Sábado, 6 de dezembro de 2025
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A advogada da área de direitos humanos Rosa Cardoso, que foi uma das coordenadoras da Comissão Nacional da Verdade, afirmou nesta terça-feira (29/09), durante transmissão ao vivo no canal dos Jornalistas Livres, que não considera legítimo o acordo assinado entre a Volkswagen e o Ministério Público de indenização a funcionários da montadora perseguidos pela ditadura no Brasil. Além da advogada, participaram do evento membros do IIEP (Intercâmbio, Informações, Estudos e Pesquisas), um grupo que reúne educadores e formadores da educação popular, acadêmicos, sindicalistas de diferentes categorias e gestores de políticas públicas.

Para Cardoso, é preciso analisar a legislação citada no TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) para verificar a legalidade. Porém, o fato de o termo não incluir demandas daqueles que provocaram a ação do MP acaba por torná-lo, segundo ela, ilegítimo. Entre estas demandas, estava a criação de um Espaço de Memória dos Trabalhadores.

“Certamente, legítimo [o TAC] não é. Há dois conceitos: um de legalidade e um de legitimidade, que tem a ver com uma questão de Justiça. É evidente desde logo que, se o MP começa a se movimentar a partir de uma representação que nós fazemos em torno de um certo tema, sobre o qual que nós fizemos a pesquisa, entregamos os elementos, ajudamos a fazer a prova e sobre o qual pedimos uma coisa muito compatível com o direito à memória, com a Justiça de transição, que é o direito à reparação – uma reparação coletiva – é injusto que se faça uma coisa completamente diferente e se disperse a nossa energia investida neste trabalho”, afirmou.

“[É injusto] que se distribuam os recursos entre outras instituições, mesmo que valiosas do ponto de vista dos direitos humanos, mas que distribuam ao memorial da Ordem dos Advogados, ao projeto de Perus”, disse. As doações a estes outros projetos estão contempladas no acordo.

Segundo ela, a não inclusão da demanda da criação do memorial causou exclusão do que ela chamou de “ponto fundamental para a reparação coletiva da classe trabalhadora”. “Se isso tivesse sido contemplado, nós teríamos uma forma de nos aproximarmos desse projeto, que muito nos interessa “, disse.

“É preciso ficar claro também que a empresa adiou, impôs suas restrições, mas quem formulou essa proposta no TAC não foi a empresa – não foi a empresa que decidiu quais instituições receberiam o dinheiro. Isso foi ideia do Ministério Público.”, afirmou Cardoso.

Veja a íntegra do debate:

Para Rosa Cardoso, advogada da área de direitos humanos, a não inclusão de um Espaço de Memória dos Trabalhadores exclui "um ponto fundamental para a reparação coletiva da classe trabalhadora"

Debate

O debate, que aconteceu durante o programa Direito à Vida também é Direito à Memória, contou com a participação também de outros membros do IIEP e do jornalista alemão Christian Russau, autor do livro Empresas alemãs no Brasil: o 7X1 na economia.

Russau disse que, desde o começo, critica-se a versão da Volkswagen de que as torturas e as colaborações com a ditadura eram “ações individuais”.

“Temos conhecimento de que os dirigentes da VW no Brasil sabiam que se torturava nas prisões e passaram as informações [sobre funcionários] ao DOPS. Ao nosso ver, isso é colaboração com a tortura”, disse.

LEIA TODAS AS NOSSAS REPORTAGENS SOBRE O CASO:


Acordo

A Volks fez um acordo no último dia 23 de setembro para pagar cerca de R$ 36 milhões em indenizações a mais de 60 ex-funcionários perseguidos pela empresa durante a ditadura militar nos anos 1970

O valor, equivalente a 5,5 milhões de euros, será pago em ações coletivas e individuais. Boa parte do dinheiro irá para a associação de vítimas, formada por antigos funcionários e descendentes destes. O acordo veio depois de cinco anos de processo, que será encerrado.

Logo depois da divulgação do TAC, o IIEP criticou o acordo. Segundo o grupo, o pacto está “aquém do que foi negociado nos últimos cinco anos” e é uma tentativa “rasa e distorcida” de fazer uma retratação.

A montadora quer, para o IIEP, “fazer uma retratação rasa e distorcida, em que trabalhará a cumplicidade com a ditadura como um desvio de conduta de alguns funcionários, e não uma cooperação sistemática e orgânica com a repressão durante mais de três décadas”.

“O que incomoda a Volkswagen é a imagem e o marketing. As doações feitas serão tratadas pela empresa como uma benevolência e não como uma reparação por sua cumplicidade com a ditadura. Nesse sentido, ela sairá limpa dessa história”, afirmam, lembrando que a Volkswagen “fez todas as manobras e protelações possíveis.”