O Rock progressivo foi um subgênero que vigorou por um determinado período – entre 1967 e 1979, mais ou menos – e ficou para sempre aprisionado naquela cápsula. Daí por diante datou, saiu de moda e virou até algo meio maldito, devido às características de excesso que trazia consigo: “cabeça”, arrastado, mirabolante, masturbatório, chegado à paranoia e a outros estados psíquicos distorcidos…
Talvez o subgênero em si continue confinado no passado, mas é interessante perceber como tem servido de matéria-prima para o prestígio de bandas incensadas na fase de nuvem entre o século XX e o XXI – o Radiohead à frente de todas elas. Se em 1968 Stanley Kubrick sonhava com um futuro rococó e 2001: Uma Odisseia no Espaço era “O” filme, nestes primeiros anos 2000 o solo árido e cada vez mais desgastado do rock tem sido frequentemente pulverizado por uma chuva ácida, cósmica – composta de pingos sonoros coloridos expelidos pelo espectro da banda britânica Pink Floyd.
Leia também:
Christina
Aguilera, do Clube do Mickey ao Clube Militar
Novo CD do LCD Soundsystem ataca fãs e heróis do espaço pop
Orgia ou romantismo, o que Kylie Minogue está propondo?
Se os órfãos de The Wall (1979) nunca pararam de proliferar, em 2004 eles tiveram a surpresa de conhecer a versão electro dos Scissor Sisters para Comfortably Numb, uma das peças principais daquele ábum, conceitual, que em 1982 se transformou em filme pós-psicodélico pela lente de Alan Parker (sob roteiro do próprio vocalista do Pink Floyd, Roger Waters). Num golpe para lá de engenhoso, o(a)s Sisters promoveram em sua Comfortably Numb uma reengenharia genética entre o “prog rock” de origem e o gênero musical que era um dos maiores inimigos de Pink Floyd e companhia: a discotheque de vozes agudas e anasaladas no estilo Bee Gees. Os mutantes já comandam terrenos valorizados do planeta pop – Lady Gaga que o diga.
Agora acontece algo ainda mais complexo que o ser musical transgênico-transgênero dos Scissor Sisters, promovido por outra banda simpática aos eflúvios progressivos desde que surgiu, no já longínquo 1983. Norte-americanos, os Flaming Lips têm processado uma série impressionante de álbuns futuristas, retrofuturistas, falsofuturistas ou quaisquer rótulos que caibam a álbuns densos e inspirados como The Soft Bulletin (1999), Yoshimi Battles the Pink Robots (2002, atenção para a cor dos robôs), At War with the Mystics (2006) e Embryonic (2009).
Na virada de 2009 para 2010, os Flaming Lips gravaram um disco chamado The Dark Side of the Moon (editado há pouco no Brasil), uma regravação integral do álbum homônimo de 1973 que é uma das obras-primas do Pink Floyd (inclusive em “cabecismo”, mirabolância, paranoia e outros estados psíquicos distorcidos). Participa dessa transversão gente como o roqueiro heavy Henry Rollins e a antidiva electro Peaches. A população mutante do pop pede bênção ao vovô progressivo.
Apesar de parecidíssimo com o original, o Dark Side dos Lips é único e árduo de decifrar. Seria uma homenagem séria e compenetrada, ora eletrônica e agressiva, ora doce acústica e doce ao extremo, tudo isso dentro de uma mesma faixa (em Time, Us and Them e Brain Damage)? Seria uma grande tiração de sarro com a poeira cósmica e o mofo radioativo acumulados pelo e sobre o Floyd e os progressivos em geral? Seria uma piada séria sobre o tempo, o “nós” contra “eles”, os danos cerebrais sofridos por eles e por nós? Seria uma prova de que aquilo que engessou o rock em 1970 e pouco cimenta a lápide do rock em 2000 e poucos? Seria o desejo dos tiozinhos Flaming Lips de cutucar o pop com a evidência de que, desde sempre, o passado é o futuro é o passado?
Difícil à beça responder, ou entender por que, quase ao mesmo tempo em que fizeram Embryonic e releram The Dark Side of the Moon, os Lips também gravaram uma versão da tolinha Borderline (1983), de Madonna, que parece Pink Floyd tanto quanto o Comfortably Numb dos Scissor Sisters parece Bee Gees. Quem foi mesmo que disse que o espírito limítrofe do rock progressivo ficou confinado, aprisionado e lapidado em seu próprio passado?
Siga o Opera Mundi no Twitter
NULL
NULL
NULL























