A nova América: entre o ‘black and white’ de Lenny Kravitz e o ‘common ground’ de Sly Stone
Os dois nomes, respeitados na black music norte-americana, lançaram novos álbuns em agosto
Dois nomes de peso da black music norte-americana lançaram discos novos em agosto deste ano: Sly Stone e Lenny Kravitz.
Sly, hoje com 68 anos, é fruto genial da fusão entre black power e flower power testada no final dos anos 1960 por nomes como Jimi Hendrix, o Funkadelic de George Clinton e a corporação familiar Sly & The Family Stone – esta em especial no formidável álbum Stand!, de 1969.
O título tentativamente triunfante do novo álbum de Sly é I'm Back! Family & Friends. Consiste de regravações pálidas dos hinos hippie da Family Stone, como “Dance to the Music” (1968), “Everyday People” (1969) e “Family Affair” (1971, de refrão chupado pelos Tribalistas Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown e Marisa Monte para virar hit do verão brasileiro de 2002, sob o nome “Já Sei Namorar”). O CD se completa por mais alguns exemplares dos cada vez mais anacrônicos remixes “dançantes” das faixas recicladas.
Lenny, 47 anos, despontou para o sucesso no início dos anos 1990, moldando um funk rock tributário de Hendrix, mas largamente influenciado pela brancura do heavy metal, do hard rock e do glam rock à la David Bowie. “Always on the Run”, “It Ain't Over 'Til It's Over” (ambas de 1991) e “Are You Gonna Go My Way” (1993) foram hits onipresentes daquela década.
O novo disco de Lenny se chama Black and White America. O segundo single – e uma de suas faixas mais pulsantes – é um funk de ideário bem hippie, coincidentemente ou não batizado “Stand”, à imagem do álbum-standard da Family Stone em 1969.
Sly não gravava discos há mais de uma geração, desde 1982. Poucas semanas após o lançamento de I'm Back, no final de setembro de 2011, o jornal New York Post publicou reportagem afirmando que Sly Stone virou sem-teto e “mora” dentro de uma van.
A notícia é requentada. O autor do texto, Willem Alkema, apresenta-se como diretor de um documentário em produção sobre Sly, e já havia contado a mesma história há dois anos, no The Guardian. Há na imprensa norte-americana quem conteste a informação sobre o Sly homeless, mas se for verdade não é absolutamente uma história incomum no show biz, repleto de casos tristes (e por vezes ocultados) de gente que viajou da fama para a sarjeta, entre excessos, gastanças, drogas, blablablá.
Kravitz já saiu há anos da febre de juventude, e luta pela manutenção de sua trajetória musical, o que, como Stone sabe muito bem, é tarefa árdua. A imprensa e os “fãs” que se assanham pela van do sem-teto Sly são os mesmos que não dão muita bola para o nono disco de alguém que fez muito sucesso há 20 anos como pop star e como autor do hit “Justify My Love” (1990), de Madonna.
Lenny, que nunca foi lá de fazer letras militantes, usa a faixa-título do CD novo como um manifesto pela paz racial na “América preta-e-branca”. “Em 1963, meu pai se casou com uma mulher negra, e quando andavam pela rua eles estavam em perigo”, diz a letra que começa falando de Martin Luther King (cujo ideário é retomado na penúltima faixa, “Dream”) e de resto ostenta humores otimistas. “Talvez nós tenhamos finalmente encontrado nosso chão comum”, observa, aproveitando os múltiplos significados do termo “common ground”.
A “Black and White America” é o reverso e o refluxo de um funk da Family Stone em 1969, que ironizava os ódios raciais repetindo num funk, por seis minutos ininterruptos, as frases mutuamente pejorativas “don't call me nigger, whitey” e “don't call me whitey, nigger”.
Talvez a realidade norte-americana atual corresponda à visão edulcorada e anestesiada que Lenny Kravitz elabora enquanto sobrevive. Mas e se o “common ground” da “América preta-e-branca” de 2011 for o chão comum das ruas talvez habitadas pela lenda (ainda) viva Sly Stone?
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