Sábado, 6 de dezembro de 2025
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Faltam apenas 15 dias para as eleições Legislativas que vão definir a conformação do Congresso argentino para a segunda metade do mandato do presidente de extrema direita Javier Milei. As diferentes frentes de crise enfrentadas pela Casa Rosada indicam um panorama que pode levar o governo a uma derrota ou pelo menos a um resultado bem menos favorável ao planejado meses atrás.

Para além do escândalo de corrupção envolvendo sua irmã Karina Milei [que também exerce o cargo de secretária-geral da Presidência] e do recente caso de um aliado e ex-candidato ao parlamento que desistiu da campanha após ser descoberta sua ligação com um empresário do narcotráfico, o atual mandatário também enfrenta uma situação econômica que a economista argentina Margarita Olivera classifica como “insustentável”.

“Para conter a inflação, a estratégia de Milei foi evitar a desvalorização do peso a qualquer custo, junto com uma forte política de austeridade, mas os investimentos não chegaram e a saída de dólares do país continua pressionando o mercado dia após dia, sobretudo por meio do chamado carry trade. Nas últimas semanas, para evitar que o valor do dólar superasse os 1,5 mil pesos, o governo interveio no mercado cambial com somas muito elevadas, entre 250 e 800 milhões de dólares por dia”, conta a economista, que é professora do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE/UFRJ).

Olivera lembrou que, nesta semana, o governo dos Estados Unidos prometeu entregar um swap de US$ 20 bilhões à Argentina, medida que veio junto com uma intervenção direta no país do secretário do Tesouro norte-americano, Scott Bessent.

“Isso tudo demonstra o caráter desesperador da situação em que a Argentina está hoje. A expectativa é que, com esse novo swap, seja possível evitar o pior até o dia da votação. Agora, o que acontecerá após o 26 de outubro é o grande problema”, adverte a acadêmica da UFRJ.

Leia a íntegra da entrevista com a professora Margarita Olivera:

Opera Mundi: Como o caso de corrupção envolvendo Karina Milei, e agora o recente caso de José Luis Espert, afetaram a imagem de um presidente que se elegeu com discurso “contra as castas”?

Margarita Olivera: Desde a campanha de Milei em 2023, seu discurso foi o de combate à “casta política”, de combate ao peronismo e também de combate à corrupção. Acho importante entender que o eleitorado dele é muito diverso. Ele se elegeu com um voto jovem, cooptado pelo discurso da antipolítica e fortemente afetado pela pandemia, que abraçou rapidamente as bandeiras liberais em um mundo que se apresentava através das lentes distorcidas e individualistas das redes sociais e de um capitalismo cada vez mais selvagem e predatório, fundamentado na meritocracia.

O discurso anti-Estado e modernista dos “criptobrothers” atraiu as juventudes de classe média, sobretudo masculinas. Mas também alcançou as camadas jovens mais pobres, atraídas por promessas de salários dolarizados. Além disso, Milei reuniu um eleitorado mais velho e, sobretudo, os setores antiperonistas, que antes estavam melhor representados por Mauricio Macri, mas que viraram mileístas, após o fim do governo macrista e sua imagem negativa. Milei representava o novo, no entendimento de seus eleitores e apoiadores.

Desde o início, apareceram indícios de corrupção, a começar pelos casos de venda de cargos durante a eleição. Também foram denunciados casos de cobrança de milhares de dólares para conseguir uma reunião com Milei, ao melhor estilo Trump. E, no final, a tal “casta política” que ele supostamente combatia terminou dentro do governo, por meio das alianças com o partido PRO [Proposta Republicana, de Mauricio Macri].

Um véu foi colocado sobre o fato de que Luis Caputo, atual ministro da Economia, já havia sido ministro de Macri e fora responsável por trazer de volta o Fundo Monetário Internacional (FMI) à Argentina, com uma dívida gigantesca. Ou de que Patricia Bullrich, à frente do Ministério da Segurança, e que já havia passado por quase todos os governos não peronistas.

A justificativa era acabar com a inflação e para isso se instalou a retórica de que o problema era o Estado, por seus gastos, pela emissão monetária, pela corrupção, e que se resolvia com “motoserra”, que foi a alusão a um profundo corte desse gasto público. Assim, quando veio à tona o escândalo da propina cobrada pela irmã do presidente, Karina Milei, em compras de medicamentos e insumos pela Agência de Deficiência, houve um forte efeito sobre sua popularidade.

