Sábado, 6 de dezembro de 2025
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Passados os primeiros seis meses do governo Trump 2, já é possível ter uma prévia panorâmica da sua movimentação em direção à América do Sul. Com Marco Rubio na cadeira de Secretário de Estado, os próximos anos prometem ser de fortes rajadas de vento e ondas revoltas neste nosso quadrante do Sul Global. Filho de imigrantes cubanos, Rubio cresceu em Miami alternando entre o inglês e o espanhol para expressar sua militância anticastrista e sua obsessão de derrotar governos de esquerda e progressistas na América Latina. Foi um dos poucos senadores de origem latina que chegaram ao Congresso americano até os dias de hoje. Na liderança da diplomacia dos Estados Unidos na Secretaria de Estado, que pode ser compreendido também como departamento de agressão internacional, Rubio comanda o que os próprios estadunidenses chamam de Doutrina Monroe 2.0.

Mas Rubio e Trump nem sempre foram tão próximos: eles passaram de adversários ferozes nas primárias republicanas de 2016 para aliados e cúmplices estratégicos no atual governo dos EUA. Rubio foi um dos principais concorrentes de Trump nas prévias republicanas de 2016 e era chamado por Trump de “Little Marco” (Pequeno Marco). Derrotado nas primárias, Rubio voltou ao Senado. E foi da trincheira do Capitólio que ajudou a moldar as sanções contra Venezuela, Cuba e Nicarágua nos últimos anos. Sua atuação na Flórida o fez necessário para assegurar os votos do eleitorado cubano, venezuelano e porto-riquenho para os republicanos. Sua convocação para o time ministerial de Trump veio condicionada ao exercício de políticas de linha dura contra governos de esquerda da América Latina, a contenção da China e o combate aos imigrantes como criminosos e indesejáveis em solo dos EUA. Há muito mais pragmatismo do que simpatia e amizade na relação entre os dois.

O secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, saindo do jantar bilateral entre o presidente dos EUA, Donald Trump (à esquerda, de costas) e o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu. <br> (Foto: Daniel Torok / White House)

O secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, saindo do jantar bilateral entre o presidente dos EUA, Donald Trump (à esquerda, de costas) e o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu.
(Foto: Daniel Torok / White House)

Nos últimos meses, a dupla já mostrou suas garras para os governos do Brasil, do Chile, da Colômbia e da Venezuela e seus afagos para os governos da Argentina e do Paraguai na nossa América do Sul. Em relação à Colômbia, a primeira crise foi a de janeiro, com a tentativa de deportação de colombianos de forma indigna e que não foi aceita por Petro, que negou o pouso dos aviões militares dos EUA em solo colombiano. Trump retaliou com aplicação de tarifas de 25% e ameaças de tarifar em 50% os produtos colombianos. Houve negociação e acordo para regularizar o retorno dos colombianos e as tarifas foram suspensas à época. Mais tarde, em abril, o ex-chanceler de Petro, Álvaro Leyva, esteve nos EUA, reunido com assessores de Rubio, para tentar um plano de desestabilização do governo Petro. Embaixadores de parte a parte foram chamados para consultas e os áudios das reuniões estão sendo investigados na justiça colombiana.
Com relação ao Brasil, em abril os EUA impuseram tarifa de 10% sobre nossas exportações para o país do norte e em julho escalaram para surpreendentes 50%, um dia após a reunião de cúpula do Brics+ no Rio de Janeiro. De julho para cá, a retórica tem sido a de que o Brasil vive um regime ditatorial comandado por um Judiciário que persegue politicamente o ex-presidente Bolsonaro. Há clara tentativa de interferir na democracia e na justiça brasileira com a aplicação de sanções individuais a membros do Judiciário, seus familiares e familiares de membros do Executivo, como do ministro da Saúde, Alexandre Padilha, por seu vínculo com o programa Mais Médicos do governo Dilma II, que contratou médicos cubanos. A retórica de Rubio e de Trump tem sido a de ataques e ameaças inéditas ao Brasil, com consequência inclusive para a cooperação militar e suspensão de exercícios militares conjuntos.

Para o Chile, Trump ordenou uma investigação sobre a importação do cobre chileno e recentemente anunciou uma tarifa de 50% sobre produtos semielaborados de cobre, recuando em sua proposta inicial que afetaria mais a enorme exportação chilena. Rubio mandou como Embaixador o ex-membro da Patrulha de Fronteira dos EUA e defensor do muro Brandon Judd. Os EUA também estudam investir no porto de San Antonio, em Valparaíso, para concorrer com o porto de Chancay, de controle chinês, no Peru.

Os ataques mais pesados, como já era de se esperar, são à Venezuela. Em março, Trump ordenou a suspensão das operações da Chevron no território venezuelano, mas voltou atrás em seguida. Rubio incluiu o grupo Tren de Aragua e outras organizações venezuelanas em uma lista de organizações terroristas e utilizou a Lei dos Inimigos Estrangeiros de 1798 para deportar mais de 200 cidadãos venezuelanos dos EUA sob alegação de ameaça ao país. Nos últimos dias, o Comando Sul das Forças Armadas dos EUA enviou três destróieres lançadores de mísseis e cerca de 4 mil militares para as proximidades da costa venezuelana com o argumento de combater o tráfico de drogas e dobrou a recompensa para a captura de Maduro para 50 milhões de dólares.

 Leia também – América Latina: Entre o porrete ianque e o dragão chinês 

Na Argentina, o que vemos é que desde o governo Biden, os EUA estão aproveitando as facilidades e a subserviência do governo Milei para fazer do país uma espécie de base do SOUTHCOM (Comando Sul). Trata-se de um país que garante acesso ao Atlântico Sul e à Antártida, contém recursos críticos com o lítio, gás e água doce abundante, e com um ambiente político favorável para o aprofundamento da cooperação militar. Milei tem promovido um alinhamento aos EUA, em pauta como a saída de organizações multilaterais como a OMS e acordos como o Acordo de Paris, faz o discurso anti-China e insiste em um acordo de livre comércio com os EUA, ao que Trump desvia e propõe facilitação e isenção de tarifas.

Enquanto isso, para o Paraguai, Rubio reservou espaço na agenda para visitar o país neste mês de agosto e assinou memorando de entendimento com o seu homólogo Rubén Ramírez Lezcano para processamento de pedidos de asilo em solo paraguaio, como parte do programa Terceiro País Seguro, e acenou para a entrada do Paraguai no Visa Waiver Program (VWP) que libera visitas sem visto de até 90 dias para turismo e negócios nos EUA. Rubio ainda mencionou a instalação de datacenters no Paraguai, de olho no potencial energético e abundância de água de Itaipu.

Tudo isso com apenas sete meses de governo Trump. Nos próximos textos da coluna devo abordar a reação sul-americana aos ataques.

(*) Ana Prestes é Cientista Política e Historiadora. Escritora. Analista Internacional. Participa dos programas RodaMundo e Outubro na grade do Opera Mundi no YouTube.