'Padrão da política externa de Trump é a chantagem', afirma professor da UnB
Para Roberto Goulart Menezes, EUA estão mirando as eleições brasileiras de 2026
A guerra tarifária promovida por Donald Trump mostra ao mundo que os Estados Unidos neste momento não são um parceiro comercial confiável. É o que analisou o professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) Roberto Goulart Menezes.
A Opera Mundi, Menezes apontou que o padrão na política externa norte-americana é hoje “comandada pela chantagem e pela extorsão de seus parceiros comerciais”. À frente do Núcleo de Estudos Latino-Americanos (NEL), o docente apontou como um ataque a cobrança de taxas de 50% sobre os produtos brasileiros.
Membro do Instituto Nacional de Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-INEU), Menezes explicou que ante uma política comercial baseada na chantagem, ele “tende a ir por fora das normas acordadas pelas instituições”, daí o uso de subterfúgios como vincular o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro às tarifas de 50% impostas sobre os produtos brasileiros.
“Trump não está mirando apenas a questão do Bolsonaro, mas antecipando o ativismo que os Estados Unidos deverão ter nas eleições brasileiras de 2026”, disse.
Confira a entrevista na íntegra:
Opera Mundi: Roberto, como avalia a guerra tarifária de Donald Trump?
Roberto Goulart Menezes: nós estamos vivenciando uma política externa agressiva por parte dos Estados Unidos. Donald Trump agora conhece a máquina do Estado e fez, neste semestre, muito mais do que realizou em dois anos do primeiro mandato. Três áreas estratégicas mobilizaram sua política externa: o relacionamento com a China, a área de segurança internacional, em particular a Guerra da Ucrânia, e o Oriente Médio.
Em 2017, Trump foi o primeiro a afirmar que a China era inimiga dos Estados Unidos, o que foi chancelado pelo governo Biden em sua estratégia de Segurança Nacional, em outubro de 2022. Mais recentemente, ele bombardeou o Irã, no contexto da guerra daquele país com Israel. Ele está levando a agressividade de sua política externa para a política comercial.
Isso se manifesta a partir de um unilateralismo muito forte guiado por uma lógica de chantagem. Ele tenta extorquir os países, esse é o padrão de sua atuação. Para isso, tende a ir por fora das instituições, sejam elas multilaterais ou mesmo norte-americanas. Em vez de apresentar diretamente os interesses do seu país, Trump utiliza subterfúgios como vincular a questão do ex-presidente Jair Bolsonaro às tarifas de 50% impostas sobre os produtos brasileiros.
O Brasil no primeiro momento recebeu 10% de taxação, agora são 50%. O que está por trás desse aumento?
Trump não está mirando apenas a questão do Bolsonaro, mas antecipando o ativismo que os Estados Unidos deverão ter nas eleições brasileiras de 2026. A Embaixada do país no Brasil publicou nas redes sociais que é uma vergonha a perseguição contra Bolsonaro pela Justiça brasileira. Isso não é apenas Trump, mas uma ordem do Departamento de Estado norte-americano que instruiu a embaixada a reverberar sua chantagem.
O Brasil não pode deixar isso transbordar do campo comercial para o campo político eleitoral porque o Trump quer bagunçar as eleições para colocar no poder alguém que tenha um alinhamento incondicional aos Estados Unidos. O segundo objetivo é o BRICS e mandar um sinal claro de que o Brasil deve se distanciar da China. O terceiro objetivo é pressionar Brasil, Índia e China a contribuir para que [Vladimir] Putin negocie os termos de uma resolução do conflito Rússia-Ucrânia/OTAN/EUA.
A investigação sobre as relações comerciais preocupa?
É muito preocupante porque isso tem base na legislação, nas sessões 232 e 301. A sessão 301 foi criada em 1974. Através dela, eles podem retaliar os países, rompendo acordos unilateralmente e invocando a defesa nacional, como estão fazendo em relação à propriedade intelectual. Esse tipo de contencioso preocupa porque afirma, mesmo sem base legal ou factual, que o país tem práticas ilegais. A partir da investigação, no entanto, pode vir um relatório mais fundamentado, apresentando como o Brasil fere os direitos e quais prejuízos isso implica, recomendando tais decisões e tais sanções.
Isso pode se arrastar por um tempo maior, atingindo setores específicos, com a promulgação de retaliações cruzadas, uma prática comercial muito usada pelos Estados Unidos. Por exemplo, eles podem alegar práticas injustas no setor do etanol, muito mais competitivo do que o metanol (a partir do milho) norte-americano. Em vez de apenas deixar de importar o etanol brasileiro, eles podem sobretaxar o etanol compensando em outros setores.
Eles estão atacando o sistema de pagamento de PIX, que não é de interesse de operadoras dos cartões de crédito norte-americanas. Podem pegar este ou outros setores da economia brasileira, por exemplo. Além disso, a Embraer já afirmou que se as taxas se mantiverem neste patamar, os custos das exportações aumentariam em R$ 20 bilhões, o que tornaria inviável as negociações.
Trump alega que a guerra comercial visa beneficiar os Estados Unidos, isso procede?
