Entre o final de março e o começo de abril, o
Memorial da América Latina, em São Paulo, abrigou três eventos
onde a comunicação era o tema central. Todos com algum tipo de
participação de docentes da Escola de Comunicações e Artes (ECA)
da USP. De longe, um fato a ser saudado. Afinal, são poucos os
espaços que ainda restam para discussão desse tema. De perto, no
entanto, a visão é mais melancólica.
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Dos três debates,
dois receberam cobertura seletiva dos grandes jornais. Outro passou
em branco. Adivinhem porque. É simples, basta ver o tom do conteúdo
de cada um deles. O primeiro, denominado “Liberdade de Expressão e
Direito à Informação na Sociedades Contemporâneas” foi aberto
por um articulista do jornal O Estado de S. Pauloespecializado em negar os direitos dos negros à reparação pelos
crimes sofridos ao longo e depois da escravidão. Sobraram críticas
ao governo brasileiro, às políticas de comunicação de vários
países da América Latina e até a recém-criada Empresa Brasil de
Comunicação, gestora da TV Brasil. Tudo devidamente coberto pelo
jornalismo dito independente.
O outro chamado “Liberdade
de Imprensa e Democracia na América Latina” teve como figura
central o ministro do Supremo Tribunal Federal Carlos Ayres Brito.
Para quem já esqueceu trata-se do magistrado que acabou com a Lei de
Imprensa impondo sobre o jornalismo a lei da selva. Deu seu voto
também para acabar com a exigência do diploma para o exercício da
profissão dizendo que ela pode ser exercida por aqueles que apenas
têm “intimidade com a palavra” ou “olho clínico”.
Definições profundas, sem dúvida.
No debate do Memorial o
ministro foi ainda mais além nas suas demonstrações de completa
alienação em relação ao mundo em que vive. Disse, por exemplo,
que a liberdade de imprensa é um direito absoluto, não limitado por
outros direitos. E disse mais, mas por aqui, pouparei o leitor.
Ficarei na constatação – boquiaberto – de que um ministro do
Supremo não conhece a estrutura econômica dentro da qual operam,
como empresas capitalistas, os meios de comunicação. Seguindo sua
orientação, empresários de um setor específico da economia têm
total liberdade para impor seus interesses à sociedade sem nenhum
tipo de controle. Como fazem os donos da mídia.
Isso é tudo
que eles querem e, por conta disso, o seminário foi generosamente
acompanhado pelos jornalões. Restou o terceiro, vítima de um
silencioso ensurdecedor. Sabem porque? Porque nele não se
tergiversava. Ia-se à raiz dos problemas e discutiam-se os novos,
modernos e generosos rumos que a comunicação começa a traçar na
América Latina.
Basta ver o título para entender a razão do
boicote imposto pela “imprensa livre”: “A América Latina
hoje: perspectivas de integração para além do mercado”. Os
dois eventos antes citados tiveram acolhida nos jornalões por,
obsequiosamente, respeitarem os limites do mercado. Este, por sua
vez, mostrou que há vida – e de melhor qualidade – além desse
limite.
E não foi uma reunião rápida, essa organizada pelo
Centro de Estudos Latino Americanos sobre Cultura e Comunicação na
América Latina (CELACC) da ECA. Foram três dias de trabalho, com
apresentações de resultados de pesquisas realizadas em diferentes
países do continente, acompanhadas de mesas redondas. Entre os
participantes, estava a professora argentina Suzana Sel, organizadora
do livro “La Comunicacion Mediatizada” e estudiosa do
processo de reestruturação da mídia argentina. Disse ela em sua
exposição que a nova lei do audiovisual vigente em seu país
“implica num forte golpe” aos grupos que concentram a comunicação
e abre espaço para que novos atores possam entrar na cena midiática.
Isso porque, diz ela, a lei busca “reverter as políticas
neoliberais” fixando limites à “concentração que se expressam
tanto na distribuição de um espectro (eletromagnético)
reconhecendo novos sujeitos, como na fixação de níveis de produção
nacional” e também ao reverter “o grau de centralização
existente, entre outras medidas que ferem interesses monopolistas”.
Claro que a “imprensa livre”, elevada esdruxulamente à
categoria de um direito absoluto, jamais cobriria esse tipo de
evento. Que, de comum com os outros dois, teve apenas o Memorial como
abrigo.
Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e jornalista, é
professor de Jornalismo da ECA-USP. É autor, entre outros, de “A
TV sob controle – A resposta da sociedade ao poder da televisão”
(Summus Editorial).
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