Sábado, 6 de dezembro de 2025
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O presidente do Partido Comunista do Chile, Lautaro Carmona, avalia que a candidatura de Jeannette Jara representa a continuidade de um projeto político que unifica a esquerda chilena diante do avanço das forças conservadoras. Em entrevista a Opera Mundi, Carmona defende a importância da unidade dentro da ampla coligação governista e afirma que o governo de Gabriel Boric manteve a “essência progressista”, apesar das limitações impostas pelo cenário político e econômico.

O dirigente também reconhece que a nova conjuntura exige mudanças e maior precisão nas propostas, diante de desafios como a descentralização do Estado e o crescimento do crime organizado. Para Carmona, o papel da esquerda é renovar o diálogo com a cidadania e reafirmar um projeto de transformações democráticas e sociais.

Leia a entrevista de Opera Mundi com Lautaro Carmona na íntegra: 

Opera Mundi: como está a unidade na coligação governista após as primárias de junho? Todos os setores estão apoiando a candidatura de Jeannette Jara?

Lautaro Carmona: veja, eu acredito que é um grande feito, pois há todos os desafios que implica uma coligação de nove partidos, cada um com sua identidade, do ponto de vista político, sua localização, sua história. Entre os nove partidos, há um que não faz parte da coligação do atual governo, que é o Partido Democrata Cristão. Com a incorporação do Partido Democrata Cristão, resta esta expressão de aliança para enfrentar uma batalha político-eleitoral inédita no Chile, a mais ampla, como muitos dizem, ou seja, da esquerda para o centro, do centro para a esquerda, onde cada partido tem a sua história, seja ele grande ou pequeno.

Como será avaliado o Partido Comunista no governo de Gabriel Boric, tendo em conta que agora quem lidera a candidatura do partido no poder é Jeannette Jara? Qual é a sua avaliação?

Bem, eu diria que o governo de Gabriel Boric tem uma avaliação, imagine, de um partido que, após o ano de 1973, passa a se incorporar com uma titularidade mais plena. Digo isso porque passamos pelo governo da Nova Maioria, liderada pela presidente Michelle Bachelet, que teve muitas considerações que nós, como partido, valorizamos, mas cuja coligação trazia a sua própria história. Foi um governo que se construiu no segundo turno.

No primeiro turno, não resolvemos a questão da eleição; [José] Kast até ganhou no primeiro turno. Então, para ganhar o governo, foi preciso fazer uma ampliação para o setor que vinha da Concertação, que tinha feito a sua própria proposta e que, portanto, tinha as suas próprias prioridades do ponto de vista político. E, quando se faz uma convergência no segundo turno, todos já sabem que são mais necessitados, que têm uma expectativa de conotar e determinar, digamos, que a contribuição, a incorporação será com base em tais ou quais coisas programáticas. Isso fez a diferença, mas sobreviveu, na minha opinião, a essência, a alma da ideia progressista, a ideia de uma força que colocava, digamos, um presidente — o mais jovem que a história do Chile já teve — e com um grande peso da esquerda na origem. Mas isso gerou um quadro que não estava previsto de como proceder com as propostas do governo, quando são governos de quatro anos. Este desafio de que estou falando era aos seis meses, ou seja, já são três anos e meio.

Mas não há dúvida de que, dado o momento político — ou seja, o crescimento da direita, sua instalação neste país e em países vizinhos, como uma corrente que já vai além do Chile —, a forma como nós, como governo, enfrentamos isso é o que permitiu, digamos, a manutenção de ideias progressistas, transformações, mudanças. As mudanças realizadas, como, por exemplo, a reforma das pensões ou outras em benefício dos trabalhadores — como o salário mínimo, a questão das 40 horas etc. —, além de legislações relacionadas aos trabalhadores e outras definidas, como a dos royalties do cobre, enfim, mostram que, no meio disso, este governo avançou com políticas progressistas. Não todas as que imaginávamos, porque o mundo mudou, mas sim, apesar de tudo, insistindo em mudanças a favor de ideias avançadas.

Então, qual seria a diferença entre um eventual governo de Jeannette Jara e este governo? E também quais são, concretamente, as suas principais propostas para esse novo governo?

Os temas são sempre colocados com base na contradição e, portanto, na correlação de forças que é preciso construir — e para quê. Quando fomos para o primeiro turno, na vez anterior, pudemos dar a possibilidade de duas listas do setor competirem: a nossa e a que representava os setores da Concertação, e nos unirmos em um segundo turno. A direita fez algo semelhante, mas, eu diria, desconsiderou a força que tinha o candidato mais à direita, Kast, e ele passou para o segundo turno. Nesta ocasião, ele é tão forte que aumentou o risco de que políticas de direita sejam impostas, o que não deu nenhuma possibilidade de que todos se unissem em torno de uma candidatura que enfrentasse, com sucesso eleitoral, essa direita. Sempre há coisas que, no mundo progressista, são de continuidade, mas aqui também é muito evidente que devem haver mudanças em algumas políticas.

E, especificamente, quais seriam essas mudanças?

Eu diria que há, por exemplo, debates sobre como avançar e concluir o processo de descentralização do país. Eu entendo isso como um processo democrático, porque aproxima as decisões da base cidadã. Então, há uma questão de pressão, expectativa e exigência sobre o universo que constitui a soberania cidadã. Nós, que fomos o setor que viveu uma distância desses novos eleitores, poderíamos achar que o ideal seria voltarmos ao voto voluntário. No entanto, nós, como força política, fomos os que lutamos desde a origem do Estado chileno pelo direito ao voto como mecanismo de soberania democrática. Para que haja soberania, todas as pessoas que estão em condições potenciais de pertencer, pertencem.

