A batalha do IOF nas redes
Imprensa e Centrão se desesperam com governo e setores populares terem finalmente conseguido mobilização massiva nas redes no tema do IOF e escala 6x1
A convocação nacional pelo plebiscito popular de 2025 — “uma iniciativa dos movimentos sociais, centrais sindicais, juventudes, artistas, entidades de fé e partidos progressistas”, como descrito no site do governo —, com votações iniciadas no dia 1 de julho e que se estenderão até setembro, tem movimentado a sociedade em diversos estratos, desde setores do Executivo e Legislativo, integrantes da situação e da oposição partidárias e setores da sociedade civil. Vale lembrar que um plebiscito, como determinado pelo artigo 14 da Constituição Federal (regulamentado pela Lei nº 9.709 de 18 de novembro de 1998), define-se como uma consulta prévia para decidir sobre “matéria de relevância para a nação em questões de natureza constitucional, legislativa ou administrativa” (sua diferença para um referendo é que este determina uma consulta posterior à criação de um ato legislativo).
O plebiscito atual tem como objetivo aferir em consulta pública voluntária a posição da população sobre a atual jornada de trabalho, assim como as estruturas tributárias vigentes. Postulando a redução da escala 6×1 — um movimento que ganha força popular e teve expressão eleitoral confirmada na eleição do vereador pelo Rio de Janeiro Rick Azevedo, eleito ano passado a partir dessa pauta — e a taxação dos “super ricos”, ou seja, uma reforma tributária um pouco mais igualitária e proporcional, o plebiscito tem sido eixo de disputas e polêmicas, mobilizando a propaganda política de defensores e opositores das mais diversas formas, seja nos setores clássicos da mídia hegemônica, principalmente na televisão, até as mais diversas plataformas midiáticas digitais.

Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, levanta placa pedindo taxação dos super ricos durante Caminhada do Dois de Julho. Salvador – BA.
(Foto: Ricardo Stuckert / PR)
As tensões são marcadas pela disputa que se estende entre o Executivo e a oposição no Congresso, desde o decreto presidencial que aumentaria as alíquotas do IOF — posteriormente derrubado na Câmara dos Deputados e depois no Senado. A proposta previa a cobrança de IOF de 5% sobre novos aportes que ultrapassassem R$ 300 mil por CPF na mesma seguradora, entre 11/06 e 31/12/2025 — “a partir de 2026, o plano era tributar em 5% os valores acima de R$ 600 mil por ano, somando aportes em qualquer seguradora”. Em contrapartida, o governo previa a isenção de impostos para aqueles que possuem renda por CPF de até R$ 5 mil — ou seja, trata-se de uma reorientação da política tributária que seja mais proporcional aos montantes em operações financeiras. O líder da oposição, Luciano Zucco (PL-RS), afirmou em suas redes sociais: “é um confisco unicamente visando arrecadar recursos. Ataque ao setor produtivo: agro, serviços, comércio, indústria, tudo afetado.” Obviamente sua posição é a de defesa dos setores mais parasitários da sociedade, na medida em que o extrato verdadeiramente produtivo não encontra-se na parcela da população que faz operações financeiras anuais acima de 600 mil reais.
Nos últimos dias temos visto também, nas matérias na mídia hegemônica, como ocorreu no Jornal Nacional, da Rede Globo, alardes sobre “campanhas nas redes sociais de ataque ao Legislativo”. Para sustentar sua narrativa, a Globo solicitou um relatório da consultoria Bites onde mostra-se, supostamente, que a mobilização digital sobre o tema tem início no dia seguinte ao início da reação do Congresso às mudanças do IOF, 17 de junho. No dia 27, o perfil oficial do PT publica um vídeo gerado por Inteligência Artificial com o slogan “Taxação BBB: bilionários, bancos e bets” — o que interpretam como uma retórica de antagonismo “entre pobres e ricos”. A reação da oposição na chamada “guerra digital” [sic] viria em sequência, com partidos como o PP e União Brasil, além do governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), utilizando também de IAs para propagandas combatendo os argumentos vindos da ala progressista.