Karina é apelidada de “El Jefe” na Argentina, devido à sua forte influência sobre o irmão presidente. O caso marcou o início do desconforto entre jornalistas que o apoiavam militantemente desde o começo do governo, e também entre parte do eleitorado.

O escândalo de Karina Milei se referia a uma propina de 3% sobre o valor dos medicamentos, e isso repercutiu no resultado de uma eleição que, na prática, era de pouca importância [para o Parlamento regional da Província de Buenos Aires], mas que passou uma mensagem muito forte: o peronismo ainda está vivo e o eleitorado não gostou do escândalo envolvendo a irmã do presidente A imagem negativa do governo começou a crescer. Perderam por 14 pontos uma eleição na qual eles acreditavam [e previam] que haveria uma vitória por vários pontos.

Nos atos de Milei pelo país, por conta da campanha eleitoral, começaram a surgir vozes dissidentes e expressões de raiva contra o governo. Assim, chegamos à semana passada, quando surgiu a notícia de que Espert, primeiro candidato a senador nacional pela Província de Buenos Aires [a principal província em disputa], que é amigo e foi financiado eleitoralmente pelo chefe do narcotráfico Federico “Fred” Machado, que tem um pedido de captura nos Estados Unidos.

Depois de vários dias, e várias mudanças de discurso, Espert finalmente retirou sua candidatura e agora está sendo investigado. Um detalhe interessante é que na Argentina o voto ainda é impresso e na cédula aparecem os rostos do primeiro e do segundo candidatos. Por isso, é altamente provável que, na eleição para senadores nacionais pela província, a boleta ainda traga o rosto do candidato ligado ao narcotráfico, que renunciou a três semanas do pleito. Portanto, será difícil imprimir novas cédulas em cima da hora.

Por que Milei está pedindo um novo resgate financeiro aos Estados Unidos, depois do que ele já obteve do FMI em março deste ano? Quão problemático pode ser esse movimento de acúmulo de dívidas?

A situação econômica da Argentina é insustentável. A restrição externa e a crise do balanço de pagamentos são uma realidade de longa data. Nos governos anteriores, uma das formas de reduzir a pressão sobre o tipo de câmbio era por meio da limitação do acesso à compra de dólares, tanto por pessoas físicas quanto jurídicas.

A inflação argentina, a meu ver, está muito mais atrelada aos movimentos do preço do dólar [pass-through] do que ao gasto público. A situação se agravou a partir da dívida externa com o FMI, assinada pelo governo Macri em 2018 – o maior empréstimo da história do Fundo, de 50 bilhões de dólares – devido aos pesados vencimentos e juros.

Para conter a inflação, a estratégia de Milei foi evitar a desvalorização do peso a qualquer custo. Além disso, implementou uma forte política de austeridade: demitiu cerca de 48 mil trabalhadores do setor público, reduziu despesas com saúde, educação e pesquisa, congelou salários do Executivo e aposentadorias, e abriu as portas ao investimento externo [privatizações, fusões etc] por meio do que se chamou de Regime de Incentivo aos Grandes Investimentos (RIGI).

No entanto, os investimentos não chegaram e, apesar da queda das importações – provocada pela recessão econômica –, as exportações continuam insuficientes para sustentar o peso da dívida externa em dólares e manter a taxa de câmbio nos atuais níveis. O governo tentou ainda uma operação bastante controversa ao permitir a legalização de recursos das poupanças em dólar não bancarizadas sem exigir comprovação da origem dos fundos, e mesmo essa medida não foi suficiente.

A saída de dólares continua pressionando o mercado dia após dia, sobretudo por meio do chamado “carry trade”. Nas últimas semanas, para evitar que o valor do dólar superasse os 1,5 mil pesos, o governo interveio no mercado cambial com somas muito elevadas, entre 250 e 800 milhões de dólares por dia.

Nesta semana, tivemos o pedido do swap prometido por Trump, de 20 bilhões, e uma histórica intervenção direta dos Estados Unidos no mercado cambial argentino: nesta quinta (09/10), o secretário do Tesouro norte-americano, Scott Bessent, comprou pesos no mercado por 100 milhões de dólares. Isso tudo demonstra não apenas a aliança geopolítica de Milei, mas também o caráter desesperador da situação.

