Entre os dias 30 de maio e 1° de junho foi realizado, em Brasília, um evento de grande importância para a definição de uma agenda positiva nesses tempos de busca de saídas pós crise econômico-financeira em escala global.
Pouco noticiado pelos grandes órgãos de comunicação, tratou-se da cerimônia oficial de lançamento do chamado 33° Período de Sessões da Comissão Econômica para a América Latina – CEPAL, a famosa e importante instituição que integra o Sistema das Nações Unidas e congrega o conjunto dos países da América Latina e Caribe.
Para a reunião compareceram delegações de mais de 40 países, formadas por economistas e profissionais de diversas áreas do conhecimento, além de autoridades governamentais de primeiro escalão e representantes de organismos multilaterais. Ali compareceram o Presidente Lula, os Ministros Celso Amorim e Samuel Pinheiro Guimarães, além do Assessor Especial Marco Aurélio Garcia, dentre outros representantes do governo brasileiro. Além disso, participaram personalidades como Enrique Iglesias (ex Presidente do BID), José Miguel Inzulza (Secretario Geral da OEA), José Luiz Machinea (ex Secretário Geral da CEPAL), José Antonio Ocampo (ex Secretário Geral da CEPAL), Mercedes Marcó Del Pont (Presidenta do Banco Central da Argentina) e Danilo Astori (Vice Presidente do Uruguai).
Como costuma acontecer a cada período, os trabalhos foram orientados por um documento base, preparado pela Secretaria Executiva do órgão, atualmente coordenada pela mexicana Alícia Bárcena. As mesas de debate do evento e o título do documento são bem representativos da mudança de paradigma que a CEPAL pretende protagonizar na atual conjuntura latino-americana. O material oferecido pela direção da Comissão denomina-se “A hora da igualdade: brechas por selar, caminhos por abrir”. Dentre as mesas, constavam temas como i) “Políticas macroeconômicas para o desenvolvimento: da experiência adquirida à inflexão necessária”; ii) “Institucionalidade social e trabalhista: chaves para a igualdade de oportunidades e a inclusão social”; ou ainda iii) “Estado, po lítica, fiscalidade e pactos sociais: uma equação por construir”. A íntegra dos documentos podem ser encontrados na página da Comissão em www.eclac.org.
Com isso, pretende-se contribuir para a construção de uma nova abordagem dos fenômenos econômicos e sociais na região, rompendo com a antiga visão hegemônica do Consenso de Washington e das propostas de ajuste agendadas pelo nada saudoso neoliberalismo. Foi-se o tempo em que os representantes dos governos latino-americanos abaixavam a cabeça ou mesmo saudavam as sugestões de privatização das empresas estatais, de desregulamentação da atividade econômica em prol do endeusamento da entidade mágica chamada “mercado”, de liberalização do fluxo de comércio e da conta de capitais, da flexibilização das relações trabalhistas, da implementação da política de Estado mínimo, entre outras.
O extenso documento apresentado para debate pretende realizar um diagnóstico exaustivo da região da América Latina e do Caribe, oferecendo um conjunto de alternativas para superar o impasse que caracteriza a antiga e persistente busca do caminho para a superação das desigualdades verificadas aqui na região.
A síntese do texto é bastante enfática a respeito da mudança de orientação: “Hoje nossos Estados enfrentam um grande déficit de políticas ativas de promoção do desenvolvimento, regulamentação econômica, garantia do bem-estar e provisão de bens públicos. Tal déficit forma parte desta história, mas também responde à secular heterogeneidade estrutural da região, sua modernização à força de desigualdades e sem equidades, aos caminhos ainda por abrir na vida democrática e aos atrasos produtivos endêmicos. Os Estados têm dívidas a saldar como provedores de bens públicos, avalistas da proteção social e promotores da produtividade e do emprego. No entanto, há um consenso crescente quanto ao papel fundamental que cabe ao Estado e às limitações dos mercados para estas tarefas.”
E além disso: “Em síntese, a equação entre mercado, Estado e sociedade que tem prevalecido há três décadas mostrou-se incapaz de responder aos desafios globais de hoje e de amanhã. O desafio é, então, colocar o Estado no lugar que lhe cabe frente ao futuro”.
As principais proposições são definidas no que o texto resume como sendo as seis ações estratégicas de uma Agenda de Desenvolvimento com Igualdade:
i) uma política macroeconômica para o desenvolvimento inclusivo;
ii) a convergência produtiva;
iii) a convergência territorial;
iv) mais e melhor emprego;
v) o fechamento das brechas sociais; e
vi) o pacto fiscal como chave no vínculo entre Estado e a igualdade.
As intervenções das autoridades dos governos nacionais e dos representantes dos organismos multilaterais foram praticamente unânimes em condenar as políticas implementadas nas últimas décadas na região e em escala global, ao tempo em que concordavam com as propostas apresentadas no documento, no sentido de ampliar e consolidar a presença do Estado para a implementação de políticas de inclusão social e redução das desigualdades. As falas iam desde a crítica às propostas de independência dos Bancos Centrais até a necessidade de alterações na volatilidade externa das economias da região (mudança na política cambial e estabelecimento de controle sobre a conta de capital), passando pela necessidade de romper com a dependência crônica dos países latino-americanos em rela ção aos centros mais desenvolvidos e pela necessidade de diversificar a pauta exportadora para bens de maior conteúdo tecnológico, rompendo com o ciclo de exportador das chamadas “commodities” de baixo valor agregado.
A cerimônia de encerramento do encontro foi comandada pelo Presidente Lula, que proferiu um discurso em sintonia com os debates ocorridos ao longo dos dias. Fazendo uma analogia com a comemoração dos 50 anos de fundação da capital brasileira, lembrou que “Brasília é o símbolo do sonho da superação do subdesenvolvimento, que é a razão de ser da CEPAL desde a sua criação. A CEPAL não existiria sem essa razão, já que foi pioneira na denúncia das desigualdades entre o norte desenvolvido e o sul em desenvolvimento”. Além disso, o caso brasileiro foi bastante mencionado ao longo do evento, como exemplo de um resultado positivo da adoção de políticas inclusivas, visando a reduzir as desigualdades e a reforçar o mercado interno, como condição essenci al para a retomada d o rumo do desenvolvimento social e econômico
O grau de convergência com as propostas, que no passado recente eram consideradas “irresponsáveis, populistas e demagógicas” até mesmo por determinadas autoridades econômicas em nosso País, faz plena justiça à memória de Celso Furtado e de seu legado. O economista brasileiro, dirigente da CEPAL desde a fundação do órgão em 1949, simboliza de maneira adequada o conjunto de integrantes da chamada corrente do estruturalismo e da heterodoxia no Brasil, na América Latina e no mundo. Parece demonstrado que sua luta e resistência à tentativa de esmagamento ideológico promovido pelos que se seguiram aos “Chicago boys” não foram me vão. A roda da História não parou e a dinâmica da luta de classes sugere que os caminhos para a construção de uma sociedade mais fraterna e igualitária continuam na ordem do dia.
Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 13 (Nanterre).
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