É algo curiosa a mobilização de setores hegemônicos, como é o caso do grupo Globo, em cuidadosamente organizarem uma narrativa contra propagandas políticas digitais assim que essas começam a dar tração para pautas populares, mais próximas ao eixo da centro-esquerda, com propostas reformistas que se dirigem à melhoria da massa trabalhadora e à reformas — ainda que tímidas — do sistema tributário extremamente desigual e injusto, imposto fundamentalmente contra os mais pobres no país. É importante salientar que os temas dos impostos e taxações possuem grande valor de mobilização política massiva, especialmente na medida em que englobam uma ampla parcela da população identificada ideologicamente com a direita — e o mesmo ocorre com a pauta de redução da jornada de trabalho, algo já exposto pela mobilização do movimento VAT. Somando-se a isso o conflito direto com o interesse das classes exploradoras, temos uma bomba relógio para os setores parasitários da economia e da política brasileira.
Não surpreende então que seus representantes comecem a encampar uma batalha de propaganda ideológica que desvela — aos mais desavisados — o lado político da grande mídia e sua (falsa) oposição aos setores bolsonaristas (ou intimamente ligados a eles). Quando começaram a provar do próprio veneno — a propaganda política massificada, barateada e pulverizada nas redes —, os setores da elite se viram forçados a promover uma narrativa onde relacionavam “perfis ligados ao PT” com um suposto “ataque antidemocrático” ao Legislativo, na medida em que Hugo Motta (Republicanos-PB), atual presidente da Câmara, foi alvo de críticas que ganharam alto índice de engajamento nas redes. Não surpreende então que análises feitas na GloboNews critiquem o “mote Robin Hood” do governo, apesar de ser particularmente cômico quando vindo de um analista com o sobrenome Camarotti — a piada vem surpreendentemente pronta.
Assim, o risco de desinformação no uso de ferramentas digitais que barateiam o custo de produção das propagandas ideológicas e ganham amplificação massiva nas redes torna-se uma pauta fundamental para a mídia tradicional — mesmo que o uso de conteúdos gerados por IAs para propaganda política seja algo já utilizado pela direita desde muito antes do recorte tendencioso feito pela pesquisa encomendada pelo grupo Globo. Vale lembrar que o TSE proibiu o uso de inteligência artificial para criar deepfakes em períodos eleitorais, mas fora desses períodos a questão concerne à justiça comum. Os limites formais implícitos na linguagem utilizada pela campanha pró-plebiscito — explorando conteúdos produzidos por IAs generativas, apelando para a aliança com influenciadores e formatando-se à estrutura do espaço público-privado digital — precisam ser investigados criticamente, mas é notável que a estratégia tenha surtido efeito; em especial pela reação da hegemonia burguesa. Resta agora avançarmos nas pautas, e seria de grande ganho também o uso das “velhas” mídias: Lula poderia fazer uso de seu horário televisivo; além disso, poderíamos também avançar em direção ao combate do assim chamado “teto de gastos”, um entulho do realismo neoliberal que parece ainda reger a retórica do governo.
Além de tudo, uma coisa é certa: a propaganda política produzida por IAs está apenas começando a esboçar o que dará contornos para as próximas eleições, e o horizonte não é nada animador. As regulações atuais ainda parecem frouxas, sem contar a parcialidade das redes que hoje não passam de plataformas organizadas em oligopólios que convergem com os interesses da extrema direita. Se pretendemos levar esse debate a sério, ele passa por uma profunda regulamentação das plataformas. É digno de nota: no último dia 4 o ministro Alexandre de Moraes (STF) suspendeu os decretos tanto do Executivo quanto do Legislativo que tratam do IOF, convocando uma audiência de conciliação para o dia 15. Moraes é autor de uma tese que aborda, desde sua perspectiva jurídica, o que chama de populismo digital, o que torna sua visão sobre o assunto especificamente implicada. Resta aguardarmos o próximo dia 15 para saber como irá manejar a situação.
(*) Cian Barbosa é bacharel em sociologia e mestre em psicologia (UFF), doutorando em filosofia (UNIFESP) e doutorando em psicologia (UFRJ), pesquisa teoria do sujeito, crítica da cultura, violência, tecnologia, ideologia e digitalização; também é integrante da revista Zero à Esquerda, tradutor e ensaísta, além de professor e coordenador no Centro de Formação, onde oferece cursos livres.























