Líder social do Níger defende luta feminina no combate ao imperialismo
Segundo Amina Hamani, libertação das mulheres é fundamental para verdadeiro fim do neocolonialismo
“Se a mulher não estiver na revolução, o imperialismo garantirá a vitória”, afirmou a nigerina Amina Hamani, líder do Movimento Revolucionário das Mulheres Pan-africanas (MORFEPAN) – uma organização feminista de base, militante e pan-africana.
Em entrevista exclusiva a Opera Mundi, a ativista explicou que o imperialismo e o patriarcado atuam por múltiplos caminhos. “Mesmo quando analisamos a questão da insegurança, as primeiras vítimas são mulheres e crianças, não os homens”, disse Amina.
“Portanto, tudo o que o imperialismo faz, somos nós, mulheres, que sofremos as consequências. Eles são persistentes; se falham num caminho, tentam outro no dia seguinte. Tudo o que podemos fazer é estar atentas e sermos estratégicas para evitá-los”, afirmou.
Hamani participou na última terça-feira (16/09) do evento “Vozes da África: Revoluções Pan-Africanas Hoje e o Legado de Thomas Sankara”, em parceria com o MST. O encontro marcou o aniversário de dois anos da formação da Aliança dos Estados do Sahel (AES), composta por Burkina Faso, Mali e Níger – como parte da luta pela emancipação africana e contra o imperialismo. Lideranças populares e intelectuais dos países da AES reuniram-se para debater os desafios atuais das revoluções pan-africanas e o combate ao neocolonialismo no continente.
Leia a entrevista completa:
Opera Mundi: O que a motivou no ativismo do Movimento Revolucionário das Mulheres Pan-africanas? Quais os maiores desafios desse movimento?
Amina Hamani: É uma história um pouco longa, mas vou tentar resumir. Antes, eu era professora e sindicalista. Lecionei durante oito anos.
Durante o regime de Mohamed Bazoum (2021-2023), ele designou todos os militantes que não estavam alinhados com seu campo imperialista para as “zonas vermelhas” – áreas dominadas pelo terrorismo, onde grupos armados impõem suas regras, não têm piedade e causam destruição nas aldeias.
Recusei a transferência. Pensei: “devo ir às mulheres e crianças da aldeia que precisam de mim. Através de mim, elas também devem aprender a ler e escrever”.
Fui para lá e fiquei um ano. Todos os outros professores obedeceram a ordem do presidente, para não perderem seus salários. Deixaram-me sozinha na escola. Certa noite, por volta das 20h ou 21h, eu estava preparando comida quando ouvi batidas na porta. Era um grupo armado. Pediram comida. Eu disse: “não há problema, estou preparando”. Dei-lhes a comida e eles comeram.
Falaram comigo em Fulfulde ou Pulaar, línguas de grupos nômades do Níger. Tinham vindo para me matar. Mas como fui gentil com eles, disseram que me levariam de volta à cidade. Naquela zona isolada não há transporte. Agradeci. Depois da oração, não recusei. Havia uma idosa a quem eu sempre dava comida. Deixei-lhe o resto dos meus mantimentos e disse que voltaria, para não a preocupar.
Regressei diretamente e fui ao Ministério da Educação. A pessoa que me atendeu disse: “é você? Você que julga tem as mesmas medidas que os homens? Acha que pode fazer tudo o que eles fazem. Os terroristas também são homens. Portanto, você tem que voltar para lá. Na agência, não podemos mudar nada. E a zona também”.

Para ativista, imperialismo e patriarcado são faces da mesma moeda e operam para manter a opressão sobre as mulheres africanas
@movimentosemterra / Instagram
Em casa, refleti. Tenho dois filhos, sou órfã e tenho meus irmãos dependendo de mim. Então pensei: “não posso voltar, se algo me acontecer, quem cuidará dos meus filhos?”. Abandonei o sindicato – vi que era inútil. Nem mesmo eles, com quem eu colaborava, puderam fazer nada por mim.
Foi então que decidi criar este movimento [feminista]. Para que a mulher nigerina seja independente e consciente das questões imperialistas e patriarcais. Esse foi o início do meu compromisso e do meu envolvimento na luta.
Na sua visão, como o imperialismo e o patriarcado estão ligados à opressão sobre as mulheres africanas? E de que formas o neocolonialismo ainda se manifesta hoje no continente africano e especificamente na vida das mulheres?
