zanj, Ta-Seti e Abyssínia, o antigo nome da Etiópia.
A verdade é que África não foi “descoberta”, foi renomeada.
Os colonizadores rebatizaram os rios, os reinos e até o povo. O rio Congo, por exemplo, era chamado de Nzádi pelos locais. E o Reino de Essuatíni foi imposto como “Suazilândia”, até ser retomado recentemente.
Até o nome do continente é um resíduo colonial. E o mais grave? Nenhuma dessas versões do nome “África” tem origem nas tradições orais africanas. Isso importa porque cada nome apagado é uma história, uma identidade, uma memória perdida sob o peso da colonização. África é um continente com 54 países, mais de 2 mil línguas e 1.3 bilhão de histórias. Reduzir tudo isso a um nome colonial não é ignorância. É projeto.

Nossa base segue sendo um ensino eurocêntrico sobre África
(Foto: Kamboo19 / Wikimedia Commons)
Em geral, tais nuances fogem das possibilidades de ensino sobre África, majoritariamente porque nossa base segue sendo um ensino eurocêntrico. Nem os maiores entusiastas da aplicação das Leis 10.639/03 e 11.645/08 podem se orgulhar de propor um ensino decolonial do continente que questione profundamente os signos do colonizador a ponto de promover uma releitura completa, inclusive do nome dado ao continente.
Nossas limitações seguem apresentando África a partir da perspectiva do colonizador, utilizando seus signos e seus significados. Antônio Bispo dos Santos já nos situou quanto à “guerra das denominações”, que consiste numa estratégia essencial da dominação colonial, na medida em que o colonizador nomeia, e o colonizado aceita passivamente tais nomeações.
Sankofa, um importante adinkra Akan, nos mostra o desenho de um pássaro, que caminha para o futuro sem deixar de olhar para o passado, alertando para o fato de que devemos aprender com o passado, caso queiramos de fato seguir em direção a um futuro verdadeiramente justo e plural.
Comecemos pelo nome das coisas. África pode estar incluso, mas, como o próprio Bispo uma vez me ensinou, a própria ideia de “desenvolvimento”, enquanto conceito fundamental para a dominação imperialista do capitalismo, propõe justamente nos “des-envolver”, não só economicamente falando, mas epistemologicamente falando também. Se não nos envolvermos profundamente com nosso passado, como poderemos aspirar construirmos nosso próprio futuro, com nossas próprias mãos?
(*) João Raphael (Afroliterato) é escritor, professor e mestre em educação pela UFRJ. É apresentador do programa “E aí, professor?” do Canal Futura.