A história do movimento popular sempre foi a história de lutar para ampliar e conquistar espaços democráticos para o conjunto da sociedade. Hoje temos que abordar isso com a ingratidão de que uma parte pode estar distante porque sua não participação eleitoral — que é média em muitos países do mundo — não é fácil de ler, sendo resultado de uma insatisfação com aqueles que exercem as tarefas de poder dentro do Estado. Ou seja, há uma frustração, uma expectativa de que o Estado resolva mais coisas e não o faz. E, então, há um julgamento crítico contra aqueles que estão, nesse momento, exercendo as tarefas do poder. Mas tenho confiança de que esse mundo, que é um mundo de trabalhadores, não é um mundo de elite, e que, se houver perseverança da nossa parte em explicar bem as propostas, os conteúdos e saber convidar, haverá uma conduta a favor dos seus próprios interesses.

Jeannette Jara e Lautaro Carmona

Jeannette Jara e Lautaro Carmona
Reprodução / @lautaro.carmona.soto

Esses interesses devem coincidir com as maiorias. Há também uma diferença importante: agora se exige das propostas presidenciais mais precisão política em relação a setores que antes talvez não aparecessem muito e, como não eram sujeitos ativos na questão eleitoral, não eram muito levados em conta, mas agora estão muito presentes. Houve uma mudança cultural negativa nos últimos tempos no que diz respeito à convivência das comunidades, que está sendo violentamente afetada pelo crime organizado e pelo narcotráfico. Isso não existia na eleição passada, não nessa dimensão. Trata-se de um acúmulo histórico que vem de muitos anos e que atinge uma nova escala, inclusive de transcender países — uma grande dor de cabeça para qualquer governo. Quando o narcotráfico e o crime organizado se instalam, o poder factual se instala: o poder que é capaz de decidir pela via dos fatos. E, bem, é preciso lutar contra isso, e isso é um processo. A primeira reação é considerar responsabilidade daqueles que estão exercendo o poder. Acredito que, nesta ocasião, se não assumirmos isso como uma transversalidade maior, pode se instalar, sem reversão, um flagelo que é um atentado contra qualquer convivência.

Sobre o tema constitucional que mencionou: Jara tem alguma proposta sobre este tema ou a esquerda chilena já o abandonou? Como vê isso?

Veja bem, como setor, está sendo proposto explicitamente pela candidata presidencial que isso não será uma prioridade. Seja qual for o argumento sobre haver ou não uma nova ideia constitucional, acredito que o desafio é que mudanças do ponto de vista constitucional são necessárias para levar adiante as políticas públicas comprometidas, e isso dirá qual seria o mérito de tal ou qual opção de mecanismo. Por enquanto, a candidata foi explícita ao afirmar que um processo constitucional não está na ordem do dia.

Caso Jara vá ao segundo turno, onde ela pode encontrar os votos se grande parte dessas candidaturas direitistas provavelmente se alinharem?

Há uma parte não desprezível da cidadania que decide por si mesma qual opção escolher e que se poderia imaginar que boa parte dela vote em candidaturas que sabemos serem de direita, mas que se apresentam ao eleitorado como populistas e, portanto, a favor de mudanças que poderiam beneficiar os mais desfavorecidos. Há, então, o desafio de abordar esse eleitorado com uma proposta muito concreta, mas com uma argumentação de ideias muito convincente.

E esse será o grande desafio dos que trabalham na candidatura de Jara, já que vamos para um segundo turno e, então, as coisas em jogo são mais sensíveis: quais são as medidas que vamos propor e quais os mecanismos e as formas com que vamos explicá-las.

Como o Partido Comunista vê o uso do caso de Daniel Jadue na campanha?

Acho que há pessoas interessadas em tirar proveito e fazer uma interpretação que as beneficie. São as regras do jogo das batalhas eleitorais: cada um faz de um ponto o todo, transforma o erro em política e tenta desacreditar Daniel não só porque ele pode ter um papel importante ou não num curso maior, mas porque, se ele, por exemplo, conseguisse resolver as questões que o limitam a ser candidato ou mantivesse sua missão e sua referência, isso constituiria uma contribuição de uma visão política comprometida com a esquerda que transcende o núcleo comunista — e isso, para alguns, parece obviamente afetá-los. O mesmo aconteceria com quem afirmar que a direita, neste momento, está desacreditada para ser candidata num distrito.

Em uma entrevista recente, você disse que uma vitória de Jeannette Jara ser um triunfo somente do Partido Comunista seria um erro político. Acredita que parte da coligação ainda age com lógicas de apropriação política das candidaturas?

Este é um debate antigo no mundo da esquerda, porque querem atribuir-nos que o governo é dos comunistas, porque lhes parece melhor afirmar isso — e não é verdade. Imaginar que o governo é dos comunistas é pensar que os oito partidos não fazem nada. E aqui há uma máxima na construção da unidade: todos são necessários, ninguém é supérfluo. A diversidade é uma qualidade, não um defeito. Trabalhemos esses conceitos, tornemo-los vitais, e todos ficaremos tranquilos. Haverá outras razões que aconselhem que tal ou tal desempenhe um papel que não seja o que deriva, por exemplo, da compulsão de uma bancada definida pela soberania cidadã. As missões específicas são definidas pela pertença, pelo olhar e também pela capacidade de construir unidade. É complicado entrar num partido — quanto mais entre partidos diferentes —, mas, bem, é para isso que serve a política: para que essas complicações sejam enfrentadas e resolvidas.