Risco nuclear persiste, mas ameaça vem da OTAN e não do Irã, afirma acadêmico
A Opera Mundi, Taimūr Rahmān falou das capacidades nucleares e relações diplomáticas no Oriente Médio; leia entrevista completa
O marco dos 80 anos do lançamento das bombas atômicas contra Hiroshima e Nagasaki na Segunda Guerra Mundial ocorreu na mesma semana em que as tensões entre os Estados Unidos e a Rússia aumentaram, com o deslocamento de submarinos nucleares norte-americanos.
Para Taimūr Rahmān, professor da Universidade de Ciências Administrativas de Lahore (LUMS), do Paquistão, o fato de Teerã não estar presente nas últimas notícias sobre guerra nuclear decorre da mesma justificativa que o próprio governo iraniano usou para se defender e denunciar a ofensiva de Tel Aviv e Washington: “não há evidências de que o Irã tenha armas nucleares”.
“É sempre possível que haja uma guerra nuclear, mas não no que diz respeito ao Irã. E embora Israel tenha armas nucleares, um conflito nuclear é possível se a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) decidir entrar em guerra com a Rússia ou com a China, e as armas nucleares poderiam ser utilizadas por ambos os lados”, afirmou a Opera Mundi.
Na análise de Rahmān, “até mesmo Trump queria que a guerra [deflagrada por Israel e EUA contra o Irã em junho passado e teve a duração de nove dias] acabasse rapidamente porque o Irã não possui armas nucleares”.
Além das possibilidades de uma guerra nuclear, Rahmān conversou com Opera Mundi sobre a retaliação iraniana contra Israel e os EUA, as capacidades nucleares do Paquistão, relações diplomáticas no Oriente Médio e a mais recente guerra entre Islamabad e a Índia após as tensões na Caxemira.
Confira a entrevista completa:
Opera Mundi: professor Rahmān, como podemos entender o conflito entre Israel e o Irã que ocorreu em junho? O que levou Israel a realizar esse ataque?
Taimūr Rahmān: parece que Israel tem uma estratégia de longo prazo desde o 7 de outubro [de 2023, quando iniciou o genocídio na Faixa de Gaza após ofensiva do Hamas] para, em suas palavras, “neutralizar” qualquer tipo de oposição que possa se desenvolver na região. Isso inclui em primeiro lugar as operações em Gaza, que como o mundo pode ver agora, resultaram em fome em massa, morte e destruição, matando milhares de pessoas.
Além disso, acho que Israel trabalha para derrubar o governo da Síria e já tomaram certas partes do território sírio como regiões tampão, estendendo seu controle desde as Colinas de Golã. Como parte dessas operações também invadiram e atacaram o Líbano e o Hezbollah, a costa de Malta, os houthis no Iêmen e agora o ataque final foi contra o Irã. E em sua própria avaliação, dizem continuamente que toda a resistência dentro de Israel é contra Teerã.
Israel alegava lutar contra as capacidades nucleares do Irã. Você concorda com essa justificativa?
Não, não concordo com essa justificativa. Porque, como a Agência Internacional de Energia Atômica (AEIA) deixou claro, eles não têm nenhuma prova de que o Irã esteja sistematicamente caminhando para a obtenção de armas nucleares.
Portanto, não há evidências de que eles tenham armas nucleares, é apenas uma alegação feita por [Benjamin] Netanyahu que ninguém foi capaz de verificar. Netanyahu faz essa alegação desde 1996 e ela não se baseia em nenhuma informação nova, mas serve apenas para justificar mais uma invasão contra outro país do Oriente Médio, porque esse é o plano lançado a partir de 7 de outubro.
Teerã pode desenvolver seu arsenal nuclear, mesmo após os ataques realizados pelos Estados Unidos contra as usinas nucleares do Irã?
Acredito que como qualquer país, se o Irã quisesse construir armas nucleares, seria capaz de fazê-lo. O Paquistão tem armas nucleares, por exemplo, e os cientistas iranianos são tão bons quanto os cientistas paquistaneses. Portanto, se os paquistaneses podem construí-las, tenho certeza de que os iranianos também podem.
Contudo, acho que eles optaram por não construir uma arma nuclear e falaram muitas vezes explicitamente sobre isso. Teerã usa sua tecnologia nuclear para gerar energia, mas não acho que haja qualquer evidência de que eles tenham armas nucleares. Mas se quisessem construir armas nucleares, tenho certeza de que poderiam fazê-lo.
E os ataques dos EUA não foram eficazes em nenhum sentido, eles são mais simbólicos do que eficazes. Esse tipo de dano não é tão significativo, eles podem facilmente reconstruir os bunkers e prédios. E sim, Israel assassinou vários de seus cientistas e líderes militares, mas o próprio Irã demonstrou repetidamente que possui um vasto recurso tanto de cientistas quanto de líderes militares. Portanto, os danos que sofreram não são irreparáveis, na minha opinião.
Como você avalia a resposta do Irã a esses ataques dos EUA e de Israel? Você acha que foram suficientes?