Com o empréstimo de 20 bilhões de dólares concedido pelo FMI em abril, esperava-se que o governo poderia chegar até as eleições sem maiores problemas, mas o valor não foi suficiente. Hoje, a expectativa é que, com esse novo swap, seja possível evitar o pior até o dia da votação. Agora, o que acontecerá após o 26 de outubro é o grande problema.

Governo de Javier Milei enfrenta diferentes crises políticas na Argentina
Revista Caras y Caretas

Qual é a real situação da economia argentina atualmente? Eram corretas as análises que alguns economistas faziam no começo do ano sobre um suposto sucesso no controle da inflação?

Durante o segundo ano do governo Milei, a inflação começou a desacelerar, embora ainda esteja longe de parar. No mês passado, a inflação geral foi de 1,9% ao mês e de 3,5% no setor de alimentos. No entanto, essa desaceleração ocorreu em um contexto de forte retração econômica.

A indústria continua em crise e os níveis salariais permanecem abaixo da inflação. Ou seja, a inflação desacelerou, mas a que custo? Há uma parcela da população que está relativamente bem – sobretudo aqueles que conseguiram manter empregos com altos salários no setor privado formal. Porém, servidores públicos, aposentados, professores e médicos vivem uma situação terrível: muitos passaram a fazer apenas uma refeição por dia ou a “pular as catracas” no trem e no metrô por não terem dinheiro para pagar o transporte.

Por outro lado, os preços estão tão altos em dólares. Por isso, para muitos argentinos, acaba sendo mais barato viajar ao Brasil nas férias, o que colocou o setor de turismo interno em crise.

Assim, a inflação desacelerou [estima-se que feche o ano em torno de 42%], mas a que custo? E, sobretudo, por quanto tempo essa estabilidade relativa poderá durar?

Seria exagerado comparar o cenário atual com o da crise do corralito no Ano 2000, ou supor que ele poderia derivar em uma reação popular semelhante caso este panorama se agrave?

Não acho que seja exagero: de fato, estamos diante de uma situação extrema. Se nada mudar, o novo swap vai deixar de sustentar o tipo de câmbio e as pressões pela desvalorização serão gigantescas. Nesse contexto, somado ao descontentamento do próprio eleitorado e à situação de fome e desespero de parte da população, qualquer coisa pode acontecer.

Além disso, ainda não sabemos quais foram os compromissos assumidos por Milei com os Estados Unidos em troca do swap, do empréstimo e das intervenções no mercado cambial. O fato de ele ter se posicionado abertamente a favor de Netanyahu, durante esta semana, dá a medida do tipo de alinhamento, mostra o que Milei é capaz de fazer para manter essa aliança.

A duas semanas das eleições legislativas, qual é o cenário que as pesquisas mostram? Milei pode vencer? O peronismo/kirchnerismo pode se recuperar? Alguma outra força pode surpreender?

Com relação ao resultado das eleições, ele pode ser um pouco enganoso. O peronismo não apresenta listas em todos os distritos, o que pode fazer com que, em números totais, o partido governista A Liberdade Avança obtenha resultados não tão negativos e apareça como a principal força política. Ainda assim, um resultado próximo de 40% pode ser interpretado como um desempenho ruim.

Atualmente, além do Força Pátria [coalizão peronista], o único movimento com alguma projeção é o Províncias Unidas, que reúne seis governadores do país, mas que não é uma força significativa para vencer a nível nacional. Além disso, o PRO acabou se alinhando ao partido de Milei na maioria dos distritos eleitorais.

Mais do que o resultado geral, será decisivo o que acontecer na Província de Buenos Aires, principal espaço de disputa política.

A figura do governador Axel Kicillof tem se fortalecido desde a vitória nas eleições da Província de Buenos Aires, em setembro. Ele se tornou o principal rival de Milei pensando em 2027, ou há outros nomes?

Acredito que o peronismo tem chances de se recuperar e se reorganizar pensando em 2027. Ainda assim, é preciso observar como o partido vai se reestruturar internamente, e se vai se consolidar a candidatura de Kicillof para 2027.

Sobretudo, será preciso ver o que acontecerá com a economia e as decisões de Milei, que, por enquanto, mantém uma postura altamente controversa, fazendo shows de rock enquanto os escândalos de corrupção se multiplicam e o descontentamento popular aumenta.