Sábado, 6 de dezembro de 2025
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A ativista Muna Zeyn lançou seu mais novo trabalho: o livro EnvelheSer (Kotter Editorial). Para ela, o processo de envelhecer é o “melhor capítulo da vida”, no qual é necessário se “encontrar com a gente mesmo”.

A Opera Mundi, a também assistente social disse que sua recente obra é “intergeracional”, porque fala das relações humanas, independentemente da idade. “Você me falar que adorou o livro, me aponta uma das missões dele. De mostrar que ele não é uma obra somente para quem está chegando no processo de envelhecimento ou está no envelhecimento”.

O livro de Zeyn é um convite para descontruir o estigma da velhice, que, segundo ela, foi “confiscado esse direito sagrado, humano, de ser e a dimensão subjetiva de cada pessoa”.

A obra é para todos, defende a autora, mas ela quis adaptar o tamanho da fonte, para facilitar a leitura e torná-la acessível para quem tem problema de visão: “eu tive esse cuidado também”

Leia a entrevista na íntegra

Opera Mundi: para você, o que é envelhecer no Ser? 

Muna Zeyn: é você poder se realizar. Se você conhece o seu ser, se você tem o encontro com o seu ser, você pode realizar o que você quiser, né? Você está respondendo a sua natureza, singularidade e a sua subjetividade. E você caminha nesse processo, é lógico que ele tem encantos e desencantos.

Ele não é só um processo de encanto, mas dentro da sua integralidade, dentro da sua inteireza, como Paulo Freire falava. Então, eu acho que é isto que esse livro traz, cria uma intimidade tranquila e rápida, porque as pessoas se percebem em algum momento vivendo aquele alguma coisa que está colocado no livro e desperta para uma missão que diz: você pode ser diferente e aponta como ser diferente. 

Estamos em uma geração que as pessoas mais novas têm medo de envelhecer, tem medo de rugas, cabelo branco, se sentir mais velha. Por que isso acontece? 

Porque essa sociedade, ela só oferece a possibilidade de você ser sujeito dentro do padrão da juventude. Porque, fora do padrão da juventude, você é uma coisa.

Por isso que o livro escreve envelhecer com “S”. É “ser” envelhecer e não ser uma coisa da conjuntura, do envelhecer. Como se você não tivesse opinião, não tivesse desejo ou ser desejada, como se você fosse somente uma coisa que autoriza a qualquer um te infantilizar, dizendo, por exemplo “ai, como você tá bonitinha. Por que eu estou bonitinha? Vai falar bonitinha para outra pessoa, mas para mim não”.

Então, bonitinha é reduzir, desqualificar e subjugar a identidade da pessoa. E o livro quando diz “você é um ser”, significa que eu sou sujeito da minha história. E compartilho, talvez com meus filhos e netos, o momento que eu estou vivendo. 

Quando você diz envelhecer com “C”, você se torna uma bengala. E você não se não compartilha, você não divide, você vira um peso. E toda relação que é um peso não é uma relação amorosa ou saudável. Não é uma uma relação que te permite passar pela transformação daquele momento na sua integridade. 

É por isso que você diz no livro que “a coisa mais moderna que existe nessa vida é envelhecer”. 

É. Porque você hoje já está com 20% da população brasileira envelhecida. Veja, as pessoas que envelheceram hoje, que estão com 60, 70, 80, foram pessoas que foram jovens na geração 68. 

'A minha história me trouxe a experiência de ver e viver isso', afirma Muna Zeyn

‘A minha história me trouxe a experiência de ver e viver isso’, afirma Muna Zeyn
Arquivo pessoal de Muna Zeyn

Como estão esses jovens de 68?

Esses jovens 68 estão inquietos como eles foram na geração de 68, quando eles também desconstruíram o modelo de sociedade que tinha um padrão de como ser feliz, como se permitir e eles desconstruíram. Hoje, eles chegam também no processo de envelhecimento desconstruindo a construção histórica do que é ser idoso, o que é envelhecer, porque numa sociedade latino-americana se tornar uma coisa secundária.

E nós estamos mostrando que não. Você vai ter na na música pessoas com mais de 80 sendo sucesso, firmando, construindo, conquistando, conhecendo novos espaços e se adequando à nova realidade. Igual no teatro, como a Fernanda Montenegro, que é referência mundial.

