Sábado, 6 de dezembro de 2025
APOIE
Menu

Com a inauguração do gasoduto entre China e Turcomenistão, houve a primeira quebra significativa do monopólio de transporte russo da energia produzida nos países da ex-União Soviética. Outras iniciativas, tais como o gasoduto Nabucco, também ameaçam a hegemonia russa na região e redimensionam o mapa energético mundial, além de submeter Moscou a novos posicionamentos na diplomacia dos gasodutos a fim de não perder espaços de poder.

Essa comunicação busca traçar algumas considerações sobre os últimos desdobramentos das estratégias russas com vistas a assegurar o lugar privilegiado como intermediário entre as regiões produtoras da Ásia central e os mercados consumidores europeus e chineses.

Se, por um lado, seria exagero dizer que o Turcomenistão obteve segunda independência da Rússia com o novo gasoduto ligando regiões produtoras à China, por outro, não se pode ignorar que a intrincada malha de dutos, criada no período soviético, pela qual a Rússia se tornava o único intermediário das commodities energéticas da Ásia Central, sofreu grave revés. O rompimento do monopólio russo, ao menos em direção ao leste, altera o cenário da diplomacia de gasodutos da região.

Como se sabe, a política energética russa tenciona mostrar ao Ocidente que o país seria o único fornecedor seguro para a Europa. Os constantes desentendimentos com Ucrânia e Bielorrússia, no entanto, abalaram a confiança europeia, o que levou a Rússia a buscar a construção de vias alternativas no transporte de energia. Há, contudo, grandes desafios. O caminho das zonas produtoras russas até as zonas consumidoras européias passa por diversos países e necessita não apenas da negociação de acordos com cada ente envolvido para obter permissão da construção física dos dutos, mas também da negociação da fixação das taxas de passagem. Além disso, requer estabilidade política e segurança nos países pelos quais passa um duto de gás, cujo investimento inicial demanda vultosas somas.

Nesse sentido, o gasoduto Nord Stream, que pretende levar gás diretamente à Alemanha pelo leito do mar Báltico, e o gasoduto South Stream, cujo traçado percorreria o mar Negro até diversos países europeus, tornaram-se projetos prioritários no contexto dos investimentos russos. O término do gasoduto Blue Stream ligando a Rússia à Turquia e o projeto do gasoduto Blue Stream 2, com o aumento da capacidade de transporte no mesmo percurso, trata-se de iniciativas com o objetivo de minar a viabilidade econômica de outros projetos. Afinal, a prévia existência de um gasoduto, torna a construção de um novo menos interessante economicamente. Na mesma linha, Turquia e Rússia assinaram a construção do gasoduto Samsun-Ceyhan, cujo término está previsto para o ano de 2012. O trajeto levaria o gás russo e cazaque do porto de Samsun no mar Negro até o porto de Ceyhan, no mar mediterrâneo e, a partir desse ponto, por intermédio de navios-tanque até a Europa. Se a Rússia irá continuar a ser o intermediário privilegiado e o fornecedor majoritário de energia para a Europa no futuro próximo, é algo difícil de prever. No médio e longo prazo, contudo, a Europa procura alternativas.

Estratégias

Um outro revés sofrido pela Rússia no seu intuito de assegurar a posição de maior fornecedor de gás à Europa (que absorve 2/3 das exportações russas do produto) foi o fracasso em incluir o South Stream na lista de projetos prioritários europeus. Em seu lugar, a Comissão Européia preferiu conceder prioridade ao “Nabucco”, que, segundo autoridades européias enfatiza a diversificação das fontes de suprimento de recursos energéticos. No entanto, não deixa de ser arriscada a aposta européia nessa nova via energética, uma vez que a estabilidade nos países do Cáucaso parece algo difícil de ser obtido no horizonte próximo. Armênia, Géorgia, Azerbaijão e Turquia possuem papel vital neste trajeto e apenas com a superação das contendas históricas é que o Nabucco poderá tornar-se realidade.

Em contrapartida, a Rússia acelera os projetos e toma medidas para criar confiança entre seus clientes. Com a entrada em operação do South Stream, o Nabucco perderia muito do atrativo em termos de viabilidade econômica, na medida em que ambos os gasodutos são concorrentes. Por isso, a pressa de Moscou em concluir o duto e colocá-lo em funcionamento. O que a Rússia vende no projeto South Stream, portanto, é novamente a segurança no fornecimento de gás.

No front ocidental, a Rússia aparenta manter, ao menos no médio prazo, a preponderância como fornecedora de energia. Para o abastecimento da sedenta China, no Oriente, a situação parece, contudo, ser diversa. O gigante chinês aproxima-se em iniciativas conjuntas e já concretas com o Cazaquistão e o Turcomenistão. O Kremlin, sempre reticente em prover energia ao gigante chinês alterou a sua política e anunciou a construção de novos gasodutos e oleodutos na região para abastecer a China e competir de forma contundente com os países do ex-espaço soviético.

Competição

Com vistas a manter papel proeminente no mercado internacional de gás, a Rússia tornou-se uma das maiores apoiadoras do recém criado “Fórum dos Países Exportadores de Gás”, o qual, ao se inspirar na congênere OPEC (“Organização dos Países Produtores de Petróleo”), buscaria o equilíbrio da oferta e a manutenção dos preços. Não é à-toa que o engenheiro russo Leonid Bokhanóvski foi eleito Secretário-Geral da organização, o que proporcionará a Rússia amplo controle do rumo do fórum nos próximos anos.

O acirramento da competição no fornecimento de gás à Europa e à  China, com a emergência de novos atores independentes de Moscou, conduziu ao recrudescimento das rivalidades entre os países produtores. Com o propósito de assegurar privilegiada posição no fornecimento, a Rússia empreende esforços no sentido de acelerar projetos de gasodutos, circundando a Ucrânia e Belarus, bem como criando novas conexões com a China, além de assegurar voz nos tabuleiros criados no setor como o “Fórum dos Países Exportadores de Gás”. Os próximos desdobramentos são difícies de prever, no entanto, no curto prazo, o Kremlin tem a consciência de que se não dedicar maiores esforços à diplomacia de gasodutos, o status quo de fornecedor de energia poderá estar ameaçado no futuro, talvez não muito distante.

*Luis Fernando Corrêa da Silva Machado é diplomata de carreira. As considerações são todas de caráter pessoal e não representam a posição ou opinião oficial do Ministério das Relações Exteriores do Brasil. Artigo originalmente publicado na revista digital Mundorama , da UnB (Universidade de Brasília).

Siga o Opera Mundi no Twitter  

A Rússia na diplomacia dos gasodutos

NULL

NULL

NULL