Sábado, 13 de dezembro de 2025
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É uma briga generalizada, que prenuncia muitas outras na disputa pelo domínio econômico da Europa. O prêmio é o Société Générale de Belgique, um grande empreendimento carregado de história. Sua matriz, no coração de Bruxelas, fica entre a sede do governo e o palácio real; com 166 anos, ele é mais velho que o Estado belga e frequentemente parece mais poderoso. Tem mais de 1.200 subsidiárias em 67 países e uma estimada fatia de um terço da economia belga, incluindo finanças, combustíveis, engenharia, químicos e diamantes. Seus ativos consolidados foram estimados em 3,6 bilhões de dólares no final de 1985.

Desde o início deste ano, o valor de suas ações mais que dobrou. O que desencadeou a alta espetacular foi uma oferta de aquisição feita por um daqueles condottieri modernos  para quem as fronteiras do Estado-nação são fechadas demais, Carlo de Benedetti. Baseado na Itália, De Benedetti, além de presidir a Ing. C. Olivetti S.p.A., o grupo de equipamentos de escritório, tem interesses em engenharia, alimentos (Buitoni) e publicações (Mondadori). Mas dois terços de seus negócios hoje operam no exterior. Na França, por exemplo, ele tem uma fatia em componentes de motores e em haute couture (Yves St. Laurent), e foi por meio da subsidiária francesa Cerus que ele fez sua oferta pela holding em Bruxelas. O confronto veio à tona na imprensa em 18 de janeiro. Na noite anterior, De Benedetti havia dito ao diretor do Générale que possuía 18,6% de suas ações com direito a voto e faria uma oferta aberta por outros 15%, suficientes para lhe dar poder de veto e provavelmente o controle efetivo. O Générale tentou diluir sua posição emitindo 12 milhões de novas ações com direito a voto, uma medida depois declarada ilegal pela Corte Comercial de Bruxelas.

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Enquanto isso, uma operação de resgate para esse templo do establishment francófono da Bélgica era organizada, ironicamente, na parte flamenga do país, por um consórcio liderado pela holding Gevaert N.V. Na animada oferta que se seguiu, uma holding francesa, a Compagnie Financière de Suez, surgiu como o terceiro grande player. Na segunda quinzena de março, parecia que a Gevaert, com 28% das ações, e a Suez, com 15%, poderiam conquistar uma maioria absoluta, mas sua aliança ruiu. Agora, De Benedetti, controlando quase 40%, parece o provável vencedor, embora todo tipo de acordo ainda seja possível. A única certeza é que o velho Société Générale não é mais o mesmo.

Algumas lições podem ser tiradas dessa batalha inacabada. Para a Bélgica, ela marca uma clara transferência do poder econômico da outrora dominante área de Walloon para a mais dinâmica Flanders; os tubarões plebeus estão tomando o espaço dos predadores patrícios. O evento também nos lembra que o colapso financeiro de outubro passado deixou muitas empresas vulneráveis a aquisições. Mas como muitos piratas profissionais perderam dinheiro no colapso, as ofertas de aquisição podem agora retomar a forma mais tradicional dos poderosos engolindo os menos fortes. Em terceiro lugar, com o dólar baixo, o investimento internacional deixou de ser um tráfego de mão única de Wall Street para a Europa. A oferta abortada da suíça Hoffmann-La Roche pela Sterling Drug, sediada nos EUA, e os atuais rumores de que o publisher britânico Robert Maxwell está tentando adquirir a Houghton Mifflin são os mais recentes lembretes dessa tendência. O que nos leva ao ponto crucial. A principal razão da iniciativa do Signor de Benedetti, e das recentes manobras nas indústrias de comunicações e seguros, pressagiando muitas batalhas por vir, é que em 1992 a Comunidade Econômica Europeia supostamente era um mercado realmente unificado. Quando o Mercado Comum foi criado, há 30 anos, o comentário irônico era de que só os norte-americanos o tratavam como uma unidade. Agora, os magnatas europeus também parecem pensar do mesmo modo e expandem suas atividades de aquisição de acordo com isso.

Existe ainda uma outra moral para essa história. O capitalismo, conforme seus protagonistas vêm nos dizendo, se tornou mais humano, entendeu que “o pequeno é belo”. Na verdade, ele simplesmente descobriu que às vezes fábricas pequenas podem ser melhor administradas e que distribuir a produção não precisa diminuir a exploração dos trabalhadores. Enquanto isso, a concentração financeira nunca parou, e agora atingiu um novo estágio na Europa. Para citar Brecht, a era dos pequenos ladrões acabou. Barões ladrões estão na luta, na esperança de que os vencedores sejam grandes o bastante para enfrentar seus sócios ou rivais norte-americanos e japoneses.

*Artigo publicado originalmente no The Nation

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A batalha da Bélgica

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