O que exportamos para os Estados Unidos representa entre 12% a 15% das exportações brasileiras. Nesse bojo, temos 25% de produtos manufaturados ou semimanufaturados. O que importamos deles está em 13,5%, um pouco mais, porém o superávit dos Estados Unidos é de cerca de 600 milhões de dólares.

Padrão da política externa de Trump é a chantagem, afirma Roberto Goulart Menezes
Arquivo pessoal/ Roberto Goulart Menezes
As taxas sobre o Brasil podem atingir negativamente o turismo para os Estados Unidos. Nós somos um dos países que mais viajam para lá. Isso já tem efeitos nos programas universitários de doutorado sanduíche financiados pela CAPES/MEC, com 2.400 bolsas. Com a morosidade e dificuldades na obtenção de vistos, os estudantes estão buscando outros destinos.
Na mesa do consumidos norte-americano, as taxas contra o Brasil vão afetar diretamente o consumo de suco de laranja e do café. Um outro problema são os produtos que estão a caminho dos Estados Unidos e que já começaram a faltar nas prateleiras. Havia, por exemplo, 90 toneladas de mel que começou a atrasar a entrega. O que ficou estabelecido é que os produtos que estavam embarcados ou chegariam perto de 1° de agosto, contarão com as tarifas anteriores.
Em relação à guerra tarifária no geral, ela prejudica ou ajuda os Estados Unidos?
Do ponto de vista da sua política econômica doméstica, embora Trump tenha falado sobre isso, é muito difícil vincular as tarifas à melhoria dos empregos seja em salário ou quantidade de vagas. Não será dessa forma que ele irá resolver a competitividade, a produtividade e o aumento dos empregos nos Estados Unidos.
As taxas estão prejudicando o consumidor norte-americano. Os carros elétricos da China foram taxados em 75% por [Joe] Biden, agora são os eletroeletrônicos. Isso afeta também os produtos do cotidiano, como vestuário, alimentação, e se soma a uma pressão inflacionária que já havia no país, elevando os preços. Trump percebeu isso já nas primeiras sanções sobre a agricultura. A China deixou de comprar a soja deles e passou a comprar a do Brasil.
E há pressão contra essa política de Trump por todos os lados: consumidor, empresariado, políticos, imprensa. E isso talvez leve a uma revisão o quanto antes das arbitrariedades. Ela se manifesta, em particular, nos setores afetados. Quando o Trump impôs suas tarifas estratosféricas contra a China, ele pressionou a Apple para sair do país e levar sua produção aos Estados Unidos. A empresa mostrou que isso era inviável porque precisaria de insumos, sobretudo mão de obra, e de quatro a cinco anos para começar a produção.
O objetivo dele é recuperar parcelas perdidas da hegemonia dos Estados Unidos na área política e econômica, mas o mundo hoje é outro. Eles acharam que a China ia piscar e ela não recuou, porque detém um terço da produção industrial do planeta, o que é um trunfo gigantesco. Ao mesmo tempo, a depender de como vai desenrolar a aplicação de tarifas contra a União Europeia, cujo PIB somado dos 27 países equivale ao dos Estados Unidos, isso pode indiretamente favorecer os demais países. Essa briga está só no começo.
Como você avalia a reação brasileira às tarifas?
O governo Lula reagiu bem. O empresariado entendeu que é preciso estar unido ao governo federal e ter apoio dos governadores. O país vem atuando em conjunto com associações comerciais e órgãos de diferentes segmentos econômicos norte-americanos. A embaixada do Brasil nos Estados Unidos está trabalhando no campo diplomático e atuando junto à imprensa norte-americana para mostrar que o Brasil não está prejudicando a população.
O Brasil precisa seguir esse movimento, inclusive, com as autoridades do governo Trump. Os países estão sendo obrigados a criar alternativas. O nosso comércio internacional já é bem diversificado, mas ainda não conseguimos redirecionar metade do que temos com os Estados Unidos, porque não existe esse espaço neste momento. Nós precisamos estreitar a parceria estratégica com outros países. Dialogar mais com a América do Sul, buscar mais o México, a África, a Ásia.
A OTAN está também pressionando o Brasil, a China e a Índia com sanções. Qual a gravidade disso?
Os Estados Unidos são o país que mais aplicam sanções no mundo. Agora, o senador republicano Lindsey Graham apresentou uma lei para sancionar os países que têm negócios com a Rússia e a proposta, que conta com 85 votos do 100 no Senado, será aprovada assim que for apresentada.
O objetivo é forçar, sobretudo a China, a convencer o Putin a negociar um cessar-fogo na Guerra da Ucrânia. É uma forma de estrangular o financiamento da Rússia, sobretudo, no setor de petróleo e dos seus derivados, entre os quais os fertilizantes, que podem afetar em cheio a agricultura do Brasil. E como vivemos um sistema financeiro internacional muito informatizado, isso permite aos Estados Unidos rastrear todas as relações comerciais desses países.
Há menos de um mês, na Holanda, durante a reunião da OTAN, Trump conseguiu arrancar dos países europeus o repasse de 5% do PIB dos países-membros em Defesa. Com isso, ele está dizendo: “nós podemos transferir equipamentos e apoio logístico, mas a guerra da Ucrânia é uma questão de vocês”.
A resposta de Putin, como vimos, foi intensificar os ataques ao país.























