A blitzkrieg contra Fernando Haddad
Campanha orquestrada contra ministro da Fazenda tenta identificar uma nova espécie: o neoliberal que taxa ricos e não defende privatizações
Uma velha peça de Arrabal, autor importante do então chamado Teatro do Absurdo, repetia insistentemente o bordão “fechar os olhos ante as evidências é método que nunca deu bom resultado.”
Algumas décadas depois constata-se que o bordão pode ser lembrado por uns poucos admiradores do teatro dos anos 1970, mas não encontra guarida em nenhum dos subprodutos desse mundo moldado pelas mal chamadas redes sociais: nem nos negacionistas, carentes do viés de confirmação de seus preconceitos e pseudovalores, nem nesse curioso e multiforme agrupamento chamado de esquerda cirandeira ou webleftist.
A ação da extrema direita nas redes sociais na criação de fake news contra o governo Lula é imparável e ora conta com o apoio explicito da grande mídia na reprodução semipasteurizada dos ataques, ora com a sua completa omissão na denúncia das ações mais escandalosas.
Mas a frequência e intensidade desses ataques não é indiferente à conjuntura. Assim, era claro que aumentariam para deslocar o foco do indiciamento de Bolsonaro e cúmplices diretos no processo do roubo e contrabando de joias.
Já se denunciou reiteradamente que a nossa grande e criativa imprensa até agora não criou – e certamente não vai – nenhum título em aumentativo para os sucessivos escândalos da familícia bolsonariana. Cinquenta e tantos imóveis comprados em dinheiro vivo, envolvimento com milícias e réus confessos de assassinato, tentativa de extorsão em compra internacional de vacina e nem uma marca em “ão” para fazer jus ao outrora intensivo uso dos “mensalões” e “petrolões”.

Foto Ricardo Stuckert/Palácio do Planalto – 01/01/2034
Não é nada surpreendente que a bola da vez das fake news seja, novamente, Fernando Haddad
Ao contrário, diante do descalabro difícil de sumarizar, de tráfico de cocaína em avião presidencial às reiteradas tentativas de golpe, fomos condicionados a escolher entre diminutivos (as “rachadinhas”), os mais pueris eufemismos (“desvio” das joias) ou a pérola de tratar os diferentes momentos do golpe como “atos antidemocráticos”.
Compreensível, portanto, a necessidade de intensificar o mantra monocórdio dos principais veículos da mídia corporativa “demonstrando” que as críticas de Lula à política do Banco Central seriam as deflagradoras de toda a “instabilidade do mercado cambial” tenha seguido impávido e colossal apesar das evidências de fortalecimento do dólar em vários países do planeta.
Nenhum dos comentaristas e “especialistas”, codinome usual para agentes do mercado financeiro, achou relevante explicar se realmente acreditavam que as iradas manifestações de Lula eram tão poderosas que abalavam a taxa de câmbio no Japão ou na Suíça.
Essa capacidade de fechar os olhos ante as evidências só não resistiu à divulgação da pesquisa da Genial/Quest de 10 de julho, quando, na contramão de todos os analistas e “especialistas” do mercado, a aprovação ao trabalho de Lula retomou trajetória de subida, de 50% para 54%, com a desaprovação caindo de 47% para 43%, na média da população, mas atingindo 69% de aprovação entre os brasileiras que ganham até 2 salários-mínimos. E não podemos esquecer que isso representa mais de 70% da população.
Mas o que obrigou as redes e os veículos de mídia a mudar de assunto foi que 66% dos entrevistados (dois terços da população) marcaram enfaticamente a concordância da população com as críticas de Lula ao patamar de juros, contra apenas 23% que discordavam. Nove em cada dez entrevistados acham que o salário mínimo deve ser aumentado todos os anos acima da inflação e 84% acham que as carnes consumidas pelos mais pobres devem ser isentas de impostos.
Quando a maioria da população, aí incluídos setores votantes do bolsonarismo, respaldava o entendimento e a mensagem direta do presidente, era urgente mudar de estratégia e buscar alternativas de solapamento mais eficientes.
Nada surpreendente que a bola da vez seja, novamente, Haddad. O empenho em transmutar alquimicamente um dos legados historicamente mais importantes de Lula 3, a reforma tributária travada há mais de 30 anos, em propaganda negativa, foi da repetição do velho blábláblá da “enorme carga tributária” até a recurso engraçadinho dos memes que reeditam os ataques a Marta Suplicy.
Com variantes e predominância de “Taxadd”, o enorme e evidentemente orquestrado arrastão nas redes sociais pretende ao mesmo tempo atribuir ao governo a taxação das “brusinhas” e disfarçar a resistência dos muito ricos, como denunciou o ministro em entrevista recente.
Prova do caráter profissional da campanha foi a divulgação, pendurada em alguns órgãos de imprensa do interior, de uma fake entrevista a Reynaldo Azevedo, falsamente publicada no Valor Econômico, em que Haddad supostamente defende jogatina em criptomoedas de uma pseudoplataforma de investimentos.
Haddad tem assim a curiosa condição de taxador cruel das pequenas compras da classe média e defensor de esquemas das pirâmides em criptomoedas no discurso da direita e de neoliberal infiltrado no governo Lula, para o gosto de certa esquerda de rede social.
Curiosa taxonomia esta, usada por setores capazes de identificar uma nova espécie: o neoliberal que taxa ricos e não defende privatizações.
(*) Professor Titular do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP Campus de São Carlos.