Na política, você vai ter Luiza Erundina, Maria Benedita, acima de 80, mulheres se firmando, ainda abrindo a porteira para que muitas e muitos possam também se firmar a partir desse momento da vida.

Não é a questão do tempo que você tem de vida, mas sim o momento que você está vivendo e se permitir ser, ser inteiro, se permitir dizer “olha, eu gosto disso, eu quero fazer isso”. Se permitir, por exemplo, como alguns idosos, com 80 anos,  do Rio de Janeiro que são surfistas. O direito de ser eu vou ter. Eu vou me permitir, porque é um direito que eu tenho. 

Em relação a esse direito de poder fazer as atividades. Você acha que hoje em dia essa questão do etarismo ainda é pertinente?

Eu entendo isso como em “nome de proteção”, em “nome do cuidar”, é uma forma de expressar pequenas violências. Quando você limita a possibilidade da pessoa fazer o que deseja. 

Quando alguém diz “ai, não vai ali não, porque você pode cair”, ela retira o direito de ir e vir, de se permitir e se testar. Por isso que esse livro é diferente, ele traz uma nova ordem, uma nova possibilidade e uma nova realidade que é possível desde que você permita vivê-la. 

Por isso eu trouxe a partir de muita escuta. Esse é um livro, um portal que garante a possibilidade de escrever, de uma forma simples para que todos e todas pudessem ter esse acesso. E rompe uma construção histórica de que a velhice é um encontro com o fim. A velhice é um capítulo que você pode escrever de uma forma, na sua intensidade do seu desejo e da sua realização. 

É um exercício que muitos, infelizmente, não viveram. Viveram a infelicidade porque se padronizaram dentro da concepção cultural e acabaram aceitando a ideia que não tem mais nada a ver com essa geração que está envelhecendo hoje. O lugar que a cultura nos atribui, esse lugar não nos pertence mais.

Você falou sobre o envelhecer na América Latina. Você percebe diferenças entre envelhecer na América Latina, Europa? As percepções entre Ocidente e Oriente?

Nós temos o maior índice de desigualdade. Portanto, uma pessoa que foi jovem e pobre vai envelhecer também por essas dificuldades se o Estado não intervir através das políticas públicas.

O orçamento para a pessoa que está envelhecendo é muito pequeno e curto. Se analisar com alguém que não tem mais família e que precisa ser cuidada por uma casa de longa permanência pública (LPI), quantas casas de LPI você tem? Pouquíssimas e a demanda é enorme.

Já em um país do primeiro mundo, que investe nessa política de recreação, saúde e a busca ativa, o idoso está dentro de casa, mas não tem condições de ir a uma unidade básica de saúde (UBS) próxima, mas nesse lugar tem. Aqui também tem o programa, mas os programas são de pequena escala.

Esse livro traz novas categorias e novas situações. E ele vai falando muito suavemente, porque o capítulo do envelhecimento ainda é um detalhe muito doloroso no nosso país. Ele é de abandono, sofrimento, silenciamento e de violência. De abuso, negligência.

Puxando o gancho para a militância. A mulher sofre machismo em todas as fases da vida. Você entende que na fase idosa é pior? Como você diz no livro: “é devastador o preconceito enfrentado pela mulher idosa que busca autonomia”. 

A dominação está até dentro da gente que todo dia combatemos o machismo. Temos que fazer esse exercício diariamente.

É uma descolonização da dominação dos nossos corpos, mentes, entendimentos, leituras e do nosso cotidiano nas relações reproduzindo isso, através de uma vivência diária. Por isso temos que ouvir e se relacionar com o outro, para se fortalecer no combate desta cultura que promoveu muita infelicidade.

Entrando no aspecto de rede de proteção e de políticas públicas. Como está sendo no Brasil? Está encaminhando?

Está, mas tem que acelerar muito mais, porque nós, em 20 anos, envelhecemos mais do que em 50 anos que a Europa envelheceu. Precisamos nos adaptar, escutar, relacionar e buscar saídas políticas públicas. Por exemplo, a maior parte do idoso do Brasil mora só. Então, você tem que ter uma política, por exemplo, de banco de cuidadores públicos, entre outras coisas.

Também temos uma dívida social grande com a pessoa idosa no nosso país. Nós não podemos perder a humanidade dessas pessoas.