Sim, acho que a resposta do Irã foi suficiente e que eles fizeram o melhor que podiam nas circunstâncias. Seu objetivo principal era se defender contra esses ataques e eles conseguiram fazer isso.

Guerra nuclear é um risco que vem do Ocidente, defende especialista
USN / Wikimedia Commons
O governo Trump atacou efetivamente o Irã, mas não envolveu as capacidades nucleares de seu próprio país. Por quê?
Não acho que seja uma questão de medo, mas atacar o Irã com uma bomba nuclear seria percebido pela comunidade internacional como uma ação completamente desproporcional. O Irã não atacou Israel. A situação em Israel é causada por suas próprias ações, não por causa do Irã. Então, culpar o Irã dessa maneira específica não faz sentido e bombardeá-los com uma arma nuclear seria um absurdo que eu acho que nem mesmo Trump cometeria, porque as pessoas ficariam horrorizadas com tal ação.
Como estão as relações entre o Paquistão e o Irã? Sabemos, por exemplo, que em janeiro de 2024, Islamabad e Teerã trocaram ataques e as fronteiras foram fechadas, mas agora o Paquistão condenou a ação de Israel. O Paquistão é aliado do Irã contra Israel?
Bem, a opinião pública no Paquistão é totalmente a favor do Irã, especialmente considerando que Israel basicamente cometeu atos de genocídio contra os palestinos. E esse é o caso desde a classe trabalhadora até o governo.
E sim, houve um incidente entre o Irã e o Paquistão há algum tempo. O Irã não só atacou certos alvos no Paquistão, mas também atacou na Síria e no Iraque, mas logo depois o Irã e o Paquistão voltaram a se entender. Não acho justo dizer que o Paquistão é um aliado do Irã nesse sentido, mas sim dizer que o Paquistão não quer ver o Irã atacado nem pelos Estados Unidos, nem por Israel.
O governo paquistanês forneceria suas bombas nucleares ao Irã para fins de defesa?
Não as forneceria ao Irã. Isso é muito improvável porque se o Paquistão fizesse isso, seria acusado de proliferação nuclear, e o Islamabad já tomou ações para convencer a comunidade internacional de que não está envolvido em nenhuma forma de proliferação nuclear. Entre outras medidas, colocou o chamado ‘pai da bomba nuclear paquistanesa’, Abdul Qadeer Khan, em prisão domiciliar. Portanto, o Paquistão não é um Estado que se envolveria em proliferação nuclear e o governo deixa isso muito claro.
Falando sobre o recente conflito entre a Índia e o Paquistão. Um cessar-fogo foi anunciado em maio, mas o primeiro-ministro indiano Narendra Modi conversou com o presidente dos EUA, Donald Trump, em junho e disse que a Operação Sindoor, como foi chamada a ofensiva indiana, ainda está ativa como uma “guerra contra o terrorismo”. Como você avalia isso?
Para eles, a operação Sindoor tem duas partes diferentes. Algumas partes são internas à Índia no que diz respeito à Caxemira e essas estão ativas, com certeza. A Índia também planejava atacar alvos dos [grupos paquistaneses considerados terroristas] Lashkar-e-Taiba e Jash-e-Muhammad, e isso rapidamente se transformou em uma guerra entre a Índia e o Paquistão. E, de acordo com Trump, escalou a uma guerra nuclear e ele disse várias vezes que impediu esse conflito nuclear. Portanto, acho que qualquer ataque da Índia ao Paquistão é uma ideia muito, muito ruim, e tais ataques podem rapidamente se transformar em uma guerra total ou até mesmo em uma guerra nuclear.
E pensando nesse aspecto espero que a operação Sindoor tenha sido permanentemente colocada em espera. Contudo Modi continua dizendo que o “novo normal” entre a Índia e o Paquistão é que qualquer ataque terrorista na Caxemira será considerado um ato de guerra pelo Paquistão e trará retaliação da Índia. Mas essa é uma declaração que, na minha opinião, cria uma situação muito perigosa entre os dois países, pois significa que qualquer grupo terrorista pode, por conta própria, iniciar uma guerra entre os dois países. Portanto, acho que a Índia precisa considerar seriamente o que está sendo chamado de novo normal.
Como esse conflito afetou a sociedade paquistanesa?
Essa guerra remonta à partição de 1947, quando a Índia e o Paquistão foram criados. A Caxemira tornou-se uma questão controversa entre os dois Estados na época. E, de tempos em tempos, a região tem sido usada especialmente pelo Estado paquistanês para estimular sentimentos nacionalistas. Mas, francamente, neste período específico, o que vemos no Paquistão é que não há vontade de uma guerra com a Índia.
Os paquistaneses têm visto muita retórica nacionalista ao longo das gerações, além de um nacionalismo anti-indiano muito forte dentro do Paquistão. Mas nesta geração os paquistaneses sentem que temos muitos problemas próprios para resolver e não queremos uma guerra com a Índia a qualquer custo. Não somos assim e isso não é algo que as pessoas desejam.























