Sábado, 6 de dezembro de 2025
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A vitória de Zohran Mamdani na eleição municipal de Nova York continua tendo grande repercussão, sobretudo porque significa também a primeira vitória do seu movimento político, o Socialistas Democráticos da América (DSA) em uma eleição para um cargo executivo nos Estados Unidos.

Para debater mais profundamente sobre tal triunfo e seus significados políticos, Opera Mundi entrevistou uma integrante do DSA que vive no Brasil: Jana Silverman, doutora em Economia do Trabalho pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e professora de Relações Internacionais na Universidade Federal do ABC (UFABC).

Ademais, Silverman é pesquisadora do Instituto de Economia da Unicamp e da ONG Washington Brazil Office, e já foi diretora em São Paulo da Federação Americana do Trabalho e Congresso de Organizações Industriais dos Estados Unidos (AFL-CIO, por sua sigla em inglês).

Durante a conversa, a professora destacou que Mamdani terá durante sua administração o desafio de se equilibrar entre um a oposição aberta que deve sofrer por parte do presidente Donald Trump e também a resistência ao seu movimento por parte do establishment do Partido Democrata.

“Há um campo dentro do Partido Democrata que está dedicado a negar a importância da vitória do Zohran. Essa ala, é liderado por Chuck Schumer, que é o líder da bancada dos democratas no Senado, e também pela própria Hillary Clinton, que nunca reconheceu Zohran, nunca apoiou a candidatura dele em Nova York”, afirma a pesquisadora.

Por outro lado, Silverman destaca que o futuro prefeito “tem uma ótima relação com a atual governadora do estado de Nova York, Kathleen Hochul, mesmo ela sendo da ala mais moderada do Partido Democrata. Ela é desse campo dos democratas que entendem que o Zohran é o futuro do movimento progressista e, em um certo sentido, o futuro do partido”.

Sobre Trump, a acadêmica acredita que “Zohran está preparado para esse embate, e ele é alguém que não tem medo de mobilizar o apoio popular ao seu redor quando é necessário, o que é muito importante para esse desafio”.

Leia a íntegra da entrevista com Jana Silverman:

Opera Mundi: quais as suas impressões desta vitória? O que ela significa?

Jana Silverman: A vitória foi histórica. Nunca tivemos um prefeito abertamente socialista governando a maior cidade dos Estados Unidos. Tivemos prefeitos que foram mais progressistas, como David Dinkins, nos anos 90, o Firoello La Guardia, que foi na época do Franklin Roosevelt (anos 30 e 40), que fizeram muitas obras importantes no país, mas um socialista declarado é a primeira vez.

Também temos uma história mais antiga de socialistas governando outras cidades, como Minneapolis, mas são cidades menores, então é um fato absolutamente sem precedentes, e para o DSA também, porque de fato é a nossa primeira vitória em um cargo no Poder Executivo.

Trump declarou desde sempre ser um opositor à campanha de Mamdani. Como será essa relação agora que um é prefeito e o outro é presidente?

Essa contraposição é alimentada pelos dois lados, porque o Zohran também está se posicionando como inimigo número um da extrema direita, e do Trump em particular, e isso, para um empresário como ele, se tornou uma questão pessoal.

Trump nasceu, cresceu e viveu quase toda a sua vida adulta em Nova York. Ele enriqueceu e virou figura pública nacional em Nova York, antes de se mudar para a Florida. Então, para ele é inaceitável ter um “comunista”, que na verdade é um socialista democrático, como prefeito da cidade.

Mas eu acho que o Zohran está preparado para esse embate. Ele é alguém que não tem medo de mobilizar o apoio popular ao seu redor quando é necessário, e isso é muito importante para esse desafio contra Trump.

Um muçulmano, socialista e pró-Palestina irá comandar a cidade de Nova York

Um muçulmano, socialista e pró-Palestina irá comandar a cidade de Nova York
Luciana Rosa / Opera Mundi

Ainda assim, temos que ver os resultados que ele vai obter quando colocar essa estratégia em prática. Vimos figuras de esquerda fazendo isso, como o (presidente da Colômbia) Gustavo Petro, por exemplo, que mobilizou a população quando a extrema direita quis barrar uma reforma trabalhista. Acho que os próximos quatro anos em Nova York serão bem agitados, talvez com batalhas desse mesmo tipo.

