Sábado, 6 de dezembro de 2025
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O Programa Outubro, conduzido por Victor Farinelli, que é subeditor e repórter da Opera Mundi, tem gerado debates instigantes sobre o continente africano, apresentando diversas perspectivas. Com a participação de comentaristas como Ana Prestes, que é cientista social e doutora em Política pela UFMG, e Vanessa Martina-Silva, jornalista e Mestra pelo Programa de Integração Latino-Americana da USP, o programa discute temas essenciais para compreender as dinâmicas globais. Na live do dia 17 de julho, a conversa focou na relação entre a China e a África, uma parceria que provoca tanto entusiasmo quanto polêmica. Será que a China é um parceiro estratégico no desenvolvimento africano ou uma nova forma de imperialismo?

Com um investimento de 95,5 bilhões de dólares em infraestrutura na África entre 2000 e 2015, a China se firmou como o maior parceiro comercial do continente, ultrapassando algumas potências ocidentais. Projetos como a ferrovia Tazara, que liga Tanzânia e Zâmbia, e os portos em Djibouti, melhoraram a conectividade em áreas que antes eram ignoradas. No entanto, essa relação, que é impulsionada pela Belt and Road Initiative (BRI) e pelo Forum on China-Africa Cooperation (FOCAC), suscita questões: é uma cooperação benéfica para todos ou uma nova dependência? E qual é a posição do Brasil nesse cenário, especialmente após a cúpula do BRICS em 2025?

A relação da China com a África é distinta do colonialismo europeu dos séculos XIX e XX, que envolveu ocupação territorial e exploração direta. Ao invés de estabelecer colônias, a China propõe empréstimos e infraestrutura em troca de recursos, como o petróleo de Angola (72% das exportações angolanas vão para a China) e minerais da República Democrática do Congo. Contudo, essa estratégia não fica isenta de críticas. O conceito de “diplomacia da dívida” tem gerado preocupações: países como Djibouti enfrentam dívidas que chegam a 85% do PIB, o que pode levar a uma dependência econômica. Ao contrário dos EUA, que condicionam sua ajuda a reformas democráticas, a China adota uma postura de “não interferência”, atraindo governos autoritários, como os do Sudão e Zimbábue, mas também levantando questões sobre seu apoio a regimes repressivos.

Embora a abordagem chinesa seja menos invasiva culturalmente quando comparada ao colonialismo europeu, os contratos que favorecem empresas chinesas (com até 90% dos trabalhadores em alguns projetos sendo chineses) e os efeitos ambientais da exploração mineral lembram dinâmicas neocoloniais. A China não busca controle político direto, o que a diferencia tanto dos antigos colonizadores quanto da abordagem americana, que foca em soft power e governança.

Apesar das críticas, a colaboração com a China trouxe avanços que são inegáveis. Desde os anos 1960, mais de 15 mil médicos chineses já atenderam 180 milhões de pacientes em 47 países africanos, além de programas de bolsas educacionais que fortaleceram os laços humanos. O comércio também disparou: em 2022, as exportações de chá do Quênia e café da Etiópia para a China aumentaram 409% e 143%, respectivamente, através de plataformas como a Kilimall. Enquanto isso, projetos de infraestrutura, como a ferrovia Nairóbi-Mombasa no Quênia, estão conectando regiões e estimulando economias locais.

O ex-presidente da África do Sul, Jacob Zuma, e o presidente chinês Xi Jinping durante o Fórum de Cooperação China-África, em dezembro de 2015. (Foto: GCIS / GonvermentZA / Flickr)

O ex-presidente da África do Sul, Jacob Zuma, e o presidente chinês Xi Jinping durante o Fórum de Cooperação China-África, em dezembro de 2015.
(Foto: GCIS / GonvermentZA / Flickr)

Por outro lado, há desafios a serem enfrentados. A escassa criação de empregos locais e os impactos ambientais de projetos de exploração geram tensões. Em Angola, por exemplo, a dependência do petróleo para saldar dívidas com a China dificulta a diversificação econômica. Assim, embora essa parceria tenha potencial, é fundamental que ela seja transparente e gere benefícios mútuos para ser sustentável.

Em 2025, em meio ao conflito entre Irã, Israel e EUA, a China organizou a China-Africa Trade Expo em Changsha, fechando acordos comerciais e de infraestrutura que totalizaram 11,4 bilhões de dólares. Enquanto os EUA estavam focados na situação do Oriente Médio, a China aproveitou a oportunidade para solidificar sua influência, promovendo sua narrativa de “cooperação Sul-Sul”. A cúpula enfatizou a industrialização, com um foco na manufatura e energia verde, posicionando a China como uma alternativa às potências ocidentais, especialmente em um momento de instabilidade global. Essa estratégia reforça a imagem da China como mediadora, em contraste com a postura militarista do Ocidente.

A entrada do Egito, Etiópia e Nigéria (como parceira) no BRICS, junto com a já fundadora África do Sul, fortalece a voz do continente no palco global. Juntos, eles representam 54,6% da população mundial, e o BRICS proporciona acesso ao Novo Banco de Desenvolvimento para projetos como energia na Etiópia e infraestrutura no Egito. A Nigéria, sendo a maior economia africana, está em busca de diversificar suas parcerias comerciais, diminuindo a dependência do Ocidente. Porém, as divergências internas – como as posições sobre a guerra na Ucrânia – e a influência da China e Rússia podem limitar a autonomia africana. O bloco é uma grande oportunidade, mas exige que os países africanos se unam para negociar de forma coesa e maximizar seus benefícios.

A relação entre a China e o continente africano apresenta suas complexidades, e a cautela urge para evitar dependências excessivas. O protagonismo africano no BRICS e os laços com o Brasil, principalmente sob Lula, indicam um futuro com maior autonomia no Sul Global. Para isso acontecer, é crucial que os países africanos busquem acordos mais justos com a China e invistam em políticas que promovam empregos locais e sustentabilidade. Assim como a Nigéria tem seu Burna Boy e Chimamanda Ngozi Adichie, a África tem potencial para liderar cultural e economicamente, construindo um futuro mais justo e plural, em parceria com aliados como o Brasil.

(*) João Raphael (Afroliterato) é escritor, professor e mestre em educação pela UFRJ. É apresentador do programa “E aí, professor?” do Canal Futura.