Sábado, 6 de dezembro de 2025
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O veterano François Bayrou perdeu o cargo de primeiro-ministro francês, após ser derrotado em uma proposta de voto de confiança – que ele precisou convocar para abrir caminho para a aprovação do orçamento francês, que era duramente questionado por prever cortes brutais de investimentos. Na sua breve estadia como premiê, Bayrou tentou desesperadamente emplacar uma agenda de austeridade.

Agora, Emannuel Macron nomeia, pela terceira vez desde a eleição parlamentar do ano passado, um premiê sem maioria, seu correligionário e tantas vezes ministro Sébastien Lecornu. A agenda é a mesmíssima dos gabinetes chefiados primeiro por Michel Barnier e depois por Bayrou: algo parecido com a agenda do laboratório argentino com Javier Milei, cortes ao estilo motoserra. 

Manifetantes durante protesto em Paris contra reforma da previdência, em setembro de 2019. (Foto: Jeanne Menjoulet / Flickr)

Manifetantes durante protesto em Paris contra reforma da previdência, em setembro de 2019.
(Foto: Jeanne Menjoulet / Flickr)

A novidade é que esse arranjo instável sofre, agora, seu maior contra-ataque, com a greve geral que está parando a França, e sendo duramente reprimida – enquanto isso, a extrema direita deseja novas eleições, ainda que ela, particularmente, seja favorável aos cortes, embora usando de um discurso ambíguo. Macron é quem arca com o desgaste, contudo, enquanto só prefere rachar a esquerda e insistir na mesma tática.

O momento atual é, sem dúvida, a grande hora da verdade da França, na qual as esquerdas precisaram se mostrar como uma força capaz de polarizar, realmente, contra uma extrema direita que escamoteia seu neoliberalismo com uma agenda chauvinista – o que a aproxima hoje mais de Javier Milei do que de uma versão fascista do velho gaullismo, como não deixa mentir o homem forte de Le Pen na economia, Jean-Philippe Tanguy.

A falsa polaridade

Em poucos meses no cargo, Bayrou contou com o apoio dos deputados macronistas, da extrema direita, além de eventuais colaborações do Partido Socialista, que chegou à Assembleia Nacional na coalizão de esquerda com o França Insubmissa, o Partido Comunista e os Verdes – a chamada Nova Frente Popular (NFP), a maioria relativa da câmara baixa francesa, que fez uma oposição ferrenha ao premiê recém-derrubado.

Em um jogo cínico, a extrema direita defendeu Bayrou junto com os macronistas, enquanto capitaliza em cima do desastre da política do presidente. Por outro lado, os socialistas buscaram se diferenciar do resto da NFP, porque buscavam, com o apoio de Macron, tomar o governo – algo impossível, porque todas as nomeações espúrias de premiês têm sido possíveis com o apoio da extrema direita.

A situação, paradoxal, faz com que a extrema direita capitalize em cima das políticas de Macron, muito embora as sustente na prática. É justamente o núcleo duro da esquerda que é a oposição real à austeridade, mas sem passar para uma estratégia contundente, o bloqueio midiático direciona a queda de apoio em Macron para a extrema direita – que adotou o ideário mais vulgar da austeridade.

É errado supor que o Rassemblement National (RN), da inelegível Marine Le Pen e do jovem Jordan Bardella, defenda qualquer tipo de “desenvolvimentismo de extrema direita”, mas apenas cria uma cortina de fumaça racista e xenofóbica para os trabalhadores brancos – acenando para uma política migratória semelhante a Trump para fazer salários magicamente subirem, talvez com a expulsão de negros e muçulmanos.

É agora ou nunca

A greve geral, puxada pelo movimento Bloquons tout (Bloquearemos tudo) a partir de 10 de setembro nas redes sociais, com o apoio da esquerda da NFP, movimentos sociais e sindicatos, é a resposta mais contundente aos governos de minoria franceses de 2024 para cá – e sua agenda de austeridade, a real causa de Macron ter desfeito sua maioria parlamentar para chamar novas eleições cujo resultado só poderia ser sua derrota.

A culminância do movimento com a atual greve geral, que já levou a centenas de prisões e mobilizou centenas de milhares de trabalhadores, começa a mostrar efeitos paralisantes. Até agora, Macron suportou inúmeras manifestações, como a dos coletes amarelos, mas até 2024, ele mantinha uma política de austeridade soft, com seu longevo ministro das Finanças Bruno Le Maire.

A história francesa não ajuda, com excedentes extraídos mediante o imperialismo ou na globalização, sustentando a colaboração de classe com o capitalismo – mas também endossa teses racistas. O capitalismo francês sobreviveu ao maio de 1968, e se reagrupou. Hoje, ele se sustenta com uma complexa estratégia de tesoura, onde Macron e Le Pen são as duas lâminas opostas, mas atadas por um mesmo eixo.

A oposição parlamentar à austeridade não tem sido suficiente, ainda quando radicalizada, mas os grandes levantes de massas nos últimos anos têm perdido a briga para a repressão – e se dissipado, muitas vezes sem grandes vitórias ou com concessões táticas de Macron. O tremendo desafio que se projeta é elevar a ebulição da revolta, conquistando as classes médias de pequenas e médias cidades e a parte branca da classe trabalhadora.

(*) Hugo Albuquerque é jurista e editor da Autonomia Literária.