Como você enxerga o protagonismo do DSA na vitória de Mamdani?

A campanha do Zohran e sua vitória eleitoral são produtos do DSA. Ele é militante orgânico, começou a ter uma carreira eleitoral em 2020, como deputado estadual, graças ao DSA, e toda a disputa para a prefeitura foi promovida no seio do movimento, sobretudo do diretório de Nova York.

Agora, claro que ele vai ter que ampliar o seu grupo para poder governar, já que ele não trabalha somente para os 11 mil filiados do DSA de Nova York, e sim para 8 milhões de habitantes da cidade, incluindo muito que não votaram nele.

Por exemplo, na equipe de transição que ele anunciou recentemente, não há dirigentes do DSA. Ele optou de convidar pessoas com mais trajetória administrativa, ou seja, pessoas ligadas a prefeituras anteriores do Partido Democrata ou de grandes ONGs.

Isso não significa, necessariamente, que o DSA foi colocado ao lado. Pelo contrário, nós esperamos participar em outros âmbitos. Mas, por enquanto, ele acha que é importante ter essa base de apoio tecnocrata, com mais experiência de governar, sobretudo nesse patamar Executivo, que nós (DSA) efetivamente nunca tivemos. A grande maioria dos nossos afiliados com cargos eleitos estão no Legislativo.

E o Partido Democrata, também ganha força?

Os democratas estão vendo no Zohran o representante de um grupo que está em ascensão dentro do partido, mas que ainda não é majoritário, embora seja uma minoria forte, que obviamente é liderada por Bernie Sanders e Alexandria Ocasio-Cortez.

Com a vitória nestas eleições, ficou mais clara a imagem do Zohran como a de um político que consegue mobilizar o eleitorado, algo que outras candidaturas democratas não conseguiram.

Porém, há também um outro campo dentro do Partido Democrata que está dedicado a negar a importância da vitória do Zohran. Essa ala, é liderado por Chuck Schumer, que é o líder da bancada dos democratas no Senado, e também pela própria Hillary Clinton, que nunca reconheceu Zohran, nunca apoiou a candidatura dele em Nova York.

Também há figuras do mainstreiam democrata que tiveram outro tipo de postura. É caso do (Barack) Obama, por exemplo, que apoiou abertamente a candidatura do Zohran e que agora atua como quem tenta cooptar o movimento que ele está encabeçando.

O que Nova York pode esperar da administração de Zohran Mamdani?

Sobre a questão da governabilidade, eu acho que ainda é cedo para falar. Ele foi eleito por conseguiu defendeu propostas claras sobre temas que são importantes para a classe trabalhadora, como o custo de vida, o acesso ao transporte público, a creches para as mulheres poderem trabalhar fora, entre outros temas.

Zohran também falou sobre temas mais internacionais, a questão da Palestina por exemplo, mas a candidatura foi principalmente em cima dessas questões relacionadas aos trabalhadores, porque isso é efetivamente o que um prefeito poderia impactar, e acho que é isso o que ele vai priorizar em sua administração.

Ele não vai deixar de defender a causa palestina verbalmente, quando achar que deve fazê-lo, mas o prefeito Nova York, por mais que seja um cargo importantíssimo na política norte-americana, não tem poder de decisão sobre a política externa dos Estados Unidos.

Todas essas questões vão ficar mais claras a partir do dia 1º de janeiro (de 2026), quando Zohran toma posse. Sabemos que ele vai precisar do pacto federativo para conseguir recursos, que ele precisa colocar em prática promessas de campanha ousadas, como a do passe livre nos ônibus, e precisará dialogar tanto com o governo estadual quanto com o governo federal.

Mas ele tem uma ótima relação com a atual governadora do estado de Nova York, Kathleen Hochul, mesmo ela sendo da ala mais moderada do Partido Democrata. Ela é desse campo dos democratas que entendem que o Zohran é o futuro do movimento progressista e, em um certo sentido, o futuro do partido.

Mas o problema vai ser, obviamente, a questão de conseguir os recursos com o governo federal, para grandes obras de infraestrutura, para o programa de creches gratuitas, passe livre no transporte. Vai ser um embate muito duro e não sabemos como vai terminar.