Não é nada fácil ser revolucionária no Sahel. No Níger, 99% da população é muçulmana e a mulher deve ser submissa. Há uma percepção de que a mulher não deve ocupar certos espaços ou realizar certas ações.
Não é fácil, mas conseguimos resgatar muitas mulheres que estavam isoladas e destruídas pelo patriarcado e pelo imperialismo. Atuamos principalmente nas zonas rurais, pequenas cidades e aldeias, pois são essas mulheres que mais precisam de nós.
O imperialismo age sutilmente, por vezes oferecendo dinheiro com segundas intenções. Imagine uma mulher que nem consegue alimentar-se bem: ela não pode pensar primeiro em ganhar dinheiro. Comprará o quê? Como?
Nossa primeira preocupação foi ajudá-las economicamente. Comecei com meus próprios recursos, ensinando-as a fabricar sabão e xampu. Muitas têm vários filhos e nem sabão para lavar a louça possuem. É um começo.
Elas aprendem, produzem, vendem nas feiras e, com um pequeno lucro, reinvestem. Começamos devagar, etapa por etapa. Ultrapassamos a fase do sabão. Agora, focamos na educação popular e na alfabetização, já que muitas não são escolarizadas.
Tentamos também conscientizá-las sobre as questões imperialistas e patriarcais. Aos poucos, estamos avançando. Com as crianças, incentivamos os pais a deixá-las ir à escola. A pobreza leva muitas famílias a pôr os filhos a trabalhar no campo, mas a educação é crucial. A agricultura é importante, mas não pode impedir a escolarização.
Nos organizamos entre mulheres. No próximo mês, quando as aulas recomeçarem, faremos uma vaquinha para comprar material escolar e distribuir pelas crianças.
A situação das mulheres no continente é complexa. O imperialismo preparou-se meticulosamente para prejudicar as nossas populações, especialmente as mulheres, por múltiplas vias. Quando a mãe sofre, a família sofre. Eles tentam de tudo, mas nós estamos atentas e somos estratégicas.
Quais são as principais estratégias do MORFEPAN para mobilizar e organizar mulheres em bases populares, especialmente considerando a diversidade de realidades e a expansão para outros países do continente?
A principal estratégia é trabalhar através das comunas, onde existem agrupamentos femininos em cada aldeia. Cada coletividade tem uma presidente responsável.
Quando há atividades ou formações, capacitamos essas líderes, que depois replicam o conhecimento nas suas comunidades. Trabalhamos com educação popular, passo a passo, garantindo que todas as mulheres estão em pé de igualdade.
No trabalho, não há hierarquias rígidas; todas realizam as mesmas atividades juntas e compartilham tanto os infortúnios quanto as alegrias. Por exemplo, se uma jovem vai se casar – e no Níger a família da noiva assume todos os custos –, ou se alguém adoece, nós nos organizamos para cobrir as despesas.
Não há questões raciais ou de origem que nos dividam. Os nossos líderes sempre promoveram a união através do casamento entre diferentes grupos. A nossa única dificuldade real são as restrições financeiras que o país enfrenta, o que por vezes limita as nossas atividades. Mas a mobilização em si não é um problema; sabemos como trabalhar juntas.
Como está sendo a expansão para outros países?
Estamos trabalhando com outros países da África Ocidental para estabelecer capítulos do MORFEPAN em cada nação. Recentemente, num encontro no Brasil, discutiu-se a criação de um MORFEPAM no Mali.
Temos uma confederação com Mali e Burkina Faso. A minha camarada Hawasi Savani, que está na linha de frente da luta anti-imperialista no Mali, está trabalhando nos estatutos e na legalização da organização lá. O mesmo está acontecendo em outros países.
O retorno tem sido favorável, especialmente em Gana, onde as nossas camaradas do Movimento Socialista Ganês (SMD) já têm trabalho semelhante. Embora não estejamos exatamente na mesma dinâmica, isso não nos impedirá de colaborar.
Por agora, o foco é no Sahel, mas acredito que se expandirá para além dos três países, pois outros já manifestaram interesse em juntar-se à Aliança dos Estados do Sahel (AES). Estamos estudando a melhor forma de integrá-los.























